segunda-feira, 14 de julho de 2003

Folha de S.Paulo

REFORMA NO AR

Três dos cinco governadores que vão se reunir com o Planalto amanhã também querem a proposta inicial

Lula defende projeto original da Previdência
MARIA LUIZA ABBOTT
DE LONDRES
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, em entrevista à BBC Brasil, que "a melhor coisa para o Brasil é o projeto original" de reforma da Previdência "que o governo apresentou". Ele observou ainda que o Congresso tem direito de fazer mudanças, mas, se houver alteração nos objetivos, a reforma perde o sentido.

"Não é nenhum pecado original o Congresso Nacional fazer mudanças na proposta do governo", disse. "Mas, se a mudança na proposta do governo mudar os objetivos da reforma, realmente não tem sentido. É por isso que queremos preservar o princípio fundamental da proposta original do governo", acrescentou Lula.

Ele voltou a insistir que qualquer modificação precisa do consentimento do governo federal, dos governadores e do Conselho de Desenvolvimento Social.

"A proposta não é do presidente, é, na verdade, do governo federal e dos 27 governadores", argumentou. "Queremos manter a credibilidade e a confiabilidade que conquistamos junto aos governadores, e eles terão de dizer se concordam com a mudança."

Ontem, três dos cinco governadores que vão participar amanhã da reunião para tratar do futuro das reformas do governo também engrossaram o coro de Lula e disseram que vão defender a proposta original para a Previdência ou, no máximo, alterações que não representem perdas na economia prevista no projeto inicial.

O debate será permeado ainda pela exigência de maiores concessões na questão tributária. Os três -que falarão por 15 dos 26 Estados- vão se reunir em Brasília com os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Previdência).

O encontro representa uma tentativa de definir de novo a cara da proposta previdenciária, que sofreu na semana passada um vai-e-vem de versões devido à pressão liderada pelo Judiciário.

Com uma ou outra peculiaridade, os governadores pretendem dar o aval só para a integralidade (aposentadoria com benefício igual ao salário da ativa) dos atuais servidores. Em contrapartida, eles vão exigir mais benefícios tributários aos Estados.

Faz-de-conta

"Vamos deixar claro uma coisa: só vamos continuar nisso se for para valer. Se for faz-de-conta, só para fazer média, vou deixar meus deputados também fazerem média", disse Marconi Perillo (PSDB-GO), que representará os três Estados do Centro-Oeste.

Segundo o governador, a discussão sobre a Previdência terá de passar por concessões na tributária, como repartir com os Estados tributos federais.

Já o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), que representará os três Estados da região Sul, disse ser natural haver modificações nas propostas durante a tramitação no Congresso, mas ressaltou que elas não podem resultar em diminuição da economia estatal prevista, no caso da Previdência.

A representante do Nordeste, Wilma Faria (PSB-RN), disse que a posição unânime entre os governadores com quem tem conversado é a de que o Planalto não deve ceder ao Judiciário, sob pena de descaracterizar a proposta.

Em Londres, onde acompanha Lula, o governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima (PSDB), disse que a Previdência foi tema de muitas conversas com Lula.

Segundo o governador, se o governo mudar a proposta agora, teria de alterar novamente na votação dos destaques no Congresso. Cunha Lima disse que o presidente teria telefonado para reclamar do ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, por não ter conversado com os cinco governadores indicados para tratar do tema.

A BBC fez a Lula apenas algumas das perguntas de mais de 5.000 internautas que mandaram e-mails para o seu site.


PT resiste à paridade, diz Genoino
PLÍNIO FRAGA
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente nacional do PT, José Genoino, afirmou ontem que o partido aceita a integralidade -manutenção do último salário da ativa quando o atual servidor público se aposenta-, mas resiste à paridade -concessão dos mesmos reajustes dos funcionários da ativa aos inativos.

"No debate interno, a integralidade é mais aceita e a paridade tem mais restrição. Mas não deliberamos sobre isso. O Diretório Nacional transferiu à Executiva e às bancadas a decisão sobre essas regras de transição", declarou o presidente do PT.

Na semana passada, os líderes partidários e representantes dos sindicatos dos servidores e do Judiciário discutiram a adoção da integralidade e da paridade.

Amanhã, em três reuniões com servidores, representantes do Judiciário e uma comissão de cinco governadores, o governo tentará chegar a um acordo sobre o tema.

Os dois dias de reunião do Diretório Nacional do PT encerraram-se com a vitória expressiva do chamado campo majoritário, que inclui as tendências moderadas que controlam o partido.

Esquerda atropelada

A esquerda petista, minoritária, reclama de ter sido atropelada pela maioria moderada durante a votação da resolução partidária.

Parlamentares petistas citaram como exemplo de descontentamento do "rolo compressor" o comportamento do presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Ele se absteve quando foi para votação o fechamento de questão em torno das propostas de reforma previdenciária e tributária, o que obriga os parlamentares a seguirem a determinação do partido.

João Paulo, tradicionalmente ligado ao ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, era contra o fechamento de questão agora, quando não há nem sequer uma proposta finalizada. Achava ser uma precipitação que reduzia o papel dos parlamentares.

A maioria da Articulação, principal tendência do campo majoritário, não aceitou a argumentação e aprovou o fechamento de questão. Para petistas, José Dirceu desautorizou as negociações entre os parlamentares que vinham sendo comandadas pelo presidente da Câmara.

Pelas reformas

O Diretório Nacional do PT aprovou anteontem à noite, por 52 votos a 26, a obrigatoriedade de os parlamentares do PT votarem a favor das reformas. O diretório aprovou a criação da contribuição previdenciária para os funcionários inativos e de um regime universal de Previdência, com piso e teto definidos.

No texto aprovado, o diretório informou que, para a votação das reformas, não poderá ser aplicado o disposto no artigo 67 do Estatuto do PT -que permite a dispensa no cumprimento de decisão coletiva em caso de "objeções de natureza ética, filosófica ou religiosa, ou de foro íntimo".

"Isso é uma aberração estatutária", disse a senadora Heloisa Helena, ameaçada de expulsão por criticar o governo federal.

Uma segunda resolução de apoio aos rumos da política econômica atual obteve 56 votos favoráveis. Duas proposições da esquerda petista de mudança nos rumos da economia obtiveram somadas 25 votos.


PRIMEIRA GREVE

Servidores apostam em manifestações para ampliar adesão à paralisação

Na semana em que será apresentado o relatório da reforma da Previdência na comissão especial da Câmara, na quarta-feira, os servidores públicos em greve desde a terça-feira passada apostam em manifestações de maior visibilidade para tentar ampliar a adesão do funcionalismo e evitar que a paralisação naufrague.

Iniciada com 45% de participação, segundo a Cnesf (Coordenação Nacional de Entidades de Servidores Federais), que organizou o movimento, a greve pela retirada da proposta do governo chegou a 50% ao final da semana passada -o que corresponde a cerca de 300 mil servidores da ativa.

Estão previstos para hoje atos nas assembléias legislativas de São Paulo e Rio de Janeiro, onde acontecem sessões da comissão especial. Iniciam-se hoje as paralisações por 24 horas dos servidores do Judiciário -será um tribunal por dia, a começar pelo Superior Tribunal Militar.