Defensores da reforma fogem do debate e
não comparecem à Audiência Pública na ALERJ
Cerca
de 200 Auditores-Fiscais da Receita Federal compareceram ontem, dia 14,
à Audiência Pública sobre a reforma da Previdência
realizada pela Comissão Especial da Reforma Previdenciária
da Câmara dos Deputados na Assembléia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro. Os Auditores se concentraram na escadaria do MF e foram
juntos para a Audiência. Alguns AFRF chegaram antes das 14h para
garantir lugar no plenário. Por volta de 15h, os AFRF já
ocupavam o plenário as galerias da Alerj. Outro grupo permaneceu
no ato público dos servidores em frente à Assembléia.
Usando camisetas com a inscrição Contra a privatização
da previdência e o desmonte do Estado, os AFRF eram a categoria
mais presente à Audiência. Auditores-Fiscais da Previdência
também tiveram forte presença. Por volta das 22h, ao fim
da Audiência, cerca de 15 AFRF ainda ocupavam o plenário.
Os deputados que defendem a reforma da Previdência enviada pelo
governo federal ao Congresso Nacional não compareceram à
Audiência Pública. Nem o Ministro da Previdência, Ricardo
Berzoini, nem o relator da Comissão Especial de Reforma Previdenciária
da Câmara dos Deputados, José Pimentel (PT/CE), que haviam
assumido compromisso de defender publicamente suas posições
junto aos servidores, se fizeram presentes ao encontro marcado. Outro
deputado que garantiu presença, mas não compareceu, foi
Roberto Brant (PFL/MG), ex-ministro da Previdência no governo FHC
e presidente da Comissão Especial que analisa a reforma. A ausência
foi alvo de protesto dos AFRF, que exibiram cartazes questionando os ausentes,
cuja foto foi publicada no jornal O Globo de hoje, terça-feira.
O plenário e as galerias da Alerj ficaram lotados durante toda
a tarde. Por volta das 17:30h, o vice-presidente da Comissão Especial
de Reforma da Previdência, deputado Onix Lorenzoni (PFL/RS), abriu
oficialmente a Audiência, passando a palavra para diversas autoridades
presentes. Ele lamentou a ausência do relator e, conforme entendimentos
da Comissão, a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) assumiu a
coordenação da audiência. O presidente da Alerj, Jorge
Picciani, saudou os presentes em nome da Assembléia. Em seguida,
o presidente do Tribunal de Justiça, Miguel Pachá, foi ovacionado
ao fazer a defesa dos magistrados e do serviço público.
Para ele, os atuais servidores não poderão ser penalizados
porque os governos não cumpriram sua parte no contrato. O mesmo
aconteceu quando o presidente do Tribunal Regional do Trabalho declarou
que somente uma constituinte teria o poder de mudar cláusulas pétreas
em nossa Constituição.
Após os pronunciamentos dos representantes dos poderes públicos,
seguiram-se os das entidades presentes. Pelas regras estabelecidas, parlamentares
somente se pronunciariam após as entidades. Dentre sindicatos e
associações de classe, foram 73 inscritos e todos tiveram
garantido o direito de usar a tribuna. Em São Paulo, foram 41 inscritos.
A primeira entidade a usar a palavra foi o Sindsprev-Rio, que defendeu
a retirada da PEC 40/03 da pauta do Congresso. Segundo a representante
do sindicato, Jandira Rocha, não basta fazer emendas, porque a
proposta toda é nociva aos interesses dos trabalhadores.
A Delegacia Sindical do Unafisco no Rio de Janeiro foi representada pelo
seu presidente, Alexandre Teixeira. Primeiramente ele lembrou que os AFRF
estão na 7ª semana de paralisação, não
apenas em defesa de seus direitos, mas do Estado brasileiro. O presidente
da DS cobrou do governo providências para estancar os lucros indecentes
dos bancos. Segundo ele, o problema fiscal do país pode ser resolvido
através de medidas infra-constitucionais na área tributária,
usando como exemplos o fim da isenção na distribuição
de lucros e dividendos e a dedução dos juros sobre capital
próprio no IR. Para ele, a reforma da previdência vai beneficiar
exatamente estes setores mais privilegiados e não vai resolver
os problemas do país. "Três ou quatro medidas na área
tributária poderiam render ao governo seis vezes mais, cerca de
R$ 320 bilhões, do que ele anuncia como economia nos próximos
30 anos se fizer a reforma. Isso sem cometer nenhuma injustiça
contra os servidores e alcançando verdadeiramente os privilegiados
desse país" completou Alexandre.
Outro momento marcante foi quando o dirigente da Associação
dos Magistrados do Rio de Janeiro, Martins Vieira, anunciou que os juízes
do estado, reunidos ontem em assembléia geral extraordinária,
decidiram pelo indicativo de greve caso o parecer a ser apresentado na
próxima quarta-feira pelo relator da Reforma da Previdência
(PEC 40/03), deputado José Pimentel (PT-CE), não contemple
as reivindicações da categoria.
No fim da tarde, as galerias já estavam lotadas. Muitos servidores
tiveram que ficar protestando na escadaria da Alerj, onde um telão
exibia ao vivo a audiência. A deputada Jandira Feghali anunciou
que iria negociar para que todas as entidades pudessem ter sua representação
no Plenário e que garantiria a fala de todas elas. A deputada também
garantiu que hoje mesmo os integrantes da Comissão Especial receberiam
a íntegra das intervenções nas Audiências do
Rio e de São Paulo, ou seja, antes da apresentação
do relatório em plenário, prevista para amanhã, quarta-feira,
às 16:00h. A deputada, logo na abertura, conclamou os servidores
a aceitar apenas as propostas que contemplem o serviço público
e não ceder diante de propostas que beneficiem apenas os atuais
servidores. "A reforma deve servir ao Estado brasileiro e não
há Estado sem serviço público e sem servidores públicos"
resumiu.
Caso não desista desta reforma, Lula deve enfrentar gravíssima
crise em seu governo, com tantos setores descontentes e a base governista
pressionada pelos seus eleitores.
Hoje, inicia-se nova paralisação de 72 horas na Receita
Federal. É a sétima semana de paralisação
e o movimento deve se intensificar no mês de agosto, quando a reforma
pode ir à votação. AFRF de todo o Brasil aderiram
ao movimento ao perceber que o governo ouve todo mundo, mas não
parece disposto a mudar substancialmente o rumo que escolheu para as reformas.
Portanto, somente a mobilização pode impedir que se concretize
mais este desastre para o combalido Estado brasileiro.
AGENDA
DA SEMANA
Hoje, quarta -
Plenária da mobilização da 7ª Região
Fiscal.
A participação dos delegados e observadores
eleitos em Assembléia
é obrigatória. Os demais colegas estão convidados
e devem participar.
Amanhã, quinta - Assembléia
Nacional.
A presença nas assembléias em época
de greve é fundamental para a categoria tomar decisões sobre
o andamento da mobilização em cada unidade. Compareça!
Horários das assembléias
Aeroporto 10:30h
Porto 10:30h
Nova Iguaçu 11:00h
Auditório da DS 14:30h
Contra a privatização
da Previdência
e o desmonte do Estado
CARTA DO LEITOR
Caros colegas,
A respeito de mais um inflamado discurso do Presidente Lula, impossível
não observar que esse cidadão que vocifera contra o Congresso
Nacional (instituição que, apesar dos pesares, ainda é
o local onde a população busca se fazer representar) e,
por conseguinte, contra a democracia, só chegou lá por conta
de leis votadas nessa mesma casa, da qual, aliás, ele já
fez parte.
Muitos aqui do Espei07 podem confirmar que, logo que Lula foi eleito,
eu, que nele votei ao longo de todas as suas candidaturas, costumava dizer:
"agora, teremos que nos acostumar com as decepções".
Dizia isso por saber que não lhe seria possível cumprir
tudo o que prometeu, mas confiava que as promessas de justiça social
seriam mantidas como Norte e meta principal. Mas uma justiça social
para todos, até para os servidores
públicos, pois por nosso intermédio é que boa parte
da justiça social é concretizada. Nunca imaginei que a maior
das decepções viria na forma da continuação
da campanha de detração dos servidores públicos,
que hoje já "comemora" cerca de 13 anos desde a collorida
campanha da caça aos "marajás". Não votei
em Lula almejando grandes reajustes ou compensação de perdas
históricas, mas imaginando que a forma de tratamento que recebia
de meu chefe mudaria. Com sua eleição, sonhei que depois
de treze anos de perseguições da parte de nossos próprios
chefes supremos (Ministro da Fazenda e Presidente da República)
haveria, senão melhoria salarial, respeito e consideração.
No fim de 1997, em plena era FHC, angustiado com as tais perseguições
e o menosprezo à nossa categoria e instituição por
parte do mandatário máximo, lancei-me a uma nova empreitada:
já aos 35 anos iniciei o curso universitário em Direto.
Curso noturno assim como o primeiro, em Engenharia, quando também
trabalhava durante o dia. Assim, ao final de cada expediente nesta casa,
para mim se iniciava uma nova labuta nas salas de aula. Pensava que seria
a alternativa ao desmonte da SRF e da nossa carreira que à época
vinha sendo consumado. Imaginei como solução mudar mais
uma vez de carreira, ambicionando as carreiras jurídicas.
O final da era FHC coincidiu com minha formatura. Feliz, pensei que não
seria necessário novamente mudar de carreira, com todo o sacrifício
que isso envolveria. Isso por estar certo que a postura do candidato que
eu havia ajudado a finalmente eleger seria outra. Já formado em
Direito, iniciei planos de aperfeiçoamento em Direito Tributário:
bom para mim, que poderia vir a dar aulas à noite; bom para a SRF,
que teria um AFRF mais gabaritado.
Mas a realidade vem se mostrando outra. A partir da PEC 40/2003, vários
colegas como eu, na faixa dos 40 anos de idade, passaram a vislumbrar
uma carreira estendida, com mais 20 ou 25 anos. Até aí,
nada de mais, pois acredito sinceramente que em um país pobre como
o nosso, não haveria problema algum em trabalhar até os
60 ou 65 anos de idade, os quais eu gostaria de alcançar ainda
com saúde. O grave problema que se apresenta é a retirada
da garantia de uma digna aposentaria ao final dessa jornada, já
que esta, pelo que deseja o Governo, passa a ser calculada por uma longa
média histórica, com teto de R$ 2.400 e sem vinculação
aos reajustes dos ativos. Daí a quantidade de AFRF (e TRF) que
se encontram atualmente cursando Direito, sem falar em outras especialidades
(só na UERJ, onde me graduei, a mais concorrida Faculdade de Direito
do RJ, a média é de três AFRF em cada um dos 10 períodos
noturnos de Direito). Vários outros AFRF, de elevada e reconhecida
competência, recentemente graduados, já iniciaram nova fase
de estudos voltada à aprovação em concursos para
a Magistratura ou Ministério Público. Muitos outros, igualmente
competentes, já mudaram de profissão, empobrecendo com sua
saída a nossa instituição. Posso citar de memória
vários AFRF que se tornaram Juízes Federais, apenas na Seção
Judiciária do Rio de Janeiro: Washington Juarez, José Carlos
Zebulum, Cásio Murillo, Fábio Tenenblat e Renato César
de Souza. Não tenho noção da situação
a nível nacional, mas é bem possível que seja similar
ao RJ.
Ora, diria algum desavisado, mas a reforma da Previdência prevê
para Judiciário e Ministério Público o mesmo tratamento
que será dado àqueles servidores do executivo (servidores
estes, diga-se de passagem, que se encontrariam em um local denominado
"vala comum", conforme recente pronunciamento do Presidente
do STJ Nilson Naves, em defesa da manutenção do atual sistema
previdenciário dos magistrados). Ora, admite-se estar desavisado
ou mal informado, mas já passamos da idade para continuarmos ingênuos:
essa reforma não alcançará a todos os servidores
igualmente. Assim como não alcançou os militares e os servidores
do Poder Legislativo (estes, em muitos casos, aposentam-se com remuneração
integral ao fim de apenas um mandato). A nós ninguém defenderá,
só os "radicais" do PT. Os ex-radicais, agora no governo,
mudaram o discurso. Ou, por acaso, alguém já ouviu do Ministro
Palocci, seguindo exemplo do Ministro Nilson Naves,
alguma palavra em defesa dos servidores a ele subordinados no Ministério
da Fazenda?
"Vala comum", segundo o bom e velho Aurélio, trata-se
de "sepultura coletiva onde são enterrados, gratuita mais
promiscuamente, corpos de indigentes ou de pessoas que morreram em conjunto".
Duvido que o insigne enciclopedista tenha imaginado que sua definição
passaria a ser utilizada para denominar centenas de milhares de servidores
públicos, lançados à total incerteza quanto ao seu
futuro por meio de uma odiosa campanha
difamatória. Seria alguma previsão mórbida? Afinal,
as novas aposentadorias limitadas por esse novo teto e corroídas
pela inflação correrão o risco de não conseguir
arcar com funeral mais digno.
Que será da SRF? Que futuro almejamos para ela? Como nossos administradores
vêem a situação atual? Será que desvinculam
a instituição de seus componentes? Esqueceram-se que aquela
não subsiste sem estes? Acho que essas angústias e inseguranças
permeiam a mente de vários colegas, mas parecem não estar
sendo suficientemente refletidas para os andares de cima.
Permiti-me escrever este texto, talvez já um tanto longo, como
minha pequena contribuição ao nosso dia de paralisação.
Recomendo a leitura da reportagem a seguir, já que antes de ir
para a vala comum, necessário se faz morrer e, como diz a historiadora
Marly Silva da Motta, citada no texto dessa reportagem: "nesse filme,
a gente morre no final" (e de preferência, posso acrescentar,
morre cedo e enterrado na "vala comum", para não onerar
a Previdência Pública).
Ricardo Armesto
A matéria do jornal O Globo que gerou
este artigo está publicada a seguir
Nesse filme, a gente morre no
final
Carter Anderson
A historiadora Marly Silva da Motta considerou infelizes, fortes e perigosas
as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva que, na sua opinião, lembram tempos em que os fins justificavam
os meios em detrimento da ordem democrática. Ela disse ter ficado
preocupada principalmente com o trecho em que o presidente afirmou que
nem o Congresso Nacional nem o Poder Judiciário impedirão
o Brasil de assumir seu lugar de destaque.
Quando ele fica apenas nas intempéries, nas forças da natureza,
tudo bem. Mas quando identifica o Congresso e o Judiciário como
obstáculos para conseguir seu objetivo, aí entra em outro
terreno. É um discurso perigoso que identifica no arcabouço
político-institucional um entrave para alcançar suas metas.
Remete a um Brasil que acreditava em fórmulas salvadoras e rápidas.
As conquistas são lentas e envolvem negociação diz
Marly, pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getúlio Vargas (Cpdoc-FGV).
Para a historiadora, Lula adotou um discurso antigo, usado tanto pela
esquerda como pela direita nos anos 50 e 60 e que levou a crises políticas
e ao movimento militar de 1964. O então deputado Leonel Brizola,
lembrou Marly, dizia nos anos 60 que as reformas de base seriam implantadas
"na lei ou na marra". Antes disso, na década de 50, Carlos
Lacerda pregou o golpe, ao ser contra a posse e o governo do então
presidente Getúlio Vargas, que acabou se suicidando em agosto de
1954.
Esse discurso é muito forte e aposta na inviabilidade do processo
democrático. Nesse filme, a gente morre no final. Ninguém
quer repetir ? afirmou a historiadora.
Professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro (Iuperj), o cientista político Renato Lessa disse
que Lula, com declarações como essas,
atrapalha o processo de negociação política conduzido
pelo governo para a aprovação das reformas. Para Lessa,
as declarações certamente serão usadas por seus adversários.
Sem dúvida foi um improviso infeliz, mas não vejo no presidente
características bonapartistas.
O presidente está muito informal e acaba falando o que não
deve. Como dizer que vai fazer uma reforma contra o Congresso ou contra
o Judiciário? As reformas têm que ser feitas com e não
contra, dentro da ordem democrática ? afirmou Lessa.
Ao provocar atritos com outros poderes da República, disse o professor
do Iuperj, Lula vai na contramão de toda a costura política
que vem sendo feita desde o início do governo pelo chefe da Casa
Civil, José Dirceu, e pelo secretário-geral da Presidência,
Luiz Dulci:
O movimento tem sido justamente o de chamar para o consenso. Lula acaba
dando munição para os que estavam esperando um deslize dele.
E, infelizmente, Lula deslizou.
Jornal O Globo, em 25/06/2003
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