Quinta-feira, 13 de novembro de 2003

TRIBUNA DA IMPRENSA

Genoino ameaça senadores do PT que votarem contra Previdência


BRASÍLIA - Depois de fazer as contas e chegar à conclusão de que poderá ter dificuldades para aprovar a reforma da Previdência no Senado, o governo decidiu enquadrar a bancada do PT. O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o presidente do PT, José Genoino, fizeram ontem uma reunião com 13 senadores do partido (Heloisa Helena, dissidente, não apareceu), e comunicaram que o partido terá de votar a favor da proposta. Não há espaço para o voto contrário.

"O fechamento de questão a favor da reforma da Previdência valeu para a Câmara e continua valendo para o Senado. Quem votar contra vai enfrentar as conseqüências", disse Genoino.

Ele não quis dizer qual tipo de punição o partido aplicará em quem votar contra a orientação do governo, mas adiantou que alguma coisa haverá. "O diretório é que vai dizer em que artigo das punições disciplinares do estatuto vai enquadrar quem votar contra", disse Genoino. Na Câmara, oito deputados que se abstiveram na reforma da Previdência foram suspensos de suas atividades na bancada por dois meses.

Precavido, o senador Paulo Paim (PT-RS), o mais rebelde até agora - além de Heloisa Helena, claro - adiantou o que fará, caso seja motivo de algum processo interno: "Não vou esperar o processo de expulsão. Saio antes. Mas não sou dos que saem atirando. Não me submeterei à Comissão de Ética".

Paim disse que votará contra a diferença de vencimentos entre ativos e aposentados, contra a regra de transição que permite a redução no valor da aposentadoria e contra a taxação dos servidores públicos inativos. Outros dois senadores petistas também ameaçam se rebelar: Flávio Arns (PR) e Serys Slhessarenko (MT). "Conversei com eles. Espero que sigam a orientação do partido", disse Genoino.

Apelos
No encontro que tiveram com Dirceu e Genoino, os senadores ouviram apelos dramáticos. De acordo com um deles, Dirceu chegou a dizer: "Uma derrota para o governo é de uma gravidade gigantesca. Qualquer defecção no PT estimulará os outros partidos a fazerem o mesmo". O líder do PT no Senado e relator da reforma da Previdência, Tião Viana (AC), disse que confia na vitória, mas tem certeza de que ela será muito apertada. Para vencer, o governo precisará dos votos de 49 senadores (três quintos de um total de 81).

Genoino disse que confia na ajuda dos governadores de oposição, que poderiam pressionar suas bancadas a votar com o governo. "Eles querem a reforma previdenciária e vamos ter uma votação tranqüila", disse Genoino, embora nos bastidores ele tenha revelado seu temor de uma derrota.

Governo teme contestação à reforma tributária

BRASÍLIA - O ministro da Casa Civil, José Dirceu, manifestou ontem aos senadores da bancada do PT, durante café da manhã, a preocupação do Palácio do Planalto com o andamento da reforma tributária. O ministro alertou que o governo não pode correr nenhum risco que inviabilize a manutenção da alíquota máxima da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) e a prorrogação da Desvinculação de Recursos da União (DRU), a partir de janeiro de 2004.

Por isso, concordou com a ponderação feita pelo líder do PT, senador Tião Viana (AC), de que um eventual questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a promulgação fatiada da reforma tributária poderia complicar o ajuste fiscal.

Uma das idéias para evitar problemas futuros seria adotar a mesma fórmula da reforma da Previdência, ou seja, apresentar também para a tributária uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) "paralela", que incluiria as alterações ao texto principal já aprovado na Câmara.

Tião Viana argumentou ter em mãos quatro acórdãos do STF contrários ao fatiamento de emendas constitucionais. "Se há problemas, a solução é a PEC paralela", teria dito o ministro Dirceu, segundo senadores do PT. Esse problema, na verdade, vem se somar a outros como a exigüidade do tempo e a falta de segurança de votos suficientes para a aprovação da reforma.

Para aprovar uma emenda constitucional, é preciso um quórum de, no mínimo, 49 votos no Senado. Para obter esse número, o governo precisa de apoio em setores da oposição como PSDB e PFL. Na reunião com o ministro Dirceu, coube ao senador Paulo Paim (PT-RS) questionar o tratamento diferenciado que o governo está dando às duas reformas.
Regra
Segundo ele, enquanto na reforma da Previdência o governo optou pela adoção de PEC "paralela" para abrigar alterações ao texto principal da reforma da Previdência, na tributária faria a promulgação fatiada. "A regra tem que valer para as duas reformas", contestou Paim, que tentou, sem sucesso, convencer o governo a fazer mudanças na reforma da Previdência. "Temos que buscar uma solução", disse, preocupado, o ministro Dirceu. "Imagine o governo sem a DRU e a CPMF no ano que vem. Qualquer recurso questionando o fatiamento da reforma pode tumultuar", completou Viana.

Além do líder, outros petistas como Roberto Saturnino (PT-RJ) e Ideli Salvatti (PT-SC) defenderam posição semelhante e saíram preocupados do café da manhã. "Qual a melhor forma de não se criar um problema jurídico?", perguntou também a senadora Ana Júlia (PT-PA). "O governo não pode correr riscos", sentenciou Saturnino.

Controvérsias
Às voltas com problemas na reforma da Previdência, que o governo está no corpo-a-corpo buscando votos, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercandante (PT-SP), minimizou a idéia de ser adotada uma PEC paralela também para a tributária. Ele acha que não haverá problemas jurídicos com a promulgação fatiada da proposta tributária, embora reconheça que o assunto é alvo de controvérsias. "Não estou trabalhando com essa hipótese", afirmou o líder em sucessivas entrevistas.

A idéia foi também bombardeada pela oposição. O líder do PFL, senador José Agripino (RN), argumentou que seria "mais um casuísmo do casuísmo". "Seria uma forma de o governo estabelecer coerência em seu discurso já que adotou o mesmo instrumento na Previdência", completou.

Comissão aprova convocação de Palocci para explicar MP da Cofins

BRASÍLIA - A Comissão Mista de Orçamento do Congresso aprovou ontem a convocação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para prestar esclarecimentos sobre a Medida Provisória (MP) 135, que trata do fim da cumulatividade da Cofins. Os parlamentares querem saber como o governo chegou ao cálculo da nova alíquota, de 7,6% da contribuição, e qual o impacto que espera sobre a arrecadação.

Oficialmente, até agora, o governo só admite um crescimento de R$ 4,4 bilhões na receita da Cofins. Este é o valor que consta do projeto orçamentário de 2004, mas ele foi projetado com base apenas na tributação dos importados e com a alíquota atual de 3%.

De acordo com técnicos do Congresso, o ganho pode chegar a R$ 11 bilhões com a nova alíquota de 7,6% no sistema não-cumulativo. Os números da arrecadação do PIS, que passou por idêntica transformação no início deste ano, também indicam que a Receita Federal poderá ganhar pelo menos R$ 9 bilhões com a Cofins.

A certeza de que os números do governo estão subestimados é tão grande entre os parlamentares da Comissão de Orçamento que eles contam com essa receita adicional - por meio de uma reestimativa da arrecadação - para tapar os "buracos" abertos no projeto do governo pelas concessões da reforma tributária a Estados e municípios.

Por enquanto, o relator do Orçamento, deputado Jorge Bittar (PT-RJ), identificou uma despesa adicional de R$ 6 bilhões que não está coberta por fonte de receita: R$ 1,7 bilhão da repartição da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) com governadores e prefeitos e R$ 4,3 bilhões do fundo de compensação dos Estados exportadores.

Além dos questionamentos políticos, o governo poderá enfrentar problemas no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da M P 135 e da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) apresentada pelo PSDB.

O Artigo 246 da Constituição veda a utilização de MP para regulamentar outros artigos da Carta que tenham sido alterados entre 1995 e 2001, o que é o caso do que trata da Cofins.

Em 1998, durante a reforma da Previdência, o artigo das contribuições sociais foi alterado e, assim, não poderia agora ser objeto de MP, mas apenas projeto de lei.

Receita Federal multará ônibus
que transportarem contrabando

BRASÍLIA - A partir de hoje, a Receita Federal vai começar a aplicar multa de R$ 15 mil às empresas de ônibus que transportam mercadorias dos chamados sacoleiros. O início da aplicação da multa ocorre justamente no momento em que a Receita coordena uma grande operação integrada com outros orgãos do governo de repressão ao contrabando na região de Foz de Iguaçu, fronteira do Brasil com o Paraguai e principal local de atuação dos sacoleiros.

A regulamentação da multa foi disciplinada ontem pela Receita Federal, em uma instrução normativa que será publicada no "Diário Oficial". A multa às transportadoras foi estabelecida em 31 de outubro passado, em dois artigos da Medida Provisória 135, que também acaba com o fim da cobrança em cascata da Cofins.

Mas, como a regulamentação desses dois artigos ainda não tinha sido baixada, a multa não estava sendo aplicada pelos fiscais da Receita. Cerca de 4 mil ônibus passam por mês pela Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai.

A nova regulamentação que trata da fiscalização de mercadorias nos ônibus de passageiros em viagem internacional torna as empresas responsáveis pelo que transportam. Todos os passageiros e respectivas mercadorias deverão ser identificados pelas empresas transportadoras. Bagagens "sem dono" serão consideradas de responsabilidade da empresa.

As empresas deverão, também, se recusar a carregar volumes com evidências de serem contrabando. Nos dois casos, a transportadora será multada em R$ 15 mil na primeira vez e em R$ 30 mil nas reincidências. O ônibus será apreendido e a empresa perderá sua licença e será indiciada pelo crime de descaminho. Se identificar bagagem suspeita, a empresa transportadora deverá chamar a fiscalização da Receita.

Recusa
O transportador também poderá recusar o embarque do passageiro que quiser embarcar com objetos em dimensões incompatíveis com uma bagagem de viagem de turismo. "Queremos punir aqueles que estão praticando o crime junto com os compristas", disse a secretária-adjunta da Receita Federal, Clecy Lionço.

Segundo ela, a Receita tem verificado ônibus de passageiros que transportam apenas mercadorias contrabandeadas. "Essa é a realidade que se apresenta em grande parte dos ônibus. Precisamos que essas empresas sejam responsabilizadas. Viagem de turismo é viagem de turismo", afirmou a secretária, que acredita que o aperfeiçoamento da legislação vai tornar mais eficiente a fiscalização.

Apreensões
De janeiro a outubro deste ano, a Receita já apreendeu nas estradas, portos, aeroportos e depósitos, R$ 319 milhões em mercadorias contrabandeadas. Desse total, R$ 135 milhões foram arrecadados em Foz de Iguaçu. A secretária-adjunta da Receita Federal, Clecy Lionço, informou que a operação de repressão naquela cidade paranaense, que começou na segunda-feira, já reduziu significativamente o número de ônibus. Segundo Lionço, é "natural" haver tumultos quando aumenta a repressão. "Sempre que se faz uma operação maior de repressão, é natural o aumento da insatisfação daqueles que estão sendo fiscalizados", disse a secretária-adjunta.

A lei permite hoje ao turista de viagens internacionais terrestres comprar até US$ 150 em mercadorias para uso próprio e trazê-las ao Brasil sem pagar impostos. Caso suas compras excedam esse valor, ele deve procurar a Receita Federal e recolher os tributos, que correspondem a 50% do valor da mercadoria. Nas viagens internacionais marítimas e aéreas, o limite para compras é de US$ 500.

Sacoleiros e polícia se enfrentam de novo
CURITIBA - Policiais rodoviários federais e sacoleiros voltaram a se enfrentar ontem nas imediações da Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai, em Foz do Iguaçu, no Paraná. Durante os protestos, os sacoleiros tentaram fechar a BR-277, que dá acesso ao Paraguai, e colocaram pneus incendiados e blocos de concreto na pista. Os policiais responderam com balas antimotim e gás de efeito moral, dispersando-os.

Na terça-feira, os sacoleiros protestaram contra o aumento da fiscalização pelos policiais rodoviários, pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) e pela Receita Federal sobre os ônibus e carros particulares que se dirigem ao país vizinho para fazer compras.

Desde segunda-feira, quando a operação começou, oito pessoas foram levadas à Polícia Federal para fazer o termo circunstanciado, devido à resistência no cumprimento de ordem policial, e 38 ônibus foram retidos. Ontem, o número de sacoleiros foi menor na cidade, em razão da divulgação sobre a operação, mas muitos permanecem em Foz, em razão da retenção de ônibus.

Fiscalização
O coordenador da operação Clandestino 2, Iraci Gehrke Huy, disse que aproximadamente 200 pessoas estão envolvidas, das quais mais de 100 são policiais rodoviários federais. Eles se deslocaram para Foz do Iguaçu de várias regiões do País para combater os roubos na região da ponte.

Com esse contingente também foi acentuada a fiscalização nos veículos que se dirigem e que saem do Paraguai. Todos os que estão com documentação irregular ou que não têm a lista completa de passageiros são retidos até que a situação se regularize.

No retorno do Paraguai, os fiscais da Receita Federal estão parando todos os carros, inclusive vans e automóveis, que normalmente são fiscalizados por amostragem. Mercadorias em valor que ultrapassa os US$ 150 permitidos por lei são retidas.

Os sacoleiros alegam que não têm emprego fixo e precisam se servir desse expediente para sobreviver. "Eles podem trabalhar, mas dentro da lei", afirmou Huy. A operação está sendo realizada em vários municípios de Santa Catarina, além de Ourinhos (SP) e nas cidades de Guarapuava, Cascavel, Medianeira e Foz do Iguaçu, no Paraná.