Sexta-feira, 07 de novembro de 2003

Jornal do Brasil

Ética da Receita Federal é posta em xeque

Para Piquet Carneiro, contribuintes deveriam ser avisados de ''pendências''


Hugo Marques

BRASÍLIA - O presidente da Comissão de Ética Pública, o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, não considera ético a Receita Federal colocar em sua página na internet a anotação da situação ''não regular'' e ''com pendências'' de CPFs, antes de avisar o contribuinte. Esta, pelo menos, foi a queixa mais comum de ministros e 29 senadores registrados dessa forma, conforme publicou o Jornal do Brasil nos últimos dois dias. Piquet Carneiro sugeriu mudanças no banco de dados da Secretaria da Receita Federal, com a inclusão de senhas de acesso exclusivas aos dados.
- Parece-me que isso não é ético. Para registrar uma situação de irregularidade tem de ser oferecido ao cidadão, ao contribuinte, uma oportunidade de esclarecimento - afirmou Piquet Carneiro.

O presidente da Comissão de Ética Pública afirma ter sido vítima da falta de organização da Receita. Conta ter pago, há cinco anos, as prestações do Imposto Territorial Rural de um sítio, do qual faltou resíduo de R$ 53. Não recebeu nenhum aviso sobre o débito. Considera que a Receita tem um ''sistema opressivo de controle''.

- Soube do resíduo ao receber notificação da Procuradoria da Fazenda Nacional - reclama.

Por tudo isso, Piquet Carneiro sugere ''aperfeiçoamento'' no banco de dados da Receita na internet.

- O ideal seria uma senha a qual apenas o contribuinte tivesse acesso. Ou então algum mecanismo que não dê para deduzir que há irregularidade. Talvez o sistema de senha seja o mais recomendável, para evitar quebra de sigilo fiscal.

O aperfeiçoamento do sistema deve incluir não apenas autoridades públicas, mas o conjunto dos contribuintes. As autoridades públicas sofrem ''constrangimento maior'', reconhece.

- É preciso preservar também o cidadão comum, o consumidor que entra numa loja para comprar a prazo, entrega um cheque pré-datado e fica sob suspeição quando o lojista acessa a página da Receita e se depara com uma anotação dessas. Fato que pode ser uma coisa irrelevante do ponto de vista fiscal - alega.

Piquet Carneiro não acredita que exista incompatibilidade entre o exercício de cargo público e eventual pendência fiscal. Citou o exemplo do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, incluído no cadastro dos não regulares da Receita. Piquet Carneiro informou que o ministro, ao assumir o cargo, adotou as providências padrões na Comissão de Ética Pública: deixou a advocacia e terceirizou a administração do patrimônio.

Ao aparecer o registro sobre ''pendência'' na página da Receita em nome do ministro, diz Piquet Carneiro, ''fica a impressão para a sociedade civil de existência de falha de conduta''.

- Este é um exercício do direito do ministro - assegura.

Piquet Carneiro afirma não admitir que o esquecimento de dívida de R$ 50 ou R$ 200 seja definido como infração ética.

- Os ministros podem ter sido vítimas de ação equivocada da Receita. Temos de dar o benefício da dúvida às pessoas. Sabemos o que é o fiscalismo no Brasil - argumenta.