quarta-feira, 09 de julho de 2003

Correio Braziliense


Tema do Dia - Reformas

Greve começa fraca em Brasília
Ao contrário de outras regiões do país, onde a adesão foi expressiva, o movimento dos servidores não chega a 10% no DF. Poucas repartições ficaram fechadas: apenas nos postos da Previdência não houve atendimento
Lilian Tahan, Roberto Fonseca e Fernanda Nardelli
Da equipe do Correio

      A primeira greve dos servidores públicos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou números modestos no Distrito Federal. O balanço final da paralisação realizado pelo governo federal apontou de 30% a 40% de adesão em todo o país, enquanto o DF não chegou a 10%. Nas ruas, o número foi mais tímido. Balanço do Centro Integrado de Atendimento e Despacho da Secretaria de Segurança Pública (Ciad) aponta que 700 manifestantes participaram de atos públicos em Brasília, no primeiro dia do movimento. Menos de 1,6% do total de 44 mil funcionários públicos federais que moram na capital da República.

      A baixa participação, no entanto, não significa que a paralisação foi um fracasso, de acordo com os sindicalistas. ‘‘O fundamental não é quantas pessoas estão em greve, mas sim mudar a idéia da opinião pública sobre a reforma da Previdência’’, afirmou Celso Carvalho, coordenador jurídico da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra).

      O Banco Central, no Setor Bancário Sul, foi o ponto de maior concentração de grevistas. De acordo com a PM, cerca de 300 manifestantes participaram de uma assembléia, às 9h, em frente à portaria do prédio. Ao longo do dia, porém, o movimento perdeu força. Às 16h30, nem mesmo uma apresentação de blues da banda Blood Mary conseguia manter mais do que 80 pessoas no lugar.

      O vocalista da Blood Mary, Davi Doca, era um dos que faziam piquete em frente ao banco. Técnico do BC há 22 anos, o artista trabalhou o dia inteiro do lado de fora do prédio. Em vez de desempenhar a função de técnico, cantou e tocou violão. ‘‘Fiz questão de tocar de graça para ajudar na mobilização’’, comentou Davi.

      Os números divulgados pela direção do BC também apontam para uma fraca adesão ao movimento em Brasília. Na capital, apenas 10% de 2.206 servidores ficaram afastados do serviço. O comando unificado dos servidores do BC, no entanto, apresentou estimativa bem maior para a paralisação. As entidades avaliam que 880 funcionários não trabalharam no DF. Hoje, os funcionários fazem outra assembléia, às 9h, para decidir se continuam ou não parados.

      A diferença de números divulgados pelas entidades sindicais e a direção do BC se mantém parecida em todo o país. Os dados grevistas são, em média, 2,5 vezes maiores que as informações oficiais. A exceção foi no Rio de Janeiro, em que os dois lados divulgaram mais de 90% de adesão. ‘‘Como na sede do Rio a paralisação foi em massa, o governo precisou recorrer ao Banco do Brasil para abastecer o comércio e o setor bancário com cédulas e moedas’’, relatou Enildo Amaral, do Sindicato dos Técnicos do Banco Central (Sindbacen). O mesmo procedimento precisou ser adotado em Belo Horizonte, Fortaleza, São Paulo e Salvador.

      Filiados a um mesmo sindicato, o dos Previdenciários (Sindprev), os servidores da área de saúde em Brasília preferiram não aderir ao protesto, mas os da previdência social cruzaram os braços. Ontem, o diretor do Hospital Universitário (HUB), Cláudio Freitas, distribuiu uma circular em que pedia aos funcionários para não aderirem ao movimento. O apelo funcionou. Os 900 empregados do HUB compareceram ao hospital.

      Já os postos da previdência não funcionaram. Quem procurou uma das nove unidades no Distrito Federal precisou voltar para casa. ‘‘Na saúde, o movimento ficou mais fraco porque no DF muitos funcionários federais estão deslocados para órgãos vinculados a secretarias do GDF’’, justificou Ivo Machado, diretor do Sindprev. Os postos devem continuar fechados até sexta-feira, quando os servidores fazem nova assembléia para avaliar os primeiros dias de greve.

Dia normal
      Na Esplanada dos Ministérios, tudo correu como um dia normal de trabalho. Nenhuma repartição ficou fechada. Pela manhã, o Sindicato dos Servidores Públicos (Sindsep) realizou uma assembléia entre os ministérios do Planejamento e Agricultura. Segundo a PM, 200 trabalhadores participaram do ato. De lá, eles seguiram em passeata até o Ministério da Previdência, onde gritaram palavras contra o ministro Ricardo Berzoini. ‘‘Ô Berzoini, preste atenção! Essa reforma é privatização’’, bradavam. O ato contou com a presença de um tradicional arroz-de-festa, o delegado sindical José Ferreira Neto, 53. ‘‘Não dá para aceitar as mudanças que o governo quer na previdência. É quase uma imoralidade’’, disse ele.

      Um dos diretores do Sindsep, Luiz Bicalho afirmou que o sindicato fará nos próximos dias ‘‘um trabalho de construção’’ para assegurar o ingresso de mais entidades e servidores no movimento grevista. A expectativa é de que com o passar dos dias, novas categorias, contrárias à reforma previdenciária, apóiem a paralisação. ‘‘Toda greve é assim. Vai ganhando força com o passar do tempo’’, comentou Bicalho.

      Na praça dos tribunais, no Setor de Autarquias Sul, cerca de 100 pessoas participaram de um ato em frente ao Tribunal Superior Eleitoral. Para o coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União do DF (Sindjus-DF), Roberto Policarpo, o recesso forense é um dos fatores que contribuiu para a baixa participação dos servidores.

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Surpresa nos estados

       A Coordenação Nacional de Entidades de Servidores Federais (Cnesf) divulgou ontem que a greve contra a reforma da Previdência paralisou 45% dos funcionários públicos federais. A categoria tem cerca de 878,5 mil servidores. ‘‘O pico da greve deve ser entre 11 e 15 de agosto, quando a emenda deverá ser votada em plenário. Atingir 45% de adesão no primeiro dia já foi uma surpresa’’, afirmou o diretor do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andes), José Domingues Filho.

      Para o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Luiz Fernando Silva, a adesão dos servidores — que pelo levantamento do governo foi de 30% a 40% — ainda não pode ser considerada. ‘‘Muitas entidades pararam apenas por 24 horas. Vamos esperar o dia de amanhã (hoje) para medir a força do movimento’’, afirmou.

      As entidades lutam pela retirada da proposta de reforma apresentada ao Congresso Nacional e alegam que a greve começou por conta da pressa do governo em aprovar o projeto.

      A Central Única dos Trabalhadores (CUT) manifestou seu apoio à greve. Segundo o diretor-executivo José Maria de Almeida, a Central vai trabalhar para fortalecer a greve, inclusive convocando o setor privado para apoiar o movimento.

      Ao final da reunião das entidades sindicais, os servidores receberam a visita da senadora petista Heloísa Helena (AL). ‘‘Eu não me sentiria à vontade de fazer um discurso durante as eleições e, depois de eleita, fugir dos companheiros que estiveram comigo ao longo da história’’, disse. O deputado federal João Batista Oliveira de Araújo, o Babá (PT-PA), também participou de ato de apoio à greve em Belo Horizonte. Em discurso, classificou a reforma de ‘‘vergonhosa’’ e ‘‘saco de maldades’’.

      A greve foi mais forte entre os funcionários do INSS e os fiscais da Receita Federal e da Previdência Social. Cerca de 90% dos 7.500 auditores fiscais de todo o país pararam por 72 horas. Os postos do INSS ficaram fechados em 18 estados. (FN)

Mudanças à vista
Regras para aposentadoria podem sofrer alterações. A principal delas diz respeito à manutenção do salário integral da ativa para os benefícios. Mas Ministério da Previdência está fazendo as contas dessa nova proposta

Denise Rothenburg e Fernanda Nardelli
Da equipe do Correio

      No primeiro dia da greve do funcionalismo, o Diário Oficial publica decreto da Presidência criando a ''Comissão Machado de Assis'' para elaborar estudos sobre a atuação do escritor quando era servidor público

      Uma parcela dos servidores faz greve, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclama que os grevistas ''não querem compreender'' a reforma da Previdência. Mas, silenciosamente, negocia-se uma mudança na reforma que abre a perspectiva de se manter a aposentadoria integral dos servidores públicos e que já ganhou o apoio até mesmo de parte dos radicais petistas. Embora ainda não esteja fechada pelo governo, a proposta já foi apadrinhada pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e tem todas as chances de obter o aval dos líderes partidários em café da manhâ com o ministro-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu.

      Depois do encontro de Lula com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, ganhou força no Congresso a proposta de manter a aposentadoria integral, desde que os servidores se disponham a cumprir três pré-requisitos: 35 anos de contribuição, 20 ou 25 anos de carreira e ainda a idade mínima de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens) ou 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens) (leia quadro abaixo).

      O que vai valer ainda depende dos cálculos que o Ministério da Previdência. ''Nossa idéia é deixar todos os servidores, tanto aqueles que já trabalham quanto aqueles que ainda vão ingressar no sistema, com a possibilidade de opção pelo benefício integral'', explica o deputado Maurício Rands (PT-PE), que foi relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e hoje negocia a proposta com o governo. ''Essa proposta foi um achado'', diz ele.

      O assunto começou a ser discutido na quinta-feira da semana passada, durante reunião de líderes com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os líderes disseram que foram insistentemente procurados pelos magistrados e, no meio das conversas, surgiu essa hipótese. Lula foi direto: ''Se fizermos a concessão para uns, faremos para todos. Sem privilégios. Vou falar com o Palocci (ministro da Fazenda, Antonio Palocci). E vamos conversar com todas as partes, com a sociedade, com os servidores, com o sistema financeiro, para que não se tenha que mudar de novo. Senão, desmora-liza'', comentou o presidente, em tom de ordem aos líderes e ministros presentes - Ricardo Berzoini (Previdência) e José Dirceu.

      Berzoini ficou encarregado dos cálculos, a serem apresentados até sexta-feira. Essas contas vão dizer se será possível aplicar a regra sem comprometer as contas da Previdência. A grosso modo, segundo o ex-ministro da Previdência deputado Roberto Brant (PFL-MG), a hipótese deveria valer apenas para os atuais, deixando os novos dentro da regra geral da emenda - teto de R$ 2,4 mil mais fundo de previdência complementar, para quem desejar uma aposentadoria superior a esse valor. ''Nossa idéia ontem era fazer para todos, inclusive os futuros. Vamos ver se será possível'', afirma o líder do PSB, Eduardo Campos (PE). ''A vantagem é que o governo aumenta o tempo em que o servidor fica trabalhando e o tempo de contri-buição'', completa o deputado Professor Luizinho (PT-SP).

      Luizinho, no entanto, recomenda prudência da parte dos servidores e que ninguém fique certo de que já está fechada a proposta: ''Tudo está em discussão, mas que vai mudar, vai'', afirma. Da parte dos radicais petistas, já há quem comemore. ''Isso é salvação. Assim, fica mais fácil votarmos o projeto'', diz o deputado Lindberg Farias (PT-RJ), que andava quieto nos últimos dias, depois de uma reação irada nos primeiros dias em que o projeto foi apresentado.

      Que haverá mudanças na proposta, ninguém nega. ''Do ponto de vista do governo, qualquer mudança deve ser extensiva a todos os servidores públicos. Há a disposição do governo de negociar um projeto que atenda a todos os servidores, mas que preserve as bases da reforma'', diz o ministro José Dirceu.

      Por bases da reforma, entenda-se a capacidade de pagamento e o peso dos benefícios sobre as contas da União e dos estados. ''Essa equação pode ser fechada, seja reduzindo o valor do benefício, seja aumentando o tempo de serviço e de contribuição. A partir do momento que se aumenta o tempo de contribuição, é possível pensar em manter a integralidade'', comenta Brant.

Punições
      Dirceu não descarta punições aos servidores grevistas. ''A greve é um direito de todos os trabalhadores. Porém, na lei, da mesma maneira que tem o direito, você tem o ônus de fazer a greve'', comenta, sem explicar que tipo de punições os grevistas sofrerão. ''Isso quem responde é o ministro Guido Mantega (Planejamento)''.

      ''Temos direito de greve mas sabemos que é uma greve difícil. Tomando por base as atitudes que o governo vem tomando em relação a parlamentares de sua própria base, o que ele poderá fazer com o movimento sindical não é descartável'', afirmou José Domingues Filho, do Sindicato Nacional das Instituições do Ensino Superior (Andes). O sindicalista informou que as entidades estão orientando os servidores e alertando para as possíveis punições. ''O governo vai usar todas as armas para desmobilizar os servidores.''

      A senadora Heloisa Helena (PT-AL) não aposta na concretização das ameaças de Dirceu. ''Por mais contradição que possamos identificar nos gestos de muitos dos nossos companheiros, não acredito que seriam capazes de fazer um enfrentamento de truculência contra o movimento sindical'', disse. Segundo ela, o movimento sindical já mostra resultados, uma vez que o governo está assumindo modificações na proposta. ''O discurso que antes existia no governo de que não se alteraria nada hoje já foi modificado pela legítima pressão dos movimentos sociais.''
Colaborou Adriano Ceolin

Negociação na base

      O que está em discussão na reforma da Previdência

APOSENTADORIA INTEGRAL

Como é hoje
      Para que o servidor tenha direito ao benefício integral, ele tem que ter 35 anos de contribuição, idade mínima de 48 anos (mulheres) e 53 anos (homens). Precisa ainda ter dez anos de serviço público e cinco anos no cargo

As propostas
      Mantêm três fatores para que o servidor obtenha o benefício integral. Mas só o tempo de contribuição permanece o mesmo. O que muda:

      1) Idade mínima: Há duas propostas em discussão: a primeira, passa para 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens), para quem já está no serviço público. A outra aumenta a idade para 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens). Há quem defenda que o projeto deixe 55 anos e 60 anos para aqueles que já estão hoje no serviço público e fixe a idade de 60 anos e 65 anos para aqueles que ainda vão ingressar no serviço público

      2) Tempo de serviço: A proposta é aumentar o tempo exigido do servidor. Por exemplo, quem começou como contínuo e hoje é juiz, terá que ter 20 anos na carreira de magistrado para ter direito ao benefício integral. Há ainda a hipótese de se aumentar para 25 anos o tempo na carreira, mas há quem defenda que esses 25 anos só sejam exigidos para quem ingressar no serviço público depois da aprovação da reforma

* Para quem não quiser esperar os 60 anos

      A intenção do governo é dar ao atual servidor a opção pelo regime geral nos moldes do INSS - teto de R$ 2,4 mil, mais um fundo fechado de previdência complementar no qual o patrão contribuiria com metade do valor do benefício. A vantagem é que, para quem optar por esse sistema, a contribuição também não seria de 11% sobre o salário, como é hoje para os benefícios integrais

CONTRIBUIÇÃO DE INATIVOS
      Nesse ponto, o governo ainda não aceitou mexer. A ordem é manter a contribuição de 11% sobre as parcelas de salários que excederem R$ 1.058,00. Os congressistas acenam com a hipótese de ampliar esse valor para R$ 2,4 mil, mas ainda não há consenso. Entre dar a chance da aposentadoria integral - igual ao salário líquido da ativa, descontada a contribuição previdenciária - e brigar pelo fim da contribuição dos inativos, os políticos preferem trabalhar pela aposentadoria integral


ANÁLISE
Proposta à francesa

      Se os servidores conseguirem manter a perspectiva de uma aposentadoria integral agradeçam aos magistrados e não aos comandos grevistas. Das conversas que representantes do Judiciário mantiveram de forma discreta com diversos deputados saíram as propostas em discussão na Câmara e no governo. Mas não foi apenas a altivez das togas que levou o Poder Executivo a negociar a reforma previdenciária.

      Houve também a perspectiva de aumento no tempo de contribuição, levando, por outros caminhos, os brasileiros a contribuírem quase tanto quanto os franceses. Na França, a reforma previdenciária aprovada há uma semana na Câmara permitirá o aumento da contribuição de 37 anos e meio para 40 anos até 2008.

      No Brasil, pode-se chegar a isso. Hoje, os servidores públicos precisam contribuir 35 anos e ter 48 anos (mulher) ou 53 (homens) para ganharem o direito a aposentadoria integral. Pela regra em discussão - que ainda não está fechada e, portanto deve ser vista apenas como uma hipótese - quem quiser a aposentadoria integral, terá que ter 55 anos (mulher) ou 60 (homens). Logo, terá que contribuir com 11% do seu salário bruto, pelo menos, mais oito anos para ter direito ao benefício integral.

      De acordo com alguns políticos que discutem o projeto, a fórmula para a manutenção da aposentadoria integral será mais atraente às carreiras que têm vencimentos maiores, caso dos magistrados, cuja média salarial chega a R$ 8 mil. Afinal, foi de lá que saiu a proposta. (DR e FN)