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sexta-feira, 11 de julho de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA NO AR
Pressionado, governo recua e apela a
aval de governadores
Estados protestam contra exclusão, e Lula aborta
mudanças sem novo pacto
Mercado vê sinais de fragilidade do Planalto,
e STF silencia sobre mal-estar
O governo Luiz Inácio
Lula da Silva recuou das mudanças no projeto de reforma da Previdência
que havia patrocinado informalmente no dia anterior. Duras reações
às manobras da véspera, arquitetadas com aval e participação
direta do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, motivaram
o passo atrás do Planalto. Sobretudo os Estados, mas também
lideranças políticas no Congresso e ecos do mercado lançaram
uma nova nuvem de indefinição sobre uma decisão que
já parecia estar tomada. Alijados da costura política, que
buscava acomodar sobretudo o lobby do Poder Judiciário, governadores
vieram a público manifestar sua insatisfação: "As
mudanças não podem ser tomadas neste instante unilateralmente,
sob o risco de rompermos com aquilo que de mais importante construímos
até agora: a confiança entre o governo federal e os governos
de Estado", disse Aécio Neves, de Minas Gerais.
Em Portugal, Lula reagiu. Disse, por
meio do porta-voz, que as propostas enviadas ao Congresso eram fruto de
acordo com os governadores e só seriam modificadas com novo pacto.
Quase ao mesmo tempo, em Brasília, numa operação
casada, José Dirceu repisou: "Quero, em nome do governo, de
forma oficial, por determinação do presidente da República,
deixar claro que qualquer negociação e acordo com relação
à reforma da Previdência só será feita após
consulta e anuência dos governadores". Puxado o freio, o teor
da reforma fica no ar.
Peça central do acordo feito
e abalado em menos de 24 horas, o presidente do STF, Maurício Corrêa,
falante e satisfeito no dia anterior, evitou a imprensa e emudeceu. O
ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, outro artífice
da negociação natimorta, faltou por sua vez a encontro marcado
com a bancada do PSDB na Câmara.
Antonio Palocci Filho, cuja participação
na manobra suspensa foi apenas lateral, considerou excessivas as concessões
feitas pelo governo ao Judiciário, segundo a Folha apurou. O titular
da Fazenda manifestou a interlocutores o temor de que o episódio
seja visto como sinal de fraqueza e abale a credibilidade do governo.
Alijados, Estados cobram
acordo
DA AGÊNCIA FOLHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA REPORTAGEM LOCAL
O recuo do governo federal na reforma
da Previdência provocou críticas dos governadores, sobretudo
pelo medo de que o Planalto ceda em relação à cobrança
da contribuição dos inativos. Ao mesmo tempo, os sinais
de fraqueza emitidos pelo Planalto vão levar os governadores a
ampliar as pressões por mais concessões aos Estados na reforma
tributária.
Ontem, os tucanos Aécio Neves (MG) e Geraldo Alckmin (SP) já
tentavam articular uma reunião dos governadores com esse fim.
Aécio disse que pode aceitar
as mudanças na reforma previdenciária, mas não da
forma como foram sugeridas. "Estamos abertos a essas propostas de
modificação, mas elas não podem ser tomadas neste
instante, unilateralmente, sob o risco de nós rompermos aquilo
que de mais importante construímos até agora: a confiança
entre o governo federal e os governos dos Estados". Ele falou ontem
com vários governadores, inclusive todos os do Sudeste.
Conversou também com José
Dirceu. Mesmo tendo afirmado que ficou mais "tranquilo" com
a garantia dada pelo ministro da Casa Civil de que os governadores serão
chamados para discutir as mudanças antes que o Planalto assuma
qualquer compromisso, o governador mostrou-se preocupado com um eventual
atropelo por parte do governo: "Senão corre-se o risco de
termos no Congresso Nacional uma disputa totalmente dispensável
para o país".
"Tenho visto muitos porta-vozes
do ministro [Antonio] Palocci e do presidente Lula. Nós, governadores,
estamos sem saber quais foram os compromissos realmente assumidos pelo
governo ou quais são aquelas manifestações e pressões
naturais que existem no Parlamento", declarou Aécio.
Mais cauteloso, o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin, afirmou que os objetivos centrais da proposta
inicial devem ser mantidos como uma questão de justiça social:
"Aperfeiçoar a proposta, procurar adequá-la melhor,
não vejo problema nisso. Acho que temos de esperar para ver quais
são essas mudanças. Mas os objetivos centrais da reforma
devem ser mantidos, com o objetivo de justiça social".
Segundo Alckmin, "o que não
podemos é abandonar uma proposta boa, que tem efeito a curto, médio
e longo prazo". Em Santos, ele declarou: "Vindo para cá,
no carro, o ministro [Ricardo] Berzoini me telefonou, dizendo que isso
[a mudança] foi uma proposta feita ao governo. Não tem nenhuma
decisão a respeito".
Críticas
O governador de Pernambuco, Jarbas
Vasconcelos (PMDB), divulgou nota em que se diz "absolutamente contrário"
a mudanças no texto. Para Jarbas, "quaisquer mudanças
nos itens considerados estruturais, como a que agora se tenta perpetrar,
ensejarão, por certo, novas tentativas de modificações".
O resultado será a "completa desfiguração do
texto básico, o que inviabilizará a trajetória do
equilíbrio financeiro do sistema previdenciário dos Estados".
O governador da Bahia, Paulo Souto
(PFL), disse ontem que, se se confirmar a intenção do governo
de conceder aposentadoria integral aos atuais e futuros servidores, isso
"seria uma alteração muito brusca que vai desperdiçar
todo esforço feito até agora e o acordo feito com os governadores".
Seria uma reforma "ruim", disse.
Questionado sobre a manutenção
da aposentadoria integral, o governador do Paraná, Roberto Requião
(PMDB), afirmou: "Em princípio, eu não concordo com
aposentadoria diferenciada". Ele afirmou ser contrário à
elevação do subteto dos Estados a 90% do salário
de ministro do STF. "É incompatível com a pobreza de
alguns Estados brasileiros".
Outro peemedebista, o governador do
Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, disse: "Não se pode mexer
na estrutura e na essência da proposta original".
Compensações
Aécio declarou que as pressões
no Congresso "existirão sempre", mas alertou para a necessidade
de "compensação" se as mudanças trouxerem
prejuízos aos Estados. Os Estados querem abocanhar parte das contribuições
arrecadadas pela União, inclusive parte da CPMF (Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira).
Já Paulo Souto (BA) está
insatisfeito com o veto do Ministério da Fazenda à Desvinculação
de Receitas dos Estados: "Uma coisa é certa. Se não
é bom para os Estados também não deve servir para
a União. Quando chegar o momento de renovar a DRU [Desvinculação
de Receitas da União], recomendarei aos deputados da Bahia que
votem contra".
Segundo um governador, o Planalto
repete que não cede, não cede, mas depois cede. Logo, nada
mais natural que eles testem agora a firmeza da equipe econômica
na reforma tributária. Eles alegam que, pelo menos em relação
à Cide, há compromisso formal do presidente Lula com os
Estados. A Fazenda é que estaria relutante.
Recado foi dado pelo porta-voz em Lisboa; no Planalto,
Dirceu reitera necessidade da "anuência" dos governadores
Lula condiciona mudanças a novo
pacto
DO ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Qualquer modificação
nas propostas de reforma da Previdência e tributária só
será aceita pelo governo federal se for discutida com os governadores.
O recado foi dado ontem pelo porta-voz
da Presidência, André Singer, em nome de Luiz Inácio
Lula da Silva, como "observações" sobre o intenso
noticiário dos últimos dias a respeito da reforma da Previdência.
O mesmo recado foi dado, no Brasil, pelo ministro José Dirceu (Casa
Civil).
Singer compareceu na noite de ontem
à sala de imprensa montada no Hotel Ritz de Lisboa para a visita
de Lula para transmitir um teorema assim formado:
1 - As propostas enviadas ao Congresso
"foram fruto de acordo com os governadores".
2 - O Congresso é soberano
(para modificá-las).
3 - Como foram "fruto" de
acordo com os governadores, modificá-las no "Congresso soberano"
passa por outro acordo com os governadores.
O porta-voz não fez qualquer
outro comentário. Passou a impressão de que a Presidência
está procurando tranqüilizar os governadores, agitados pelo
noticiário em torno de eventual aceitação de mudanças
na reforma previdenciária. Mais que a União, é o
caixa de alguns Estados o maior beneficiário da reforma. Logo,
são alguns governadores os que temem uma reforma da reforma que
não seja discutida com eles.
Aval dos Estados
Em entrevista no Planalto, Dirceu
afirmou que todas as negociações em curso sobre a reforma
da Previdência precisarão do aval dos governadores. "Eu
quero, em nome do governo, de forma oficial, por determinação
do presidente da República, deixar claro que qualquer negociação
e acordo com relação à reforma da Previdência
só serão feitos pelo governo após consulta e anuência
dos governadores", disse.
Anteontem, o governo havia aceitado
rever pontos até então imutáveis da reforma da Previdência.
"Quero reiterar o compromisso do presidente Lula com os governadores.
Portanto, a proposta que neste momento está em discussão,
inclusive com a participação do governo, dependerá
da anuência dos governadores", acrescentou o ministro, preocupado
com a possibilidade de os governadores acharem que o governo passou por
cima do acordo.
Lula vai ouvir os governadores depois
que voltar da Europa, dia 17. Na última reunião que tiveram,
ficou definido que não haveria mudança na proposta de reforma
da Previdência. (CLÓVIS ROSSI E WILSON SILVEIRA)

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