Sexta-feira, 12 de dezembro
de 2003
Jornal
do Brasil
PT estuda recuo estratégico
Preocupado com a repercussão negativa, partido
cogita suspender a senadora Heloísa Helena em vez de expulsá-la
Paulo de Tarso Lyra
BRASÍLIA - Às vésperas da reunião do Diretório
Nacional, marcada para o fim de semana, em Brasília, setores da
cúpula do PT começam a se preocupar com a repercussão
negativa da possível expulsão da senadora Heloísa
Helena (AL). Está sendo avaliada a alternativa de suspender a senadora
das atividades partidárias como punição pelo voto
contrário à reforma da Previdência. A justificativa
seria o precedente aberto no episódio do deputado Eduardo Jorge
(PT-SP), que, em 1997, foi suspenso por 30 dias após votar a favor
da criação da CPMF.
Aos demais radicais, o tratamento seria mais duro. Luciana Genro (PT-RS),
João Batista de Araújo, o Babá (PT-PA) e João
Fontes (PT-SE) continuam condenados. Não têm o mesmo carisma
e o apelo popular de Heloísa. Pesa também o fato de terem
se envolvido em outros episódios, além do voto contra a
reforma da Previdência.
- Houve o episódio da fita com o discurso de Lula em Aracaju,
articulado pelos três deputados, sem a participação
da senadora. Além disso, eles falam abertamente na criação
de uma outra legenda. Heloísa, não - confirmou um petista
respeitado pelo governo.
A questão vem gerando acalorados debates internos. Cansados do
confronto direto com a senadora rebelde desde o início do governo
- na verdade, as crises começaram durante a campanha, quando o
PT fechou a aliança com o PL -, o núcleo central do partido
não vê como retroceder neste momento.
- Houve uma quebra de confiança e respeito. Se ela tivesse um
pingo de responsabilidade intelectual, já teria se desligado. Heloisa
queimou todas as pontes - acusou outro petista que circula no Planalto.
A dois dias da reunião do Diretório Nacional, o assunto
deixará os dois lados com os neurônios fervendo até
o desfecho da crise. A dúvida é: punir exemplarmente, para
deixar claro que o PT se pauta pela liberdade de opinião, ou buscar
um caminho alternativo, para não transformar Heloisa Helena em
mártir perante a opinião pública.
- Respeito todas as manifestações. O PT sempre garantiu
a liberdade opinião, sempre vamos respeitar isso. Mas todos sabem
que o partido defende a unidade do voto - reforçou o presidente
nacional da legenda, José Genoino (SP).
A distinção entre o comportamento da senadora e o dos demais
parlamentares é nítida inclusive dentro do grupo que busca
a chamada ''repactuação''. Em evento ontem no Salão
Verde da Câmara, deputados, acompanhados do senador Eduardo Suplicy
(PT-SP), apresentaram um manifesto com a assinatura de 34 deputados e
cinco senadores. O lema-chave era: ''O momento é de repactuação,
não de expulsões.'' Dos radicais, só Heloísa
compareceu.
- Se o presidente Lula foi capaz de pedir a paz até entre judeus
e palestinos, por que não perdoar a senadora? Só porque,
em momentos de entusiasmo, ela diz palavras ásperas que incomodam
o fígado dos ministros? - indagou Suplicy.
O deputado Walter Pinheiro (PT-BA) - que votou a favor da suspensão
de Babá e Luciana Genro da bancada após o episódio
da fita com o discurso de Lula - lembrou que, durante o processo envolvendo
Luiza Erundina (PSB-SP), suspensa do PT por aceitar integrar o ministério
de Itamar Franco, o próprio Lula - na época presidente de
honra do partido - foi contra a expulsão.
- Será lamentável se o PT expulsar Heloísa Helena
e, lá na frente, recuar diante de pessoas que entraram agora no
partido e são suspeitas de envolvimento em questões éticas
- afirmou Pinheiro, em alusão às denúncias contra
o governador de Roraima, Flamarion Portela.
Protesto e poesia pelos radicais
BRASÍLIA - O ato realizado ontem no Salão Verde, sob o lema
''O momento é de repactuação, não de expulsões'',
foi o primeiro da ofensiva organizada por setores do PT para tentar salvar
os radicais. Até a decisão do Diretório Nacional,
que será tomada no domingo, uma série de atos está
prevista na tentativa de reverter a crise.
Hoje, às 13h, no Rio, haverá concentração
no Buraco do Lume, no Centro. No fim da tarde, as manifestações
serão feitas na Boca Maldita, em Curitiba. À noite, será
a vez do Largo do São Francisco, em São Paulo. No sábado
à noite, num recinto fechado de Brasília - ainda não
definido - está prevista uma nova manifestação.
- Até o último momento vamos fazer a nossa vigília
- garantiu o deputado Chico Alencar (PT-RJ).
Durante o ato de ontem, Heloísa pouco falou. Olhar perdido, acompanhava
o discurso dos ''companheiros''. Abraçou a Deolinda Alves, mulher
de José Rainha.
- Se sair do PT, Helô, vem para o MST que a gente te recebe de
braços abertos. No entanto, queremos te ver aqui, no PT, lutando
- afirmou Deolinda.
Servidores saídos do Rio engrossaram a manifestação.
Trajavam camisetas pretas, com o desenho de uma estrela chorando e os
dizeres de Cecília Meireles: ''a maior pena que eu tenho, punhal
de prata, não é de me ver morrendo, mas de saber quem me
mata.''
Os parlamentares entoaram a música religiosa ''Comunhão''.
Depois, a exemplo do que havia ocorrido há dois dias no Senado,
cantaram ''Maria, Maria''. Heloísa animou-se apenas na estrofe:
''Mas é preciso ter força, é preciso ter raça,
é preciso ter sonhos sempre.'' Chorou e secou as lágrimas.
- É muito duro ver ''delinqüentes políticos'' sendo
acarinhados pelo governo, enquanto nós estamos sendo ameaçados
de expulsão. É de cortar o coração - limitou-se
a dizer.

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