quarta-feira, 06 de agosto de 2003

O Globo

Vitória com ajuda da oposição
Adriana Vasconcelos, Bernardo de la Peña e Catia Seabra
BRASÍLIA

Num prazo recorde, 97 dias depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levar suas reformas ao Congresso, o governo conseguiu nesta madrugada sua maior vitória política desses sete meses, com a aprovação da emenda constitucional que muda o sistema previdenciário nacional no plenário da Câmara. Com uma boa margem de vantagem, o texto da emenda aglutinativa com as últimas alterações acordadas, que substituiu o relatório de José Pimentel (PT-CE), foi aprovado por 358 votos a favor, 126 contra e nove abstenções — 50 votos a mais do que o necessário. As mudanças acabam com a integralidade de aposentadorias e pensões para os futuros servidores, instituindo para estes a previdência complementar pública, aumentam o tempo de serviço e de contribuição para os para os atuais servidores e restabelecem a taxação dos inativos, aprovada pelo ex-presidente Fernando Henrique mas derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Para os trabalhadores da iniciativa privada, a única mudança provocada pelo Regime Geral de Previdência é a elevação do teto das aposentadorias para R$ 2.400, o que provocará também o aumento da contribuição.

Base aliada teve 65 defecções

Mas foi uma vitória a duras penas, com dissidências importantes na base. Oito deputados do PT se abstiveram, contrariando o fechamento de questão, e devem enfrentar processo de punição no diretório nacional. A deputada Jandira Feghali (RJ) foi uma das quatro do PCdoB a também votar contra o governo. Ao todo, a base governista sofreu 65 defecções. A emenda só foi aprovada com a ajuda dos votos dos oposicionistas PSDB e PFL.

— Politicamente essa votação foi uma vitória muito importante para o governo. Mostrou que o governo tem vontade e tem rumo. Em menos de quatro meses aprovou a emenda e mostrou um alto grau de mobilização da coordenação política . Mas não comemorei , porque hoje começou um processo irreversível de punição dentro do PT — disse o presidente do PT, José Genoino, logo após constatar que 11 petistas votaram contra o governo.

Debaixo de um coro entoado pelos manifestantes nas galerias e parlamentares da oposição que cantavam “Você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão”, os líderes governistas defenderam a proposta e conseguiram vencer um dia de rebeliões na própria base para aprovar a primeira etapa da reforma da Previdência no plenário.

Embora não tenha atendido ao pedido de elevação do subteto dos magistrados estaduais de 75%, proposta inicial do relatório, para 90,25% do salário de ministro do Supremo tribunal Federal(STF), como queriam os juízes, o governo cedeu e elevou o subteto para 85,5%.

A emenda aglutinativa apresentada ao plenário só no meio da noite incluiu também a elevação do teto para contribuição dos servidores inativos de R$ 1.058 para R$ 1.200. O limite da integralidade das pensões também foi elevado de R$ 1.058 para R$ 2.400, a partir do qual sofrerão redução de 50%. Por fim, ficou acertado que o governo não acrescentaria à emenda constitucional a inclusão de 40 milhões de autônomos na Previdência, com contribuição subsidiada de 8% do salário-mínimo. Isso será regulamentado futuramente em projeto de lei.

— A base do governo não tinha votos para aprovar as reformas — disse o presidente da comissão especial, Roberto Brant (PFL-MG), referindo-se à ajuda da oposição, principalmente dos governadores.

O governador Paulo Souto (PFL), da Bahia, juntamente com os tucanos Aécio Neves (MG) e Geraldo Alckmin (SP), também atuou ativamente para virar votos contra a emenda.

— Todos contribuíram para essa vitória no plenário. Uma parte do PSDB e do PFL também. Eles têm governadores e sabem a importância das reformas — declarou o líder do PT, Nélson Pellegrino (BA).

Reuniões foram dramáticas

Ao longo de mais de 12 horas de intensas reuniões, foram registradas cenas dramáticas no próprio PT, onde deputados resolveram pagar o preço da expulsão e contrariar o fechamento de questão. O governo teve que administrar crises em quase todos os partidos da base para garantir a votação do texto base da reforma previdenciária: no PT , passando por PTB, PMDB e PL.

No PSDB, que votou com o governo, o apoio andou por um fio, já que os tucanos ficaram revoltados com o que chamaram de inabilidade política do presidente Lula, que, no dia da votação, precisando aumentar a base, criticou o ex-presidente Fernando Henrique em duas ocasiões em solenidades públicas no Planalto.

Ainda assim, não estará livre de surpresas na sessão de hoje, quando serão votados 13 destaques, sendo sete da base governista: três do PL, dois do PTB, um do PCdoB e um do PDT. Como são em sua maioria supressivos, caberá ao governo pôr 308 deputados em plenário para votar contra os destaques e manter o texto aprovado.

Momentos antes da votação da emenda aglutinativa, o presidente da Câmara tentou uma manobra ousada para derrubar a maioria dos destaques. Suspendeu a sessão por alguns minutos, reuniu os líderes de todos os partidos e fez a seguinte proposta: ele, João Paulo, assumiria o ônus de aprovar o destaque do PL que determina o subteto para o Judiciário em 90,25% e , em troca, os autores dos demais destaques encaminhariam requerimento retirando-os da pauta.

O líder do PFL, José Carlos Aleluia (BA), foi o primeiro a protestar contra a proposta. Líderes do governo também discordaram.

— Seria uma incoerência. Passamos todo o dia negociando o valor de 85,5% para o subteto e não teríamos como mudar de posição — disse o líder do PSB, Eduardo Campos.

Na noite de ontem, enquanto os deputados estavam reunidos no plenário, no andar de baixo, o inquieto PMDB ameaçava boicotar a votação. Em meio à confusão, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, ligou para o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), pedindo para que pelo menos o texto-base fosse votado. Os deputados se queixavam de tudo, até da dificuldade de relacionamento com o PT nos estados.
COLABORARAM: Isabel Braga e Isabela Abdala

Onze deputados do PT ficam contra o governo e deverão ser expulsos
Adriana Vasconcelose Isabel Braga

BRASÍLIA. O PT sai da votação da reforma da Previdência na Câmara com 11 deputados a menos. O presidente do partido, José Genoino, disse, após o resultado no plenário, que quem se absteve está na mesma situação dos que votaram contra. Os dissidentes — Chico Alencar (RJ), João Alfredo (CE), Paulo Rubem Santiago (PE), Walter Pinheiro (BA), Orlando Fantazzini (SP), Ivan Valente (SP), Mauro Passos (SC), e Maninha (DF), que se abstiveram, além de João Batista Babá, Luciana Genro e João Fontes, que votaram contra — vão agora enfrentar o diretório.

— Dez por cento do partido votarem contra o governo é politicamente muito ruim, para o PT e para o governo. O partido não pode afinar porque são 11 deputados. Quem se absteve ou votou contra fez uma ruptura unilateral com o partido — disse Genoino.

Durante o dia, Genoino e os líderes tiveram muito trabalho para evitar que os rebeldes contaminassem outros grupos de esquerda do partido. Conseguiram parcialmente. Quase um terço da bancada passou o dia reunida e, no fim, muitos saíram desolados, em prantos, como Doutor Rosinha, Orlando Desconsi (RS) e Arlindo Chinaglia (SP).

— Estou indo para o matadouro — disse Rosinha

— Foi o fim de um sonho — constatou Tarcisio Zimmerman (RS).

Embora alguns deputados, como Walter Pinheiro e Ivan Valente, tenham chegado a defender o voto contra todo o relatório de José Pimentel (PT-CE), o grupo queria desde o início contrariar o governo, pelo menos na votação de alguns destaques como o que estabelece regras de transição para os servidores que estão perto da aposentadoria.

Babá com Cecília Meirelles no peito

Ontem, Babá desfilou pela Câmara com uma camiseta de protesto de servidores com o desenho de uma estrela chorando e um verso de Cecília Meirelles: “A maior pena que eu tenho, punhal de prata, não é de me ver morrendo, mas de saber quem me mata”. Já Luciana Genro engrossou protestos de servidores.

Logo cedo, um grupo de 27 deputados — o mesmo que assinara um manifesto a favor de mudanças no texto da reforma da Previdência — se reuniu para tentar tomar uma decisão conjunta em relação à votação. A expectativa era garantir um avanço em pelo menos mais três pontos do relatório de Pimentel: a integralidade das pensões até R$ 2.400, regras de transição e o aumento do teto da isenção para a contribuição dos servidores inativos para pelo menos R$ 2.400.

Mas o governo só cedeu em relação às pensões, o que só ajudou a aumentar a rebelião dentro da bancada e obrigou Pellegrino a entrar em campo para conter a crise.

— Se houver destaque para as regras de transição, terei muita dificuldade para votar contra. Se vier a punição do partido, serei obrigado a arcar com as conseqüências. Mas jamais deixarei de ser petista ou farei oposição ao governo Lula — adiantou o deputado Luciano Zica (PT-SP).

Número de abstenções cresceu à tarde

Na mesma linha, o deputado Wasny de Roure (PT-DF) sinalizou que poderia desobedecer à orientação do partido:

— Na vida política não se pode aceitar apenas as orientações do partido, é preciso ser fiel aos motivos que nos trouxeram aqui.

À tarde, o número de abstenções no PT cresceu durante a votação de outro requerimento que solicitava o encerramento da discussão do relatório de Pimentel. Nas duas votações, os petistas desobedeceram à orientação do líder do PT, entre eles João Alfredo, Paulo Rubem Santiago, Chico Alencar, Orlando Fantazzini e Mauro Passos.

— Estamos nos esforçando para contornar essa crise. Seria muito ruim para o partido — admitiu o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).

Há quem acredite que o partido terá dificuldades até mesmo para punir o grupo de rebeldes, já que eles representam quase um terço da bancada.

Ameaça de punição não funciona e governo cede
Catia Seabra

BRASÍLIA. O governo ameaçou punir aliados infiéis com a perda de cargo e os petistas dissidentes com a expulsão, mas teve que ceder em oito pontos para aprovar a reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. Depois de um dia inteiro de reuniões e de intensa troca de telefonemas, o texto da reforma foi modificado para contemplar a base aliada e eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A surpresa do dia foi endereçada à Central Única dos Trabalhadores (CUT): subiu de R$ 1.058 para R$ 1.200 o teto de isenção para a taxação dos servidores públicos inativos.

Só com o Judiciário o governo endureceu, fixando em 85,5% do salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) o teto do magistrados nos estados. Pela proposta original, esse limite seria menor, de 75%. Além disso, não é remoto o risco de o Congresso satisfazer a reivindicação do Judiciário, com a adoção de um teto de 90,25%. Ontem, numa extensa reunião entre os líderes aliados, foi grande o número dos que defenderam o atendimento da reivindicação do Judiciário.

— Estamos assumindo um desgaste para atender aos governadores. Os governadores não votam aqui. Não sou deputado estadual — reagiu o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE), especialmente irritado ao saber que, em nome dos governadores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha apresentado uma outra alternativa de redução de pensões.

Dirceu: rebeldes serão expulsos

Na véspera, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, foi claro. Não só disse que os petistas dissidentes seriam expulsos do partido como endureceu o tom ao ouvir de Valdemar da Costa Neto (PL-SP) que o PL apresentaria um destaque para mudar a proposta.

— Você tem que decidir se fica ou não com o governo. Quem apresentar destaque vai ficar bem com o Judiciário, mas vai ficar mal com o governo e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva — disse Dirceu.

De manhã, Lula telefonou para o relator da reforma, José Pimentel (CE), sugerindo um modelo de redução de pensão pelo qual só seria garantido o benefício integral até o valor de R$ 1.200. Os líderes insistiram na fórmula que permite a integralidade até R$ 2.400. O que exceder sofrerá um corte de 50%. Essa foi mais uma concessão do governo: pela proposta original, esse piso seria de R$ 1.058.

Pimentel iniciou ontem a reunião relatando a conversa com o presidente. Ao saber que reproduzia um pedido dos governadores, Eunício Oliveira foi o primeiro a reagir. Mas não foi o único.

— Não dá. O que vou dizer à bancada? — perguntou Roberto Jefferson (PTB-RJ).

"Vamos ouvir o presidente!"

A chiadeira foi tanta que Professor Luizinho (PT-SP), vice-líder do governo na Câmara, teve que apelar:

— Por favor, vamos ouvir a proposta do presidente!

Também em atendimento à base e à CUT, o governo concordou com a criação de uma regra de transição segundo a qual todo o servidor público em atividade será beneficiado com anistia da contribuição previdenciária (11% do salário), caso complete 48 anos (mulheres) e 53 anos (homens), desde que com, respectivamente, 30 e 35 anos de contribuição.

Para os bombeiros e policiais militares, ficou assegurado o direito de pensão integral — a exemplo das Forças Armadas — para as viúvas dos soldados mortos em serviço.

E, numa tentativa de atender aos parlamentares mais à esquerda da base, ficou estabelecido na emenda que os fundos de previdência complementar serão públicos (administrados pelo Estado) e fechados (só para servidor). Mas a contribuição é que será definida, e não o valor da aposentadoria no futuro.

A redação do texto também deixa clara a garantia do direito à integralidade da aposentadoria para atuais servidores. Ficou esclarecido ainda o conceito de paridade, excluindo apenas benefícios como vale-refeição do cálculo de reajuste automático (para o aposentado, índice igual ao do servidor da ativa).

Pimentel: não houve recuos

No texto, também fica estabelecida a necessidade de uma nova lei para tentar incluir os 40 milhões de trabalhadores que estão na informalidade. Mas isso virá num projeto de lei complementar.

Apesar das concessões, o relator José Pimentel (CE) alegava que não houve recuos:

— A essência da proposta foi preservada: garantir regime único para os futuros trabalhadores, sejam da iniciativa privada ou do serviço público.

Lula dá carta branca a líderes: ‘Sorte lançada’
Cristiane Jungblut e Lydia Medeiros

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou pessoalmente de cada passo das negociações para a votação da reforma da Previdência. Apesar de ter se esforçado para mostrar uma posição dura em relação à negociação com o Judiciário, em nota oficial divulgada no início da noite deu carta branca para os líderes negociarem mudanças na proposta original. Na nota, Lula diz que “a proposta pode sofrer as modificações que as forças políticas do Parlamento entenderem”. E lembra que, “se não fosse assim, a democracia ficaria sem um dos seus pilares”.

“O presidente reafirma sua confiança na aprovação da reforma, o que, a seu ver, será bom para o funcionalismo público, o governo, o Congresso e, sobretudo, para o Brasil", diz a nota assinada pelo porta-voz, André Singer.

Além de reunir-se com os coordenadores políticos do governo logo cedo, Lula recebeu informes de cada passo das negociações no Congresso e conversou com parlamentares no Planalto, como os da bancada do PP. Para defender as propostas do governo, aproveitou um rápido encontro com prefeitos e governadores petistas que foram solidarizar-se com o governo para fazer um discurso no qual ressaltou a confiança na aprovação da reforma, atacou a administração passada e mandou recados aos críticos das mudanças no sistema previdenciário.

— A sorte está lançada. A proposta está no Congresso, os líderes estão debatendo, e não tenho dúvida de que o compromisso de todos os deputados com o país vai garantir a aprovação dessas matérias — discursou o presidente, reiterando que a reforma é necessária para garantir aposentadorias justas no futuro.

— Vocês sabem que o processo está falido e que alguém tinha de ter coragem de mexer. E quis Deus que caísse nas nossas mãos, e então não temos por que não fazer. Acho que o Brasil vai ficar agradecido por ter aparecido neste país um governo que tem o compromisso de fazer as reformas, que durante tantos e tantos anos, diziam que iam fazer mas não tiveram coragem de enfrentar o debate como nós tivemos — acrescentou.

Em tom sempre confiante, o presidente agradeceu o apoio dos companheiros de partido às reformas, num momento que chamou de difícil para o país. Afirmou não ter dúvidas de que o Brasil está no caminho certo, mas avisou que sempre haverá os que jogarão cascas de banana para tentar atrapalhar.

— Sabemos que ainda estamos longe de construir o Brasil dos sonhos de cada um de nós. Mas não tenho nenhuma dúvida de que estamos no caminho certo. Não faltarão aqueles que irão jogar casca de banana para tentar atrapalhar a nossa chegada ao objetivo comum, que é fazer o Brasil crescer, gerar empregos e distribuir renda para melhorar a qualidade de vida do nosso povo — afirmou Lula, que se disse “otimista demais”.

Prefeituras e estados falidos

O presidente admitiu que estados e municípios estão quebrados, atribuiu os problemas ao governo passado e defendeu a reforma tributária para reequilibrar as finanças.

— Prefeituras e estados não estão falidos por causa do nosso governo. Estão falidos porque nos últimos anos o governo decidiu empobrecer os municípios e os estados para que prefeitos e governadores não saíssem dos gabinetes dos ministros pedindo ajuda para isso e aquilo — acusou, continuando:

— Reconhecemos que as cidades e os estados estão quebrados, mas a verdade nua e crua é que muita gente poderia ter gritado um tempo atrás. A verdade é que muita gente poderia ter contribuído para isso não acontecer e ficou quieta. Da minha parte, até acho saudável que esses que não gritaram antes gritem agora. Porque significa, pelo menos, que eles não têm medo de nós, e percebem que os tratamos de forma mais democrática do que eram tratados.

O presidente usou a imagem bíblica de Davi, que venceu o gigante Golias, para pedir a ajuda de prefeito e governadores:

— Não temos solução para o Brasil num passe de mágica. Essa construção será feita junto com vocês. Será feita com prefeitos, governadores, com a sociedade brasileira, até porque os problemas do Brasil são de uma tal ordem de grandeza, que não existe Golias que sozinho consiga resolver. Mas como todos nós temos um pouquinho de Davi dentro de nós, certamente iremos derrubar os gigantescos problemas que temos para dar tranqüilidade ao povo.

Para comandar as negociações da reforma, Lula recebeu prefeitos e governadores no Planalto, cancelando a ida ao encontro dos executivos petistas e uma audiência com dirigentes do PTB.


Tumulto e pancadaria dentro e fora da Câmara
Isabela Abdala, Isabel Braga e Evandro Éboli


BRASÍLIA. A decisão do governo de antecipar em um dia a votação da reforma da Previdência para não coincidir com a marcha dos servidores, marcada para hoje, não conseguiu evitar tumultos, cenas de pancadaria e constrangimentos para os deputados da base governista. Enquanto parlamentares começavam a discutir a reforma no plenário, ainda de manhã, um grupo de servidores, munidos de spray de pimenta para enfrentar a polícia e de uma liminar que lhes dava acesso ao Congresso, tentou invadir a Câmara forçando a porta de vidro do Anexo 2 e foi contido pela Polícia Militar.

O esquema de segurança preparado pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), não previu, porém, a manifestação dos funcionários do Legislativo, também atingidos pela reforma.

Os cerca de 600 manifestantes que protestavam do lado de fora queimaram bandeiras do PT. O Congresso Nacional amanheceu ontem cercado de policiais militares. Desta vez, eles não entraram nas dependências do Congresso. Na parte interna, só os seguranças da Casa ficaram de prontidão. O deputado João Fontes (PT-CE), que se juntou aos manifestantes, foi ao presidente da Câmara implorar para que ele deixasse o grupo que tinha a liminar judicial entrar. Mas não teve sucesso.

— Foi erguido um muro de Berlim em volta do Congresso — criticou Fontes.

A tática da Presidência para evitar a entrada dos que tinham liminar foi manter advogados da Casa na Diretoria Geral. Eles explicavam aos manifestantes por que não poderiam entrar.

Professor Luizinho foi atacado pelos servidores

Com os crachás virados para trás, alguns funcionários da Casa usavam uma camiseta preta com uma estrela branca chorando e um trecho de um poema de Cecília Meireles: “A maior pena que eu tenho, punhal de prata, não é de me ver morrendo, mas de saber quem me mata”. O deputado João Batista Babá (PT-PA) usou a camiseta no plenário.

Depois de percorrer o corredor onde os líderes da base aliada fechavam o acordo para a votação da emenda, os servidores do Legislativo, apitando, gritando e mostrando os crachás que garantem livre acesso, formaram um corredor polonês para constranger os deputados que passavam dos gabinetes para o plenário.

Um dos principais alvos da manifestação foi o vice-líder do governo, Professor Luizinho (PT-SP), que por pouco não levou uns safanões. Ele foi praticamente cercado e só conseguiu sair graças aos seguranças. Os servidores fecharam o cerco ao vice-líder e o chamavam de traidor. Professor Luizinho enfrentou-os gesticulando muito e gritando:

— Não encosta em mim! Não encosta!

Mais tarde, queixou-se:

— As manifestações são legítimas, mas usar crachá de funcionário para ter o privilégio de entrar aqui e agredir funcionários é inaceitável.

A diretoria-geral da Câmara aguardava ordem do presidente da Casa para cortar o ponto dos funcionários que participaram da manifestação.

Foi com base num laudo técnico da segurança que João Paulo decidiu dar apenas 70 senhas de acesso às galerias para os 16 partidos políticos com representação no Congresso e distribuir as outras 30 aos presidentes das entidades representativas dos servidores.

O laudo aponta possíveis problemas na dificuldade de evacuação, já que a galeria possui apenas uma saída.

Durante o dia inteiro, manifestantes fizeram discursos contra a reforma. Eles estavam muito próximos à entrada da Câmara e foi preciso a presença de batalhão da Polícia Militar para evitar que invadissem o prédio da Câmara.

Um dos discursos mais inflamados foi o da senadora Heloísa Helena (PT-AL):

— Pessoas de bem não podem transitar nos tapetes azul e verde do Congresso, mas salteadores de cofres públicos transitam normalmente sem problemas.
COLABOROU Bernardo de la Peña

Os próximos passos


NA CÂMARA

APROVADO em primeiro turno, o relatório volta à comissão especial para que a redação final seja votada. Aprovado na comissão, o texto volta para o plenário para a votação em segundo turno, mas desta vez pode ser aprovado por maioria simples. O prazo entre a votação na comissão e no plenário é de cinco sessões.

NA VOTAÇÃO em segundo turno, as alterações só podem ser feitas por meio de destaques de votação em separado.

CASO algum destaque seja aprovado na votação em segundo turno, o texto retorna à comissão especial para a redação final. Caso contrário, segue para o Senado.

NO SENADO

AO CHEGAR ao Senado, a proposta de emenda constitucional da reforma é lida em sessão plenária e enviada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que analisa a proposta.

O RELATOR na CCJ tem 30 dias para apresentar parecer. Para que o texto receba emendas é preciso que a alteração tenha apoio de um terço dos senadores — 27 assinaturas.

APROVADO , o parecer tem de ser publicado no Diário do Senado e, cinco dias depois, pode ser incluído na ordem do dia da sessão plenária do Senado para votação em primeiro turno.

O REGIMENTO estabelece o prazo de cinco sessões para a votação em primeiro turno, mas é permitida a apresentação de emendas neste prazo. Caso receba emendas, retorna à CCJ e novamente é estabelecido prazo de 30 dias para que a comissão dê parecer sobre as mudanças.

ENTRE o primeiro e o segundo turno de votação no Senado há intervalo de cinco dias úteis. Os senadores têm três sessões para votar a proposta de emenda constitucional em segundo turno. Se a proposta receber emendas no Senado, tem de retornar à Câmara para nova apreciação.

Corrêa: subteto de 85,5% é heresia e cairá no STF
Catia Seabra, Evandro Éboli e Bernardo de La Peña

BRASÍLIA. A proposta alternativa do governo de fixar em 85,5% do salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) o subteto dos juízes nos estados repercutiu mal no STF. O presidente do Supremo, Maurício Corrêa, disse que a decisão foi uma heresia e que acredita que qualquer subteto diferente dos 90,25% previstos na Constituição será derrubado pelos ministros do tribunal.

Corrêa fez esse desabafo ao líder do PL na Câmara, Valdemar Costa Neto, que conversou o dia inteiro com o presidente do STF para articular a votação de um destaque para restaurar, em plenário, os 90,25%. O parlamentar é autor da emenda que tentará mudar o teto estabelecido e que vai obrigar o governo a obter 308 votos para derrubar o DVS (destaque de votação em separado).

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Cláudio Baldino Maciel, passou o dia no gabinete do líder do PL. Ele condenou o subteto estabelecido pelo governo.

— Parece picuinha, uma mesquinharia do governo não ceder os 90,25%. A diferença é pouca mas é fundamental pela sua constitucionalidade. Do jeito que está não vai passar nem pelo primeiro degrau do STF. Por uma vaidade política, de não ceder ao que reivindicamos, o presidente corre o risco de perder a reforma inteira — disse.

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho, aposta na dificuldade do governo em conseguir os votos para derrubar o DVS de Valdemar Costa Neto:

— Em termos percentuais, a proposta do governo está até próxima da nossa pretensão, mas fere o princípio constitucional que estabelece os 90,25% do salário de um ministro do STF.

Subteto também vale para promotores e procuradores

O subteto também valerá para os promotores e procuradores. O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Marfan Martins Vieira, criticou o governo, que não teria respeitado o compromisso de fixar o percentual em 90,25%.

— A decisão irá gerar centenas de ações de inconstitucionalidade no STF — disse Marfan.

Segundo o presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), Luiz Felipe Salomão, a discordância não está no percentual, mas na isonomia entre o Judiciário estadual e a Justiça Federal.

— A questão não é matemática. Qualquer regra que trate diferente a estrutura do Judiciário, não respeitando o princípio da isonomia na remuneração de desembargadores estaduais em relação à Justiça Federal, não é constitucional — disse.

‘Não temos medo do Poder Judiciário’
Ilimar Franco

BRASÍLIA. A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não ceder ao Judiciário, que reivindicava um subteto salarial nos estados de 90,25% da remuneração de ministros do Supremo Tribunal Federal, recebeu apoio dos petistas.

— Respeitamos o Judiciário mas não temos medo do Poder Judiciário. Não podemos nos curvar a reivindicações que o país não suporta. O PT tem uma posição clara pela mudança na Previdência, pelo controle público daquilo que representa, como muito bem disse o presidente Lula, a caixa-preta daquilo que representa um privilégio inaceitável — disse o presidente do partido, José Genoino.

Governadores e prefeitos do PT fizeram ontem uma manifestação de apoio à reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo governo. Os petistas mobilizaram os governadores Jorge Viana (AC), Wellington Dias (PI), José Orcírio (MS), Flamarion Portela (RR), 102 prefeitos e 46 vices-prefeitos para participar do seminário “O governo e as reformas” e dar uma demonstração de força e coesão no momento da votação da reforma no plenário da Câmara.

Por causa das últimas negociações para a votação, Lula não pôde ir ao hotel Blue Tree Park, onde aconteceu a reunião. Prefeitos e governadores foram embarcados em quatro ônibus e transportados ao Palácio do Planalto para serem recebidos pelo presidente e entregar-lhe a carta aberta de apoio.