Quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

O DIA

Leão morde com força
Manutenção da tabela do Imposto de Renda leva carga tributária a se aproximar de 38% do PIB
Lúcio Santos


A manutenção da tabela do Imposto de Renda vai ajudar a carga tributária do País a chegar a 38% do Produto Interno Bruto, segundo estimativa do tributarista Ives Gandra Martins, um dos mais conceituados do País. Ele explicou que o presidente Fernando Henrique Cardosos deixou o Governo com carga tributária de 36,5% do PIB. Em junho, chegou a 37,5%, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), e neste fim de ano “já deve estar beirando os 38%”, estima Gandra, mesma previsão do presidente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral. Confira aqui o tamanho da mordida.

Gandra acredita que a medida, além de trair as promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornará ainda mais difícil a redução do desemprego. “A carga tributária é a principal geradora de desemprego”, diz ele. No campo macroeconômico, o tributarista afirma que “o Brasil é o único país emergente que está patinando no crescimento”. Enquanto China, Rússia, México e até a Argentina estão crescendo a índices superiores a 6% este ano, o Brasil vai crescer menos de 1%. “Não temos ainda o Fome Zero, mas já temos o PIB zero”, ironiza.


A tributarista Rose Marie De Bom acrescentou que “manter a tabela é o mesmo que aumentar o IR, porque o aumento do custo de vida já foi mais alto do que o reajuste salarial recebido pelo trabalhador”. Se a Câmara tivesse aprovado a correção da tabela pela inflação (10%) e reduzisse a alíquota máxima para 25%, conforme estava previsto, os contribuintes deixariam de pagar R$ 1,8 bilhão no ano que vem.


Gilberto Luiz do Amaral lembra que a mordida do Leão atinge principalmente a classe média. Ele explica que os ganhos salariais de um trabalhador que recebia R$ 2 mil no início do ano passado foram subtraídos pelo IR, já que a alíquota desse contribuinte passou de 15% para 27,5%.


Segundo o presidente do IBPT, a arrecadação do IR da pessoa física em 1996 rendeu R$ 13,37 bilhões, e este ano deve fechar em R$ 30,23 bilhões, ou seja, cresceu 25,6% acima da inflação. “Só a manutenção da alíquota em 27,5% rendeu à União, em seis anos, R$ 9,05 bilhões”, diz Amaral.


O que dizem os contribuintes


“Mais uma vez a população está pagando a conta. No afã de fazer caixa, o Governo está aumentando a carga tributária, em vez de diminuir”. Orivaldo Lima, 40 anos, securitário

“É uma medida paliativa que não resolve o problema. Deveriam aumentar a base de contribuintes, e não continuar com a alíquota, como pretendem fazer”. Jean Bendia, 32 anos, bancário

“A alíquota pesa. Mas o pior é não ter certeza do destino do dinheiro. Sinto falta de prestação de contas e de ver os efeitos do recolhimento”. Marly Chagas, 50 anos, musicoterapeuta

Relator da Cofins admite rever o aumento da alíquota

O deputado paulista Jamil Murad (PCdoB), relator da Medida Provisória da Cofins, disse que vai rever o aumento da alíquota de 3% para 7,6%. Cofins é a contribuição que as empresas pagam para o Governo financiar a seguridade social. Antes, era cobrada cumulativamente, ou seja, em todos os processos produtivos das mercadorias ou dos serviços. Com a MP, o Governo acabou com a sucessão de cobranças, mas, segundo empresários de vários setores, elevou de forma excessiva a alíquota (que entrará em vigor em fevereiro).

Presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Paulo Skaf, propôs uma brecha na legislação para evitar defeitos, distorções ou sobrecarga em algumas áreas. Skaf foi um dos empresários que se reuniram em Brasília com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, para alertar que a medida provisória tira a competitividade dos produtores nacionais.

“Relator tem que ser um artista”, diz Jamil Murad

“Até terça ou quarta-feira, vamos aparar as arestas e aprimorar a proposta”, disse o relator da MP, adiantando que o mais viável será aliviar o setor de serviços. “O mais substancial é diminuir a Cofins a ser paga pelas empresas, particularmente, de serviços”, repetiu Murad, após reunião no Ministério da Fazenda. O deputado informou que terá encontro hoje com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e líderes do Governo para negociar as mudanças na MP. “É um parto a fórceps”, disse Murad. “O relator tem de ser um artista para agradar aos diferentes públicos”.

O presidente da Nestlé, Ivan Zurita, calcula que o setor de alimentos terá aumento de custo de 3,5%. “Não tenho dúvida. Minha preocupação é que a indústria já está no limite de custos de ajustes, e não tem como absorver isso”. Significa que a mordida do Governo nos empresários vai doer no bolso dos consumidores, que pagarão a conta da elevação da Confins para 7,6%.



COLUNA DO SERVIDOR
Teresa Cristina Fayal

Apelo por inativos

O PFL quer que servidores maiores de 75 anos e que ganham menos de R$ 4.800 fiquem isentos da taxação aprovada na Reforma da Previdência. A alternativa, que está sendo analisada pelo ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, será usada como moeda de troca. O Governo terá que ceder nesse ponto se quiser ver aprovada o mais rápido possível a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) paralela à oficial, que foi votada semana passada no Senado. A intenção é que todo o processo alternativo seja concluído até o dia 15. Ontem foi um dia de grande movimentação no ministério. O telefone de Berzoini não parou e parlamentares se esbarravam nos corredores da Previdência, enquanto o Governo fazia cálculos para ver a possibilidade de isentar esse grupo de inativos. Como sempre, o desentendimento ficou entre os próprios petistas. O senador Paulo Paim (PT-RS), vice-presidente do Senado, afirmou que o acordo sobre a iniciativa do PFL estava fechado. O líder do Governo, Aloizio Mercadante (PT-SP), descartou a hipótese: “Isso não foi tratado”.