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Institucional Legislação
       
     
 

Informe
UNAFISCO SINDICAL
Rio de Janeiro

Boletim n° 107                                                         Rio de Janeiro, 16 de julho de 2003

Defensores da reforma fogem do debate e
não comparecem à Audiência Pública na ALERJ

               Cerca de 200 Auditores-Fiscais da Receita Federal compareceram ontem, dia 14, à Audiência Pública sobre a reforma da Previdência realizada pela Comissão Especial da Reforma Previdenciária da Câmara dos Deputados na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Os Auditores se concentraram na escadaria do MF e foram juntos para a Audiência. Alguns AFRF chegaram antes das 14h para garantir lugar no plenário. Por volta de 15h, os AFRF já ocupavam o plenário as galerias da Alerj. Outro grupo permaneceu no ato público dos servidores em frente à Assembléia. Usando camisetas com a inscrição Contra a privatização da previdência e o desmonte do Estado, os AFRF eram a categoria mais presente à Audiência. Auditores-Fiscais da Previdência também tiveram forte presença. Por volta das 22h, ao fim da Audiência, cerca de 15 AFRF ainda ocupavam o plenário.
                Os deputados que defendem a reforma da Previdência enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional não compareceram à Audiência Pública. Nem o Ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, nem o relator da Comissão Especial de Reforma Previdenciária da Câmara dos Deputados, José Pimentel (PT/CE), que haviam assumido compromisso de defender publicamente suas posições junto aos servidores, se fizeram presentes ao encontro marcado. Outro deputado que garantiu presença, mas não compareceu, foi Roberto Brant (PFL/MG), ex-ministro da Previdência no governo FHC e presidente da Comissão Especial que analisa a reforma. A ausência foi alvo de protesto dos AFRF, que exibiram cartazes questionando os ausentes, cuja foto foi publicada no jornal O Globo de hoje, terça-feira.
                O plenário e as galerias da Alerj ficaram lotados durante toda a tarde. Por volta das 17:30h, o vice-presidente da Comissão Especial de Reforma da Previdência, deputado Onix Lorenzoni (PFL/RS), abriu oficialmente a Audiência, passando a palavra para diversas autoridades presentes. Ele lamentou a ausência do relator e, conforme entendimentos da Comissão, a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) assumiu a coordenação da audiência. O presidente da Alerj, Jorge Picciani, saudou os presentes em nome da Assembléia. Em seguida, o presidente do Tribunal de Justiça, Miguel Pachá, foi ovacionado ao fazer a defesa dos magistrados e do serviço público. Para ele, os atuais servidores não poderão ser penalizados porque os governos não cumpriram sua parte no contrato. O mesmo aconteceu quando o presidente do Tribunal Regional do Trabalho declarou que somente uma constituinte teria o poder de mudar cláusulas pétreas em nossa Constituição.
                Após os pronunciamentos dos representantes dos poderes públicos, seguiram-se os das entidades presentes. Pelas regras estabelecidas, parlamentares somente se pronunciariam após as entidades. Dentre sindicatos e associações de classe, foram 73 inscritos e todos tiveram garantido o direito de usar a tribuna. Em São Paulo, foram 41 inscritos.
                A primeira entidade a usar a palavra foi o Sindsprev-Rio, que defendeu a retirada da PEC 40/03 da pauta do Congresso. Segundo a representante do sindicato, Jandira Rocha, não basta fazer emendas, porque a proposta toda é nociva aos interesses dos trabalhadores.
                A Delegacia Sindical do Unafisco no Rio de Janeiro foi representada pelo seu presidente, Alexandre Teixeira. Primeiramente ele lembrou que os AFRF estão na 7ª semana de paralisação, não apenas em defesa de seus direitos, mas do Estado brasileiro. O presidente da DS cobrou do governo providências para estancar os lucros indecentes dos bancos. Segundo ele, o problema fiscal do país pode ser resolvido através de medidas infra-constitucionais na área tributária, usando como exemplos o fim da isenção na distribuição de lucros e dividendos e a dedução dos juros sobre capital próprio no IR. Para ele, a reforma da previdência vai beneficiar exatamente estes setores mais privilegiados e não vai resolver os problemas do país. "Três ou quatro medidas na área tributária poderiam render ao governo seis vezes mais, cerca de R$ 320 bilhões, do que ele anuncia como economia nos próximos 30 anos se fizer a reforma. Isso sem cometer nenhuma injustiça contra os servidores e alcançando verdadeiramente os privilegiados desse país" – completou Alexandre.
                Outro momento marcante foi quando o dirigente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, Martins Vieira, anunciou que os juízes do estado, reunidos ontem em assembléia geral extraordinária, decidiram pelo indicativo de greve caso o parecer a ser apresentado na próxima quarta-feira pelo relator da Reforma da Previdência (PEC 40/03), deputado José Pimentel (PT-CE), não contemple as reivindicações da categoria.
                No fim da tarde, as galerias já estavam lotadas. Muitos servidores tiveram que ficar protestando na escadaria da Alerj, onde um telão exibia ao vivo a audiência. A deputada Jandira Feghali anunciou que iria negociar para que todas as entidades pudessem ter sua representação no Plenário e que garantiria a fala de todas elas. A deputada também garantiu que hoje mesmo os integrantes da Comissão Especial receberiam a íntegra das intervenções nas Audiências do Rio e de São Paulo, ou seja, antes da apresentação do relatório em plenário, prevista para amanhã, quarta-feira, às 16:00h. A deputada, logo na abertura, conclamou os servidores a aceitar apenas as propostas que contemplem o serviço público e não ceder diante de propostas que beneficiem apenas os atuais servidores. "A reforma deve servir ao Estado brasileiro e não há Estado sem serviço público e sem servidores públicos" — resumiu.
                Caso não desista desta reforma, Lula deve enfrentar gravíssima crise em seu governo, com tantos setores descontentes e a base governista pressionada pelos seus eleitores.
                Hoje, inicia-se nova paralisação de 72 horas na Receita Federal. É a sétima semana de paralisação e o movimento deve se intensificar no mês de agosto, quando a reforma pode ir à votação. AFRF de todo o Brasil aderiram ao movimento ao perceber que o governo ouve todo mundo, mas não parece disposto a mudar substancialmente o rumo que escolheu para as reformas. Portanto, somente a mobilização pode impedir que se concretize mais este desastre para o combalido Estado brasileiro.

               AGENDA DA SEMANA

Hoje, quarta - Plenária da mobilização da 7ª Região Fiscal.

A participação dos delegados e observadores eleitos em Assembléia
é obrigatória. Os demais colegas estão convidados e devem participar.

Amanhã, quinta - Assembléia Nacional.

A presença nas assembléias em época de greve é fundamental para a categoria tomar decisões sobre o andamento da mobilização em cada unidade. Compareça!

Horários das assembléias

Aeroporto 10:30h
Porto 10:30h
Nova Iguaçu 11:00h
Auditório da DS 14:30h


Contra a privatização da Previdência
e o desmonte do Estado


CARTA DO LEITOR

Caros colegas,


A respeito de mais um inflamado discurso do Presidente Lula, impossível não observar que esse cidadão que vocifera contra o Congresso Nacional (instituição que, apesar dos pesares, ainda é o local onde a população busca se fazer representar) e, por conseguinte, contra a democracia, só chegou lá por conta de leis votadas nessa mesma casa, da qual, aliás, ele já fez parte.

Muitos aqui do Espei07 podem confirmar que, logo que Lula foi eleito, eu, que nele votei ao longo de todas as suas candidaturas, costumava dizer: "agora, teremos que nos acostumar com as decepções". Dizia isso por saber que não lhe seria possível cumprir tudo o que prometeu, mas confiava que as promessas de justiça social seriam mantidas como Norte e meta principal. Mas uma justiça social para todos, até para os servidores

públicos, pois por nosso intermédio é que boa parte da justiça social é concretizada. Nunca imaginei que a maior das decepções viria na forma da continuação da campanha de detração dos servidores públicos, que hoje já "comemora" cerca de 13 anos desde a collorida campanha da caça aos "marajás". Não votei em Lula almejando grandes reajustes ou compensação de perdas históricas, mas imaginando que a forma de tratamento que recebia de meu chefe mudaria. Com sua eleição, sonhei que depois de treze anos de perseguições da parte de nossos próprios chefes supremos (Ministro da Fazenda e Presidente da República) haveria, senão melhoria salarial, respeito e consideração.

No fim de 1997, em plena era FHC, angustiado com as tais perseguições e o menosprezo à nossa categoria e instituição por parte do mandatário máximo, lancei-me a uma nova empreitada: já aos 35 anos iniciei o curso universitário em Direto. Curso noturno assim como o primeiro, em Engenharia, quando também trabalhava durante o dia. Assim, ao final de cada expediente nesta casa, para mim se iniciava uma nova labuta nas salas de aula. Pensava que seria a alternativa ao desmonte da SRF e da nossa carreira que à época vinha sendo consumado. Imaginei como solução mudar mais uma vez de carreira, ambicionando as carreiras jurídicas.

O final da era FHC coincidiu com minha formatura. Feliz, pensei que não seria necessário novamente mudar de carreira, com todo o sacrifício que isso envolveria. Isso por estar certo que a postura do candidato que eu havia ajudado a finalmente eleger seria outra. Já formado em Direito, iniciei planos de aperfeiçoamento em Direito Tributário: bom para mim, que poderia vir a dar aulas à noite; bom para a SRF, que teria um AFRF mais gabaritado.

Mas a realidade vem se mostrando outra. A partir da PEC 40/2003, vários colegas como eu, na faixa dos 40 anos de idade, passaram a vislumbrar uma carreira estendida, com mais 20 ou 25 anos. Até aí, nada de mais, pois acredito sinceramente que em um país pobre como o nosso, não haveria problema algum em trabalhar até os 60 ou 65 anos de idade, os quais eu gostaria de alcançar ainda com saúde. O grave problema que se apresenta é a retirada da garantia de uma digna aposentaria ao final dessa jornada, já que esta, pelo que deseja o Governo, passa a ser calculada por uma longa média histórica, com teto de R$ 2.400 e sem vinculação aos reajustes dos ativos. Daí a quantidade de AFRF (e TRF) que se encontram atualmente cursando Direito, sem falar em outras especialidades (só na UERJ, onde me graduei, a mais concorrida Faculdade de Direito do RJ, a média é de três AFRF em cada um dos 10 períodos noturnos de Direito). Vários outros AFRF, de elevada e reconhecida competência, recentemente graduados, já iniciaram nova fase de estudos voltada à aprovação em concursos para a Magistratura ou Ministério Público. Muitos outros, igualmente competentes, já mudaram de profissão, empobrecendo com sua saída a nossa instituição. Posso citar de memória vários AFRF que se tornaram Juízes Federais, apenas na Seção Judiciária do Rio de Janeiro: Washington Juarez, José Carlos Zebulum, Cásio Murillo, Fábio Tenenblat e Renato César de Souza. Não tenho noção da situação a nível nacional, mas é bem possível que seja similar ao RJ.

Ora, diria algum desavisado, mas a reforma da Previdência prevê para Judiciário e Ministério Público o mesmo tratamento que será dado àqueles servidores do executivo (servidores estes, diga-se de passagem, que se encontrariam em um local denominado "vala comum", conforme recente pronunciamento do Presidente do STJ Nilson Naves, em defesa da manutenção do atual sistema previdenciário dos magistrados). Ora, admite-se estar desavisado ou mal informado, mas já passamos da idade para continuarmos ingênuos: essa reforma não alcançará a todos os servidores igualmente. Assim como não alcançou os militares e os servidores do Poder Legislativo (estes, em muitos casos, aposentam-se com remuneração integral ao fim de apenas um mandato). A nós ninguém defenderá, só os "radicais" do PT. Os ex-radicais, agora no governo, mudaram o discurso. Ou, por acaso, alguém já ouviu do Ministro Palocci, seguindo exemplo do Ministro Nilson Naves,

alguma palavra em defesa dos servidores a ele subordinados no Ministério da Fazenda?

"Vala comum", segundo o bom e velho Aurélio, trata-se de "sepultura coletiva onde são enterrados, gratuita mais promiscuamente, corpos de indigentes ou de pessoas que morreram em conjunto". Duvido que o insigne enciclopedista tenha imaginado que sua definição passaria a ser utilizada para denominar centenas de milhares de servidores públicos, lançados à total incerteza quanto ao seu futuro por meio de uma odiosa campanha

difamatória. Seria alguma previsão mórbida? Afinal, as novas aposentadorias limitadas por esse novo teto e corroídas pela inflação correrão o risco de não conseguir arcar com funeral mais digno.

Que será da SRF? Que futuro almejamos para ela? Como nossos administradores vêem a situação atual? Será que desvinculam a instituição de seus componentes? Esqueceram-se que aquela não subsiste sem estes? Acho que essas angústias e inseguranças permeiam a mente de vários colegas, mas parecem não estar sendo suficientemente refletidas para os andares de cima.

Permiti-me escrever este texto, talvez já um tanto longo, como minha pequena contribuição ao nosso dia de paralisação. Recomendo a leitura da reportagem a seguir, já que antes de ir para a vala comum, necessário se faz morrer e, como diz a historiadora Marly Silva da Motta, citada no texto dessa reportagem: "nesse filme, a gente morre no final" (e de preferência, posso acrescentar, morre cedo e enterrado na "vala comum", para não onerar a Previdência Pública).


Ricardo Armesto

A matéria do jornal O Globo que gerou
este artigo está publicada a seguir

’Nesse filme, a gente morre no final’

Carter Anderson

A historiadora Marly Silva da Motta considerou infelizes, fortes e perigosas as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, na sua opinião, lembram tempos em que os fins justificavam os meios em detrimento da ordem democrática. Ela disse ter ficado preocupada principalmente com o trecho em que o presidente afirmou que nem o Congresso Nacional nem o Poder Judiciário impedirão o Brasil de assumir seu lugar de destaque.

Quando ele fica apenas nas intempéries, nas forças da natureza, tudo bem. Mas quando identifica o Congresso e o Judiciário como obstáculos para conseguir seu objetivo, aí entra em outro terreno. É um discurso perigoso que identifica no arcabouço político-institucional um entrave para alcançar suas metas. Remete a um Brasil que acreditava em fórmulas salvadoras e rápidas. As conquistas são lentas e envolvem negociação diz Marly, pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (Cpdoc-FGV).

Para a historiadora, Lula adotou um discurso antigo, usado tanto pela esquerda como pela direita nos anos 50 e 60 e que levou a crises políticas e ao movimento militar de 1964. O então deputado Leonel Brizola, lembrou Marly, dizia nos anos 60 que as reformas de base seriam implantadas "na lei ou na marra". Antes disso, na década de 50, Carlos Lacerda pregou o golpe, ao ser contra a posse e o governo do então presidente Getúlio Vargas, que acabou se suicidando em agosto de 1954.

Esse discurso é muito forte e aposta na inviabilidade do processo democrático. Nesse filme, a gente morre no final. Ninguém quer repetir ? afirmou a historiadora.

Professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), o cientista político Renato Lessa disse que Lula, com declarações como essas,

atrapalha o processo de negociação política conduzido pelo governo para a aprovação das reformas. Para Lessa, as declarações certamente serão usadas por seus adversários.

Sem dúvida foi um improviso infeliz, mas não vejo no presidente características bonapartistas.

O presidente está muito informal e acaba falando o que não deve. Como dizer que vai fazer uma reforma contra o Congresso ou contra o Judiciário? As reformas têm que ser feitas com e não contra, dentro da ordem democrática ? afirmou Lessa.

Ao provocar atritos com outros poderes da República, disse o professor do Iuperj, Lula vai na contramão de toda a costura política que vem sendo feita desde o início do governo pelo chefe da Casa Civil, José Dirceu, e pelo secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci:

O movimento tem sido justamente o de chamar para o consenso. Lula acaba dando munição para os que estavam esperando um deslize dele. E, infelizmente, Lula deslizou.

Jornal O Globo, em 25/06/2003