quinta-feira, 10 de julho de 2003

Folha de S.Paulo

REFORMA

Nova proposta garante aposentadoria integral de servidor e muda pensões

Governo cede e cria projeto paralelo para a Previdência
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

      O acordo que o governo costura para tornar a reforma da Previdência mais palatável aos setores que a criticam -principalmente o Judiciário- permitirá a aposentadoria integral para atuais e futuros servidores, garantirá o direito à paridade de reajuste salarial e ainda estabelecerá uma nova fórmula para calcular pensões.
      O governo vende a idéia de que não haverá prejuízos com a alternativa. Nos cálculos do Ministério da Previdência, o novo desenho da reforma terá efeito fiscal semelhante ao da proposta inicial.
      Os primeiros números apontavam para uma economia de R$ 16,49 bilhões entre 2004 e 2010. A nova projeção é de R$ 17,23 bilhões. Entre 2011 e 2020, a redução de despesas estimada era de R$ 29,91 bilhões. Caiu para R$ 29,87 bilhões. Ou seja, não haveria alterações substanciais.
      A idéia do acordo é oferecer um cardápio alternativo de regras para a aposentadoria, sem praticamente mexer nas medidas previstas na PEC 40 (Proposta de Emenda Constitucional da Previdência). O teor das novas propostas atende principalmente aos interesses do Judiciário, que pressionou o governo por mudanças na reforma. Por outro lado, centrais sindicais, como a CUT, criticaram a possibilidade de alterações.
      Se o acordo articulado pelo governo federal passar, as propostas serão emendadas à PEC 40.
      Pelo acordo, o fim da aposentadoria equivalente ao último salário, proposto na PEC 40, continuará valendo. Mas, para servidores que quiserem manter a integralidade dos vencimentos, haverá um caminho alternativo, com regras diferenciadas para atuais e futuros funcionários públicos.
      Os atuais servidores precisarão atingir a idade mínima de 60 anos (homem) e 55 anos (mulher) e ainda cumprir um tempo mínimo de 20 anos na carreira para assegurar a integralidade na aposentadoria. Se não aceitar essa regra, o funcionário poderá cumprir o que está previsto na PEC 40 (veja quadro nesta página).

Futuros servidores
      Para os futuros servidores, a proposta alternativa estabelece como idade mínima 65 anos (homem) e 60 anos (mulher), além de 25 anos na carreira, para permitir a aposentadoria integral.
      Esses funcionários obrigatoriamente estarão sujeitos a um teto de aposentadoria de R$ 2.400, como prevê o texto original da PEC.
      Para complementar o benefício, poderão participar de fundos de pensão patrocinados pelo Estado. Isso, porém, não garante a aposentadoria igual ao último salário.
      A parcela que faltar para chegar ao valor do último vencimento será aportada pelo governo, mas somente nos casos em que o servidor cumprir os requisitos para a ter direito à integralidade.

Pensões
      No caso das pensões, o texto da PEC será alterado. Em vez de limitar as novas pensões a 70% do valor do salário ou benefício, o governo federal pretende manter o pagamento integral até o limite de R$ 2.400, criando um desconto de 50% sobre a parcela que exceder essa faixa de renda.
      Pelo novo cálculo, a viúva de um funcionário público que recebia R$ 3.000 terá direito a um benefício de R$ 2.700. Os R$ 2.400 serão preservados integralmente. Sobre a parcela de R$ 600 que ultrapassa o limite, haverá o desconto de 50% -R$ 300.
      Esse cálculo não inclui a cobrança de contribuição previdenciária, que incidirá tanto sobre aposentadorias quanto pensões.

Paridade
      A "reforma paralela" ainda dará a quem se aposentar depois da reforma o direito de optar se quer ou não manter a paridade de reajuste entre salário da ativa e aposentadoria. A PEC 40 acaba com a paridade para futuros aposentados. A correção dos benefícios passará a ser feita pelos índices que medem a inflação.
      No acordo em andamento, o servidor escolherá, no ato da aposentadoria, se prefere a variação da inflação ou a paridade de reajuste. Uma vez feita a escolha, ele não poderá alterar o modelo de correção. Para categorias com maior poder de pressão, a paridade é a melhor alternativa.
      O principal elemento da nova proposta é elevar a idade mínima para a aposentadoria. Segundo técnicos da Previdência, essa é a medida que mais gera impacto em termos previdenciários.
Isso porque cada ano de elevação da idade pode ser contabilizado em dobro: é um ano a mais de contribuição e um ano a menos de pagamento do benefício.
      Essa é a principal razão para que as projeções de economia com a reforma tenham se mantido equivalentes, apesar das mudanças previstas no acordo, segundo afirma o governo federal.

Aposentadoria integral é "erro", diz líder da CUT
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

      O presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Luiz Marinho, considerou ontem um "erro" a possibilidade de o governo manter a aposentadoria integral para servidores que contemplarem certos requisitos. O sindicalista defendeu um teto de R$ 4.800 para os benefícios.
      "O governo erra ao admitir abandonar um teto, o que atenderia à maioria esmagadora da classe trabalhadora. O governo está errado em manter a integralidade acima de um teto. Essa proposta atende aos altos salários."
      Em suas críticas, Marinho fez referência às pressões do Poder Judiciário para a manutenção de privilégios: "O Judiciário pode em determinado momento trabalhar com um processo de chantagem. Espero que isso não ocorra, que eles sejam fiéis ao juramento que fizeram ao assumirem a carreira".
      Integrantes do Judiciário estão tentando manter a aposentadoria com salário integral e querem o aumento do subteto salarial nos Estados. Pela proposta do governo, esse teto seria de 75% do salário de um ministro do STF. A reivindicação é que seja elevado para 90%.
      "Tem gente que diz: "Somos diferentes porque somos uma carreira típica de Estado". Por quê? O servidor que atende atrás do balcão não é?", disse Marinho.
      A CUT, a Social Democracia Sindical e a Força Sindical participaram ontem de audiência pública na comissão especial da reforma da Previdência, na Câmara, e divergiram em relação à proposta: enquanto as duas primeiras criticaram pontos centrais do projeto, a Força Sindical apoiou a proposta.
      Chamado insistentemente de "pelego" por servidores que estavam na platéia e atacado também por deputados do PC do B, PDT e PT, o tesoureiro-geral da Força Sindical, Ricardo Patah, defendeu a criação de fundos de pensão complementares e o teto de R$ 2.400 para as aposentadorias. (FK)

Aliados demonstram alívio com mudança
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

      Bombardeados desde o início da tramitação da reforma da Previdência por defenderem uma proposta teoricamente impopular entre os servidores, os líderes dos partidos aliados ao governo davam declarações entusiasmadas ontem após assumirem a defesa da manutenção de benefícios ao funcionalismo.
      "A disposição da base aliada é aprovar a proposta [de alteração]. Há uma tendência forte do governo em aceitar. E é uma proposta razoável, espero que os governadores concordem", disse o deputado Nelson Pellegrino (BA), líder da bancada do PT na Câmara.
      "Foi o dia mais positivo de todos nessa tramitação da reforma. Mostramos o que queremos e sensibilizamos o ministro [José Dirceu]", comemorou o petebista Vicente Cascione (SP), vice-líder do governo. Um dos mais enfáticos na defesa da mudança foi o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que centralizou em sua casa as negociações pelas mudanças. "Na base e entre os líderes, está bastante consolidada essa proposta", disse ele.
      Durante as conversas de ontem, os governistas definiram um esforço concentrado para acelerar a tramitação e assegurar que a proposta vá para votação no plenário da Câmara no início de agosto.
      A bancada do PT na Câmara se reuniu ontem à noite para fazer um balanço da proposta do governo de manter a aposentadoria integral para os servidores que seguirem determinados requisitos. Os deputados à esquerda do partido, que vinham defendendo a integralidade dos benefícios, comemoraram o recuo do governo.
      "Isso era o que vínhamos discutindo na base desde o começo e alguns de nós vinham sendo taxados de radicais por causa disso", disse o deputado Dr. Rosinha (PR). Pellegrino disse na reunião, de acordo com relato de parlamentares, que todos estavam um pouco agitados para compreender a proposta, uns para saber se continuariam a ser aplaudidos, e outros para ver se parariam de ser vaiados". Ele foi vaiado em protesto de servidores públicos em Brasília, no mês passado, ao defender a reforma da Previdência.


REFORMAS

Líderes governistas já defendem publicamente algumas mudanças

Pressões levam governo a negociar na previdenciária
RANIER BRAGON
RAYMUNDO COSTA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

      Dois meses e dez dias depois de enviar ao Congresso sua proposta para a reforma da Previdência, o governo federal cedeu ontem às pressões lideradas pelo Judiciário e aceitou rever pontos antes considerados imutáveis no projeto.
      Com o aval do Palácio do Planalto, os líderes do governo na Câmara dos Deputados assumiram publicamente a defesa da manutenção da aposentadoria integral (valor igual ao último salário da ativa) e da paridade do reajuste (entre ativo e inativo) para servidores públicos.
      Na prática, isso enterra a idéia de que trabalhadores da iniciativa privada e servidores do Estado teriam um sistema de aposentadoria com as mesmas regras, incluindo um teto de R$ 2.400.
      Os líderes governistas tentaram descaracterizar o recuo do Planalto, argumentando que a Previdência ainda está levantando os números e falta a palavra final do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na realidade, Lula liberou ministros e líderes para negociar a proposta de modo a assegurar sua aprovação e sem deixar o governo sujeito a novo recuo.
      A operação, acertada em reunião no Planalto na quinta-feira da semana passada, foi desencadeada ontem. Pela manhã, os principais protagonistas da reforma, líderes aliados, Judiciário e CUT (Central Única dos Trabalhadores) fizeram um acordo na casa do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP).
      A partir daí, João Paulo acelerou as negociações. Chamou a seu gabinete dos líderes dos partidos de oposição, PSDB e PFL, para uma reunião com o ministro José Dirceu (Casa Civil). Depois, reuniu-se com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
      Os líderes da oposição disseram que vão esperar pelo texto do relator da reforma, José Pimentel (PT-CE), para se pronunciar. Mas concordaram em ter reuniões com o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini. Com Sarney foi acertada a criação de uma comissão de 11 deputados e 11 senadores para tentar um entendimento prévio entre as duas Casas, o que permitiria acelerar a votação.
      Pesaram no recuo do governo o pouco empenho dos governadores na defesa da proposta, a reação organizada dos servidores, que ontem entraram no segundo dia de uma greve com adesão maior que a prevista pelo governo, e sobretudo do Judiciário [havia temor no Planalto de que os tribunais superiores concedessem liminares contra itens da reforma], e as 453 emendas apresentadas na comissão especial, mais da metade das quais da base aliada do governo -o que poderia jogar a votação para depois de agosto, contrariando o cronograma do governo.
      Berzoini deixou a casa de João Paulo dizendo que só não "batia o martelo" porque ainda precisava conversar com os governadores. Mas deixou planilhas mostrando que, pela proposta alternativa, o governo economizaria R$ 50,72 bilhões até 2023, contra R$ 52,44 bilhões da proposta original.
      Se a economia voltar a crescer, a diferença seria diluída. Mas se os atuais índices de crescimento forem mantidos, segundo Berzoini, em 2023 o sistema se tornaria novamente insustentável. "Vamos esperar os servidores discutirem com o Congresso, mas essa negociação tem que passar pelos governadores", afirmou Dirceu.
      "A negociação com o Judiciário e com os servidores dá mais solidez à possibilidade de aprovação com uma maioria mais ampla", afirmou o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), líder do governo na Câmara. Ainda está em aberto se a paridade valerá apenas para os atuais servidores ou se será estendida também para os novos.
      Entre os líderes aliados também há entendimento sobre o subteto salarial nos Estados, que corresponderá a 90% do salário de ministro do STF - um novo recuo, já que o governo falava em um percentual de 70%.

Articulação
      A ofensiva governista começou no café da manhã com os líderes governistas e Dirceu na casa de João Paulo Cunha, quando o ministro deu o sinal verde para que os deputados assumissem a defesa da proposta. Berzoini foi chamado em seguida.
      Depois de Berzoini, João Paulo chamou para a reunião o presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, principal porta-voz dos magistrados nas negociações. Corrêa saiu do encontro se dizendo "satisfeito" com a conversa.
Já no início da tarde, chegou ao encontro o presidente da CUT, Luiz Marinho, que almoçou com os líderes. Na saída, afirmou que as propostas são "insuficientes". Líderes grevistas também não gostaram da proposta.

 

PRIMEIRA GREVE

Governo diz que número não cresceu; líder grevista afirma que mudança na Previdência não afeta movimento

Adesão à greve vai a 50%, dizem servidores
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

      O movimento grevista do funcionalismo federal teve um pequeno crescimento ontem, segundo os líderes da paralisação, para quem o percentual de adesão subiu de 45% para 50%. O governo estima que a paralisação se manteve estável.
      Segundo o Ministério do Planejamento, estão parados entre 35% e 40% dos funcionários -anteontem, primeiro dia da greve, pararam entre 30% e 40%. Segundo a Previdência, há adesão de 30% em suas agências.
      O Banco Central, que possui um número relativamente pequeno de funcionários, mas afeta diretamente o cotidiano do país, voltou a funcionar ontem após uma paralisação de 24 horas na terça.
      O crescimento aconteceu principalmente entre servidores da Previdência e da Justiça. Ficou decidido, por exemplo, que os tribunais superiores de Brasília, em recesso até o fim de julho, vão parar de forma intercalada neste mês. Ao todo, a Justiça de dez Estados entrou em greve interrompendo o trâmite de 800 mil processos.
      Na avaliação de Gilberto Jorge Cordeiro Gomes, da Fenasps (servidores da Previdência), a paralisação da sede de órgãos como o Ibama e o Incra provoca uma espécie de efeito dominó: "Quando a sede pára, acontece um efeito dominó. Todas as representações nos Estados acabam parando".
      As afirmações do governo de que negociará o texto da reforma em pelo menos dois pontos -a aposentadoria integral e a paridade de reajustes para ativos e inativos- não convenceram Cordeiro Gomes. "As declarações de ontem para hoje não vão mudar nada na nossa posição. Não vamos entrar na negociata do governo".
      Os grevistas afirmam que cerca de 450 mil servidores não trabalharam ontem. Segundo o Ministério do Planejamento, há 878,5 mil funcionários públicos no país (270,5 mil militares que não aderiram à greve). Com base nos números do Planejamento, 304 mil servidores não trabalharam.
      A greve geral por tempo indeterminado para a retirada imediata da proposta de reforma da Previdência do Congresso começou ontem. O governo não aceita negociar a retirada e há a intenção de cortar o ponto dos grevistas.
      Ontem, as entidades filiadas à Cnesf (Coordenação Nacional de Entidades dos Servidores Federais) já davam sinais de divisão interna. A CNTSS (trabalhadores da Seguridade Social) aceita, por exemplo, que a proposta atual passe por alterações.
Colaborou CAMILO TOSCANO, da Sucursal de Brasília