terça-feira, 15 de julho de 2003

Folha de S.Paulo

REFORMA NO AR

Presidente diz que, depois de sancionar a previdenciária e a tributária, poderá cuidar de outras propostas

Lula prevê reformas aprovadas até outubro
DE LONDRES

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em seu discurso na London School of Economics and Political Science (LSE), em Londres, que as reformas tributária e da Previdência serão aprovadas até outubro.

Assim que forem aprovadas essas reformas, segundo Lula, o governo tratará de outras, como a sindical, a política e a trabalhista.

"Com a reforma da Previdência, vamos tornar o sistema de aposentadorias e pensões mais justo e sustentável. E com a nova política tributária, a economia produtiva será fortalecida", defendeu o presidente.

O desejo do Planalto de ver as reformas tributária e previdenciária aprovadas até outubro já havia sido externado pelo ministro José Dirceu (Casa Civil). Lula teme que, passado este ano, torne-se impossível votar as reformas.

No entanto, esse prazo corre risco de não ser respeitado. Na semana passada, uma greve que atingiu cerca de 40% do funcionalismo nacional levou o governo a recuar em parte de sua proposta para a reforma da Previdência. No entanto, após críticas de governadores e parlamentares, o Planalto voltou manter sua posição inicial.

Além disso, temendo perder receitas, governadores fazem forte oposição à reforma tributária e exigem mudanças na proposta no governo.

Em Londres, o presidente brasileiro deu o que a LSE chama de aula pública, para mais de 1.500 pessoas. Lula recheou o texto preparado com muitos improvisos.

No discurso escrito, o presidente disse que "os 27 governadores de Estado foram convocados e deram apoio unânime aos projetos de reforma fiscal e da previdência". De improviso, insistiu que queria "ressaltar a importância" do papel dos governadores na aprovação das reformas.

"Não fui o primeiro presidente da República a querer fazer reformas", disse. Quando se pensa em fazer reformas, acrescentou, mexe-se "com direitos adquiridos, com interesses de uma parte, que não diria privilegiada, mas uma parte que já teve acesso à aquisição da cidadania".

E argumentou que "a grande maioria do povo brasileiro não participa, não tem direito a nada praticamente".
Lembrou que, na Inglaterra, "o Estado de bem-estar social está 50 anos à frente". Disse que, no Brasil, "ou se faz a reforma agora, ou em cinco ou dez anos muitas pessoas não poderão receber" suas aposentadorias.

Citou o exemplo de Minas Gerais, que arrecada 10% do que gasta. "É um poço sem mina. Se a mina secou, mas continuam tirando água, um dia a água acaba." Segundo ele, é importante que haja contribuição para que o sistema continue funcionando bem.

De improviso, Lula disse que queria ser presidente para provar que é capaz de fazer pelo país tudo que prometeu.

"Passei a vida inteira lutando pela reforma agrária e agora vou ter de fazer. Agora não posso jogar a culpa em ninguém, não posso dizer que não tenho dinheiro", disse Lula. (MARIA LUIZA ABBOTT)

 

REFORMA NO AR

Dirceu admite negociar a inclusão na proposta da Previdência da aposentadoria integral para os atuais servidores

Governo ensaia mudança parcial na reforma
DA SUCURSAL DO RIO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro da Casa Civil, José Dirceu, afirmou ontem que o governo federal não abrirá mão "dos princípios" da reforma da Previdência Social como ela foi originalmente proposta, mas admite negociar a manutenção da aposentadoria integral dos atuais servidores (recebimento de benefício igual ao salário da ativa).

"A negociação é válida e vai continuar. A conclusão e o acordo final dependem das diretrizes do presidente [Luiz Inácio Lula da Silva]", afirmou. Segundo o ministro, "o presidente pediu que transmitisse ao país que, sem a anuência dos governadores, ele não faria nenhum acordo". A discussão com os governadores ocorrerá hoje em Brasília.

Dirceu disse que até amanhã o governo terá tomado uma decisão sobre o problema da integralidade, respeitados os limites de 20 anos de serviço público, 35 anos de contribuição ou 65 anos de idade. "O ministro Berzoini [Ricardo Berzoini, do Previdência] está fazendo os cálculos atuariais. Nós estamos fazendo uma avaliação política e até quarta-feira [amanhã] tomaremos uma decisão."

Os princípios que, segundo Dirceu, devem ser mantidos mesmo com as negociações em curso são os da viabilidade atuarial (compatibilidade entre as aposentadorias e as reservas formadas para elas), da justiça social e do caráter universal. Ele disse que qualquer alteração que venha a ser feita será válida para todo o conjunto dos servidores, descartando a hipótese de fazer distinção entre os servidores do Judiciário e os demais.

Depois de seis dias de intensas negociações, governo federal, deputados federais, governadores e sindicalistas acertam hoje em reuniões em Brasília os principais pontos da reforma. A principal reunião será às 16h, na Casa Civil, entre os ministros José Dirceu, Ricardo Berzoini (Previdência Social) e cinco governadores representando as cinco regiões do país -Aécio Neves (PSDB-MG), Germano Rigotto (PMDB-RS), Marconi Perillo (PSDB-GO), Wilma de Faria (PSB-RN) e Eduardo Braga (PPS-AM).

Até ontem, a maior probabilidade era a de permitir apenas a integralidade para os atuais servidores. Conforme a Folha antecipou no domingo, a paridade (extensão para os inativos dos reajustes concedidos à ativa) está descartada para os futuros servidores e tem poucas chances de emplacar para os atuais. A integralidade para os que entrarem no serviço público após a promulgação também está fora de pauta.

Na última quarta-feira, o governo deu sinais de que cederia ao Judiciário e aceitaria incluir na proposta a manutenção da paridade e da integralidade para o funcionalismo atual e futuro, desde que atendidos requisitos como o aumento da idade mínima e do tempo de permanência na carreira.

Devido à forte reação contrária dos governadores, de parte da base aliada e do próprio governo (principalmente por parte do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho), o governo voltou atrás e manteve a situação em suspenso, acrescentando que qualquer mudança teria que contar com a anuência dos governadores.

Juros
Em entrevista no hotel Copacabana Palace (zona sul do Rio), Dirceu disse que as condições para que a taxa de juros básica seja reduzida esta semana pelo BC "estão dadas", mas ressalvou que não se deve pensar que a simples redução recolocará o país nos rumos do crescimento econômico.

Dirceu cobrou colaboração dos empresários. "O país pode ficar tranquilo que o presidente Lula não vai, em hipótese alguma, recuar das reformas. Agora, é preciso da parte do mercado, dos investidores, dos credores e, principalmente, dos bancos uma política consistente, patriótica de redução dos juros", disse Dirceu.