sexta-feira, 18 de julho de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA DA REFORMA
Lula cede e muda reforma; CUT e Judiciário protestam
Relatório da Previdência mantém paridade após
pressão da base aliada
Governadores aprovam texto com ressalvas;
"jogo começa agora", diz STF
Depois de uma maratona de negociações, sob pressão
dos governadores, do Judiciário e da base aliada, o governo Luiz
Inácio Lula da Silva se viu obrigado a ceder em sua proposta original
de reforma da Previdência. O relatório apresentado ontem
mantém a aposentadoria integral e a paridade para os atuais servidores.
A solução encontrada, porém, não conseguiu
evitar insatisfações.
As maiores resistências ainda partem do Judiciário e do
funcionalismo. O presidente do STF, Maurício Corrêa, criticou
sobretudo o subteto salarial dos juízes estaduais, que ficou limitado
na proposta em 75% do salário dos ministros do Supremo. "O
jogo começa agora", disse, sinalizando que os juízes
vão manter a pressão. A Justiça estadual ecoou o
recado, e ameaça entrar em greve.
Encarregado de arbitrar os conflitos hora depois de voltar da Europa,
Lula também foi vencido pelo menos em um ponto. Contra a paridade,
o presidente foi induzido a ceder no início da tarde. Ganhou a
base aliada no Congresso e saíram derrotados os ministros Antonio
Palocci Filho (Fazenda) e Luiz Gushiken (Comunicação), inspirador
da reforma original.
Também derrotada, a CUT, que boicotara a greve dos servidores,
ameaça agora engrossar as paralisações. Nos Estados,
os governadores aprovaram o texto final com ressalvas. Ainda devem pressionar
por compensações na reforma tributária. No final
do dia, Palocci resumiu em uma frase o resultado das negociações:
"Chegamos muito perto do limite das mudanças que um projeto
como esse pode suportar."
Lido ontem no plenário, o texto do relator José Pimentel
(PT-CE) será agora submetido à comissão especial
da Câmara que analisa o tema.
Texto da Previdência prevê paridade
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Pressões de governadores, do Judiciário e da base aliada
fizeram com que fossem incluídas no relatório da reforma
da Previdência, apresentado ontem à comissão especial
da Câmara, mudanças de última hora como a paridade
e a redução do teto das pensões.
Para tentar reduzir resistências à proposta, as condições
para integralidade (salário integral na aposentadoria) também
foram amenizadas. No cálculo das pensões e no subteto para
o Judiciário, o governo endureceu as regras em relação
à última versão do relatório. No caso do Judiciário,
por exemplo, o subteto ficou em 75% do salário de um ministro do
Supremo Tribunal Federal. Os juízes pressionavam por 90%
Segundo o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, essa foi a
proposta "possível e viável".
Pelos cálculos dele, a economia a ser atingida com o novo desenho
da reforma da Previdência será R$ 1,7 bilhão menor
que a prevista inicialmente: R$ 52,4 bilhões em 20 anos.
O parecer do relator José Pimentel (PT-CE) prevê a possibilidade
dos atuais servidores se aposentarem com benefício equivalente
ao último salário. Até as vésperas da apresentação
do relatório a intenção era condicionar a integralidade
a quatro condições: 20 anos na carreira, 25 de serviço
público, 30/35 anos de contribuição e 55/60 anos
de idade.
O relatório apresentado, porém, atenuou o tempo mínimo
de carreira e serviço público, que passaram a ser de 10
e 20 anos, respectivamente. A integralidade será uma opção
para o atual servidor, que também poderá se aposentar pelas
normas do benefício médio.
Paridade
Apesar da contrariedade dos ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda),
José Dirceu (Casa Civil), dos governadores e do próprio
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a paridade foi contemplada
no relatório. A medida, que também valerá somente
para os atuais servidores, estabelece que aposentados e servidores da
ativa terão direito ao mesmo índice de reajuste salarial
e na mesma data.
"Foi uma conclusão conjunta. Refletimos que era a melhor
saída", respondeu o ministro Berzoini ao ser questionado sobre
quais foram os argumentos usados para convencer os ministros, os governadores
e o presidente. Berzoini destacou, porém, que a paridade será
parcial.
O parecer de Pimentel estabelece a paridade, mas prevê que o dispositivo
será regulamento por lei federal. O ministro adiantou que o governo
federal não pretende garantir a paridade integral.
"Não é boa política de recursos humanos a paridade
total. Parcelas variáveis ficarão de fora da paridade, que
valerá apenas para proventos fixos", enfatizou Berzoini. Ou
seja, o aposentado terá o aumento do servidor da ativa, mas baseado
em seu salário base. Tudo isso depende, obviamente, de acordos
no Congresso.
Ele admitiu que, enquanto a lei não for aprovada, valerá
a paridade integral. Segundo o novo texto da reforma, a paridade será
aplicada apenas a quem cumprir os requisitos necessários para se
atingir a integralidade. Quem preferir se aposentar pelo benefício
médio terá as aposentadorias reajustadas por índices
de inflação.
Pensões
O relatório de Pimentel trouxe regras mais duras para o cálculo
das futuras pensões em relação à proposta
que vinha sendo negociada com a base aliada do governo no Congresso e
que foi apresentada aos governadores. A última versão previa
a isenção das pensões até R$ 2.400. Acima
desse valor, haveria desconto de 50%.
O texto lido ontem reduz para R$ 1.058 o limite de isenção
das pensões. Acima desse patamar, o desconto mínimo será
de 30%. O assunto será regulamentado por lei, em que será
definida a regra para a progressão do desconto. Berzoini acrescentou
que critérios como idade do pensionistas e dependência econômica
serão adotados. Até que a lei seja aprovada, vale o desconto
mínimo.
Com relação ao subteto, que é o valor do maior salário
e aposentadoria nos Estados e municípios, o Planalto - atendendo
aos governadores - não cedeu às pressões do Judiciário.
Os magistrados queriam que o subteto para o Judiciário ficasse
limitado a 90,25% do salário do ministro do Supremo Tribunal Federal.
"O governo e os governadores decidiram que era melhor manter em 75%
do salário do Supremo", disse Berzoini.
Relator cede e faz mudanças de
última hora
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
O relator da reforma da Previdência, José Pimentel (PT-CE),
cedeu à pressão dos governadores, feita via Planalto, e
modificou, momentos antes o parecer que já estava pronto.
Pimentel disse na apresentação do relatório na comissão
especial que o teto de isenção para o corte das pensões
seria de R$ 1.058 e que teria um acréscimo de 50% para valores
acima disso. Após a sessão foi dito que seria de até
70%.
Para a oposição e até para parte da base aliada,
o erro de Pimentel foi uma prova do atropelo do Executivo sobre o Legislativo
na negociação da reforma. A reunião entre líderes,
o relator e o ministro Ricardo Berzoini (Previdência) para acertar
as alterações acabou às 13h. Depois, Pimentel foi
para a leitura do relatório. Ele leu apenas um resumo das modificações,
já que o parecer consolidado ainda não estava pronto. A
sessão foi suspensa e convocada para as 16h, quando o relatório
foi distribuído aos integrantes da comissão especial.
REFORMA DA REFORMA
Em contrapartida, aliados abriram mão do limite
de isenção de R$ 2.400 para pensões e do aumento
para o Judiciário
Pressão da base obriga Lula a
aceitar paridade
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDA KRAKOVICS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
A garantia da paridade -repasse aos aposentados dos reajustes salariais
dos servidores da ativa- centralizou o embate político travado
na apresentação do relatório da reforma da Previdência,
lido ontem na Câmara.
Descartada até a hora do almoço, a paridade voltou ao texto
no início da tarde com um objetivo político claro: conter
a resistência do Poder Judiciário à reforma.
A questão dividiu governo e congressistas fiéis ao Planalto
em dois grupos. No final, os que eram contra a paridade -entre eles o
próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva- acabaram cedendo
à base, que abriu mão do limite de isenção
de R$ 2.400 para a redução das pensões e do aumento
do subteto salarial do Judiciário.
Toda a negociação começou às 9h, quando o
presidente iniciou, no Palácio da Alvorada, a reunião que
iria definir a nova cara da reforma, em tramitação na Câmara
desde o dia 30 de abril. Lula e os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda)
e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) se posicionaram
contra a paridade -respaldados na consulta feita aos governadores-, que,
para eles, inviabiliza as políticas de valorização
dos servidores ativos.
O ministro Ricardo Berzoini (Previdência) e os deputados Aldo Rebelo
(PC do B-SP), líder do governo na Câmara, e Nelson Pellegrino
(BA), líder do PT, defenderam a inclusão no relatório
sob o argumento de que a base já havia se comprometido publicamente
com a mudança.
O ministro José Dirceu (Casa Civil) defendia uma posição
intermediária: a de que a questão não fosse incluída
agora no parecer, mas ficasse para discussão posterior e possível
inclusão na votação no plenário.
No fim da reunião, que terminou pouco antes das 12h, acabou valendo
a posição de Lula-Palocci-Gushiken. O problema é
que, paralelamente à reunião do Alvorada, os líderes
do PT na Câmara, o presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP),
e o relator da reforma, José Pimentel (PT-CE), já se articulavam
para resistir à decisão. A avaliação deles
era a de que toda a base aliada, incluindo João Paulo, já
tinha se comprometido com a paridade e que, se ela caísse, seria
uma desmoralização.
A decisão
Com esse espírito, o grupo recebeu no gabinete de João Paulo,
ao meio-dia, Rebelo, Pellegrino e Berzoini, que traziam a decisão
do Planalto. A partir de então, João Paulo, Berzoini, Pimentel,
Pellegrino e Rebelo se reuniram separadamente dos demais integrantes do
grupo na sala reservada do gabinete. Fizeram vários telefonemas
ao presidente.
Todos falaram com Lula e reafirmaram a impossibilidade de a paridade
não constar do texto, devido ao ânimo da base aliada. Um
dos vice-líderes do governo, o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS),
que estava na ante-sala de João Paulo, defendia que a Câmara
bancasse a paridade mesmo em contrariedade ao governo.
Após vários entendimentos e projeções de
cálculos feitos por técnicos do ministério da Previdência
chamados às pressas ao gabinete, João Paulo recebeu de Lula,
via telefone, a autorização para o acordo. "O governo
foi sensível à negociação, e isso é
importante", afirmou Pellegrino.
Apesar disso, setores da base aliada ainda se declaravam descontentes.
"Lamento que tenha havido alteração no parecer que
fechamos ontem [anteontem], porque não mudava a reforma do ponto
de vista fiscal", afirmou Albuquerque. Pellegrino reconhece que haverá
problemas: "Os governadores vão querer retirar a paridade
do texto e o Judiciário vai lutar pelo aumento do subteto".
Apesar dos questionamentos, o relator seguiu imediatamente para o plenário
e discursou de improviso sobre o acordo, dando a entender que já
estava se referindo ao relatório pronto. O problema é que
a redação final, aparentemente, nem tinha sido feita e,
devido a isso, Pimentel chegou a declarar que a redução
para as novas pensões seria de 50% (na faixa que exceder R$ 1.058),
momento em que recebeu vaias das galerias, compostas, na maioria, por
representantes dos servidores.
"Isso é uma mentira. Não havia nem parecer pronto
ainda. O relator está servindo de ventríloquo, está
lendo o que deram para ele ler", afirmou o deputado Onyx Lorenzoni
(PFL-RS), que questionou a validade regimental da leitura do relatório.
Mudanças chegam
ao limite do suportável, diz Palocci
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Na sua primeira manifestação pública sobre as alterações
na reforma da Previdência, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda)
deu uma idéia do desconforto da área econômica com
as concessões feitas pelo governo: "Chegamos muito perto do
limite das mudanças que um projeto como esse pode suportar".
A declaração foi parte de uma entrevista em que Palocci
deu sua bênção ao parecer apresentado pelo relator
da reforma na Câmara, José Pimentel (PT-CE), mas deixando
escapar indicações de que o texto original do governo sofreu
abalos importantes.
Numa dessas frases, o ministro disse: "Talvez não seja a
última, mas é uma reforma de grande importância".
Antes da vírgula está contemplada uma avaliação
crescente entre os especialistas no tema -a de que será necessária,
quando as condições políticas permitirem, uma nova
reforma para equilibrar em definitivo as contas previdenciárias
do país.
Palocci repetiu por várias vezes o discurso preparado pelo governo
para evitar que o recuo nas negociações da reforma seja
interpretado pelo mercado como uma capitulação. As mudanças,
afirmou, não atingiram "o coração" -ou,
numa versão alternativa do médico Palocci, "a coluna
vertebral" -do projeto.
Mas o recado mais importante é mesmo o de que o governo chegou
a seu limite nas concessões. Em caráter reservado, assessores
do governo fizeram ontem a afirmação em tom ainda mais incisivo
que o adotado pelo ministro da Fazenda.
Bastidores
Palocci, por motivos óbvios, foi conciliador ao reconhecer o direito
do Congresso de promover as alterações que considerar necessárias
nas reformas da Previdência e tributária. "Mas nós
não deixaremos de dizer se houver modificações que
comprometam a sustentabilidade da reforma", disse.
Embora tenha evitado se envolver abertamente nas negociações,
o ministro trabalhou nos bastidores para implodir o acordo ensaiado na
semana passada para aplacar as resistências do Judiciários
às reformas, quando chegou-se a anunciar a permanência das
aposentadorias integrais com direito aos reajustes dos salários
da ativa para os futuros servidores públicos.
Ontem, Palocci tocou no assunto. "Muitas das idéias discutidas
na semana passada nos preocupavam, em especial as que se referiam aos
futuros servidores", disse o ministro.
A abordagem ressalta uma vitória -caíram as concessões
voltadas para os futuros funcionários- e esconde uma derrota: a
equipe econômica também se opôs à paridade de
reajustes para os servidores atuais, afinal mantida no relatório
de Pimentel.
Questionado ontem sobre a paridade, Palocci saiu pela tangente. "Não
estou preocupado com pontos particulares da reforma, mas com a essência
do projeto." Por essa argumentação, as alterações
não são uma grave ameaça à economia de gastos
pretendida pelo governo.
"Céu de brigadeiro"
Disse também acreditar que o projeto possa seguir adiante no Congresso
sem ser desfigurado. "Se assim continuar, será uma vitória
política não do governo, mas do país."
Mas, diferindo de cálculos muito mais otimistas feitos no início
da tramitação das reforma, previu novos embates até
a aprovação dos projeto.
"Isso vai voltar a acontecer em alguns momentos", disse, acrescentando
que os problemas não deverão ficar restritos ao tema Previdência:
"Também não esperamos céu de brigadeiro na questão
[da reforma] tributária".
REFORMA DA REFORMA
Presidente da AMB diz que chances de greve de juízes
aumentaram; entidades decidirão a questão na terça
Judiciário se mobiliza contra
subteto menor
ILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Maurício
Corrêa, criticou ontem a reforma da Previdência, principalmente
na questão da limitação dos subtetos para os desembargadores
dos Judiciários estaduais. Ao afirmar que acredita que a reforma
vá ser modificada, mandou um recado direto ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva: "o jogo começa agora".
A principal reação dos juízes foi ao subteto, ou
seja, à limitação do salário dos desembargadores
(que estão no topo da carreira da Justiça estadual) a 75%
da remuneração de ministros do STF.
"Não tenho a menor dúvida de que esse quadro será
revertido pela posição soberana, altiva e independente do
nosso Congresso Nacional", disse. E completou dando o recado ao Lula:
"Para usar exatamente a expressão do gosto do presidente da
República, agora é que foi dado o apito inicial. O jogo
começa agora", afirmou, em alusão ao fato de que Lula,
em seus discursos, usa expressões referentes ao futebol.
O relatório da reforma da Previdência provocou reação
em cadeia no Poder Judiciário. Entidades representantes afirmaram
que cresceram os riscos de deflagração de uma greve nacional
de magistrados. Por outro lado, o governo teme que pontos de sua reforma
sejam considerados inconstitucionais.
Corrêa se declarou confiante no restabelecimento do acordo firmado
na semana passada para que os juízes voltem a ser contemplados
com a preservação de direitos que, segundo ele, hoje estão
ameaçados. "Assim agem os homens de palavra."
E continuou: "Colocar o desembargador para ganhar menos do que ganha
um juiz substituto da Justiça Federal. Isso é inconcebível,
é inexplicável", disse Corrêa. O juiz federal
inicia a carreira com o salário equivalente a 80% dos ministros
do STF.
Já o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça),
ministro Nilson Naves, classificou a proposta de "um desastre, uma
calamidade nacional".
O relator fixou o percentual de 75% em relação ao Supremo
porque essa é a diferença entre as remunerações
de deputados federais e estaduais.
Com o salário do STF de R$ 17.170, o desembargador receberá
no máximo R$ 12.877. A remuneração é escalonada
no Judiciário, ou seja, há uma diferença de 5 a 10%
entre uma instância e outra.
Recuo
Dentro da base governista já está sendo articulado um recuo
sobre o subteto. O percentual passaria a ser de 90%, mas seria aplicado
apenas sobre o salário, excluindo os chamados "penduricalhos"
como ajuda de custo.
Em troca, haveria um aumento da idade mínima para a aposentadoria.
Essa modificação pode ser discutida agora na comissão
especial ou na votação no plenário da Câmara
dos Deputados.
Os presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados passaram o
dia reunidos em Brasília para pressionar contra a reforma.
Em nota divulgada ontem, eles afirmam ser "irresponsável
e simplista o propósito de atribuir tratamento igual a carreiras
desiguais do serviço público, com o comprometimento do nível
de qualidade". Eles também criticaram a fórmula de
limitação da pensão das viúvas.
Três entidades - a AMB (Associação dos Magistrados
Brasileiros), a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho) e a Conamp (Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público)- divulgaram nota dizendo
que há "situação desagregadora e caótica",
"fragilização da soberania nacional e desmonte total
do Estado" e, por fim, risco de "uma séria crise institucional".
Greve
O presidente da AMB, Cláudio Baldino Maciel, afirmou que aumentou
o risco ser aprovada uma greve de juízes. "Sem dúvida
nenhuma, as possibilidades de greve aumentam muito agora."
Na segunda-feira, representantes de 56 entidades vão se reunir
para decidir a questão. Os magistrados dizem que, sem as garantias
hoje existentes, a carreira fica menos atrativa e o Judiciário
se enfraquece.
Valor da aposentadoria do servidor vai
depender dos fundos de pensão
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O principal aspecto da reforma da Previdência Social para os futuros
servidores públicos, ou seja, aqueles admitidos após a promulgação
da emenda constitucional, seria o fim do salário integral para
os funcionários aposentados.
Diz o governo federal que os novos servidores terão de entrar
pelo sistema geral da Previdência, o INSS (Instituto Nacional do
Seguro Social), que garantirá uma aposentadoria de até R$
2.400. Para receber mais do que isso, os funcionários terão
de contribuir para um fundo de pensão complementar, que lhes possibilitaria
obter uma renda suplementar.
Ocorre que, com o benefício oferecido esse fundo de pensão,
-financiado em 50% pelo governo federal-, os futuros servidores poderão,
eventualmente, garantir uma aposentadoria igual ao último salário
recebido na ativa.
O texto da reforma menciona a criação desses novos fundos
complementares de maneira vaga: "O regime de previdência complementar
[...] será instituído por lei de iniciativa do respectivo
Poder Executivo, observado o disposto no art. 202".
Dessa forma, União, Estados, o Distrito Federal e qualquer um
dos cerca de 5.600 municípios poderão criar fundos complementares
para seus servidores públicos. Mais do que isso, a emenda constitucional
não proíbe um ente da Federação de fazer diversos
fundos de pensão para cada categoria funcional -policiais, juízes,
professores etc.
Indefinição
Também não fica estabelecido se os fundos complementares
serão por benefício definido (como querem juízes
e sindicatos de servidores públicos em geral) ou por contribuição
definida. A criação será por lei ordinária.
Essa é a legislação mais fácil de ser aprovada:
basta ter a maioria simples sobre a metade dos deputados da Câmara
dos Deputados (257 votos), o que em tese permitiria sua aprovação
por apenas 129 votos.
Se a Câmara aprovar um fundo de pensão complementar por
benefício definido para o Judiciário, por exemplo, um magistrado
poderá contribuir para receber de aposentadoria o seu último
salário integral. Terá de pagar por isso de acordo com regras
atuariais, mas o governo contribuirá com a metade do que for necessário.
Se ao final do período de contribuição faltar dinheiro
por algum motivo, haverá um impasse para o governo resolver.
Liberdade de escolha
"Alguns magistrados ficaram em pânico quando surgiu a idéia
dos fundos. Mas haverá liberdade de escolha para eles definirem
o benefício que desejam receber. Assim poderão manter o
salário integral na aposentadoria. Sendo que o governo contribuirá
com 50%, uma vantagem que ninguém encontra na iniciativa privada",
diz Maurício Rands (PT-PE), que foi o relator da emenda da Previdência
na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Para Rands, o sistema contém uma temeridade: dar liberdade para
as Câmaras Municipais votarem leis criando fundos complementares:
"Será que terão condições técnicas
e gerenciais para isso?" (FR)
Nova proposta causará economia
maior a curto prazo
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo vai economizar mais nos próximos 13 anos com a nova
versão da reforma da Previdência do que com a versão
original, encaminhada ao Congresso no final de abril, segundo simulações
feitas pelo Ministério da Previdência. Em 20 anos, porém,
a nova proposta vai gerar uma economia menor do que a original.
Até o final do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, serão
R$ 5,31 bilhões de redução do déficit do sistema
de aposentadoria do setor público contra R$ R$ 5,05 bilhões
da versão anterior. Sem a reforma, o déficit atingiria R$
14,77 bilhões em 2006, quando Lula deixar o Planalto. Num período
de 20 anos, no entanto, a chamada PEC 40 produziria uma economia de R$
1,72 bilhão maior.
Está claro que a maior parcela da economia da reforma virá
da cobrança de contribuição de inativos, que renderá
cerca de R$ 900 milhões por ano. E já nos primeiros 12 meses
após a reforma, parte dos trabalhadores da iniciativa privada vai
pagar uma conta extra de R$ 1,9 bilhão por causa do novo teto de
benefícios, fixado em R$ 2.400. O número, calculado também
pela Previdência, é bem maior do que a economia produzida
pelas novas regras de aposentadoria do setor público.
A arrecadação extra recairá sobre cerca de 2,35
milhões de trabalhadores que contribuem pelo teto do INSS (Instituto
Nacional do Seguro Social).
Os números do impacto na nova versão da reforma sustentam
a tese de que a negociação tornada pública na semana
passada não foi uma lástima do ponto de vista das contas
públicas. Mas não há, no governo nem no Congresso,
números alternativos sobre o impacto da reforma da Previdência.
Até duas semanas atrás, o governo contava com uma economia
maior pudesse ser produzida pela versão original da reforma.
As projeções do ministério levam em conta que os
servidores serão estimulados a trabalhar mais tempo em troca da
aposentadoria integral, garantida apenas a quem contabilizar 20 anos no
serviço público e 10 anos no cargo, além da idade
mínima de 55 anos, no caso das mulheres, ou 60 anos, no caso dos
homens.
Pelos cálculos da Previdência, o resultado é mais
vantajoso nos primeiros anos do que o cálculo de aposentadoria
pela média das contribuições -regra proposta na versão
original da emenda constitucional.
O efeito positivo da reforma chega ao seu auge em 2011. Sem a reforma,
é quando o déficit da Previdência também atingiria
seu maior tamanho, segundo as projeções. A partir daí,
a economia projetada com a reforma começa a perder força.
A partir de 2017, a versão original da PEC produziria economias
maiores do que a nova versão apresentada ontem, ainda que também
em queda.
Com ressalvas, Estados apóiam
relatório
Já na reforma tributária, governadores
vão jogar suas últimas fichas na redistribuição
dos recursos da Cide
DA AGÊNCIA FOLHA
Governadores declararam apoio ao relatório da reforma da Previdência
apresentado ontem, mas alguns fizeram ressalvas.
Apesar de algumas concessões em relação ao texto
original, o relatório incluiu exigências dos governadores,
como o teto de R$ 2.400 para a aposentadoria dos novos servidores, a redução
do teto das pensões de R$ 2.400 para R$ 1.058, a cobrança
de inativos e a redução do subteto para o Judiciário
de 90,25% para 75% do salário do ministro do STF.
As principais concessões em relação ao texto de
abril foram o direito à aposentadoria integral para os atuais servidores
e a paridade, mecanismo pelo qual os aposentados recebem os mesmos reajustes
dos servidores da ativa.
Geraldo Alckmin (SP), Aécio Neves (MG), Germano Rigotto (RS) e
Eduardo Braga (AM) apoiaram o texto. Jarbas Vasconcelos (PE) e Paulo Souto
(BA), porém, criticaram as mudanças e defenderam o texto
original.
Alckmin (PSDB) disse que apóia as mudanças apresentadas
e destacou que as alterações não terão impacto
significativo nas contas de São Paulo nos primeiros 15 anos. A
partir daí, ele afirma que haverá aumento no déficit
em relação à proposta original.
"Foi feita uma simulação geral, e não há
grandes diferenças nos primeiros 15 anos. Depois, sim, o déficit
passa a ser maior. Mas, comparando, quando se vê as curvas, comparando
com a situação atual, o avanço [com a reforma] é
significativo. Acho que todos os governadores vão apoiar."
Aécio Neves (PSDB) afirmou que o relatório "expressa
o entendimento havido entre o governo federal e Estados". "Considero
que o governo, e em particular o presidente da República, fizeram
grande esforço no sentido de reconstruir os canais e a relação
de confiança entre os Estados e a União na defesa das reformas
no Congresso", declarou Aécio.
Eduardo Braga (PPS) afirmou que a redução do teto das pensões
de R$ 2.400 para R4 1.058 melhora a proposta inicial para os Estados.
Críticas
Jarbas Vasconcelos (PMDB) disse, por meio de sua assessoria, que continuará
defendendo a manutenção do texto original. "Ele [o
texto original] nos livraria dos inconvenientes da paridade e da integralidade.
Vou continuar lutando pela sua manutenção."
Paulo Souto (PFL) disse que o relatório apresentado ontem "apenas
reduz a velocidade do crescimento do déficit". Para o governador,
a proposta inicial da reforma seria a solução para o problema
previdenciário. Disse porém que ficou satisfeito com a fixação
do teto dos pensionistas em R$ 1.058 e com a definição da
paridade "nos termos da lei".
Cide
Esbarrando na forte resistência do ministro Antonio Palocci Filho
(Fazenda), os governadores estão depositando suas fichas no presidente
Luiz Inácio Lula da Silva para obterem ao menos mais uma concessão,
de preferência na participação dos recursos da Cide
(Contribuição sobre Intervenção no Domínio
Econômico).
Na reunião que terão na terça-feira com o ministro
da Fazenda, os cinco governadores representantes das regiões do
país vão bater o pé para tentar arrancar de Palocci
o compromisso de repassar parte da Cide para os Estados.
Conforme apurou a Agência Folha, Aécio e Rigotto consideram
que a Cide tem a vantagem de o repasse ser rápido e contínuo.
Por isso elegeram essa contribuição como principal instrumento
de barganha. Até agora, a única garantia dada aos governadores
diz respeito à criação de um fundo para compensar
os Estados que perdem receita por conta da desoneração das
exportações. (PAULO PEIXOTO, FÁBIO GUIBU, LUIZ FRANCISCO,
SÍLVIA FREIRE, TIAGO ORNAGHI, LÉO GERCHMANN)
Ex-ministro critica "final melancólico"
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Os ex-ministros da Previdência Waldeck Ornellas e Roberto Brant,
deputado federal pelo PFL-MG, criticaram ontem a manutenção
da paridade e da integralidade para os atuais servidores no relatório
da reforma da Previdência apresentado pelo PT.
Ornellas classificou a reforma como "pífia". "Nem
precisa de PEC [Proposta de Emenda à Constituição]
para essas mudanças. A regra de transição devia ter
sido a base da proposta, ela é a chave. Sem isso, o governo esvaziou
completamente a reforma", afirmou ele, que, assim como Brant, foi
ministro durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Brant, presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência,
afirmou que o relatório "é o final melancólico
de um processo desgastante". Para ele, o governo, com a manutenção
da paridade e da integralidade, adia a resolução do problema.
Os dois afirmaram acreditar que, com o relatório apresentado ontem,
o legado do presidente Lula na questão previdenciária será
menor do que o deixado por Fernando Henrique Cardoso.
"O governo atual conseguiu avançar muito menos do que o governo
FHC, que tinha condições políticas muito piores",
disse Brant, que considera demasiadas as concessões feitas à
base.
Segundo Ornellas, o recuo do governo abriu brechas para que a tributação
dos inativos também venha a ser revista. "A pressão
agora será nesse sentido."
Na visão do ex-ministro, o governo "pesou a mão no
relatório" ao ceder demais. "A reforma se esvaziou completamente."
Marcelo Estevão de Moraes, consultor e ex-secretário da
Previdência, defendeu o relatório do deputado José
Pimentel (PT-CE) por considerar que ele manteve sob controle o aspecto
fiscal.
"O texto está na direção correta. Atende às
necessidades fiscais e avança na direção do consenso
entre os Poderes", afirmou.
Moraes, no entanto, disse que está temeroso quanto à situação
dos futuros servidores, porque o relatório, segundo ele, deixa
em aberto as regras para a aposentadoria complementar.
Oposição
Líderes dos dois principais partidos de oposição
ao governo -PSDB e PFL- no Congresso afirmaram que o relatório
da reforma da Previdência demonstra que a única preocupação
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seus ministros é
com o aspecto fiscal e com os mercados.
O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), disse
que o relatório apresentado ontem também comprova o caráter
"indeciso" do governo, que, para ele, "foi muito duro com
as viuvinhas".
O senador referia-se à proposta que diminui de R$ 2.400 para R$
1.058 a faixa isenta de redução para as novas pensões.
Para ele, o texto revela que a única preocupação
do governo é com a parte fiscal e os mercados. "A impressão
é que só querem fazer caixa. Talvez pela inexperiência
administrativa do presidente Lula, ele conduza a reforma como se estivesse
em uma gincana: quer aprovar logo para agradar ao mercado e dizer que
foi mais rápido que o governo anterior."
O líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA),
também disse acreditar que o governo não tem um projeto
para o futuro. "A reforma só tem viés fiscal."
Aleluia afirmou ainda que seu partido tentará anular a sessão
em que o relatório foi apresentado.
REFORMA DA REFORMA
Reivindicações da entidade não
foram acolhidas pelo governo; presidente da central deve encontrar Lula
hoje
CUT abandona trégua e ameaça
greve
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores),
Luiz Marinho, abandonou o tom conciliador e afirmou ontem que poderá
organizar uma nova greve para pressionar o governo federal a rever a reforma
da Previdência. O relatório apresentado ontem não
contemplou nenhuma das reivindicações defendidas pela central
sindical.
"É uma reforma altamente prejudicial, principalmente para
os baixos salários", disse Marinho, que deverá se encontrar
hoje com Luiz Inácio Lula da Silva. Será, segundo ele, a
primeira audiência formal com o presidente.
"Não tem data para a greve, tudo irá depender dessa
audiência com o presidente", afirmou o presidente da CUT, que
responsabilizou os governadores pelas mudanças finais no texto
da reforma da Previdência.
As propostas defendidas pela CUT são basicamente três: aumento
da faixa de isenção da contribuição previdenciária
dos funcionários aposentados, aumento do teto de aposentadoria
de R$ 2.400 para R$ 4.800 e uma flexibilização da aplicação
do redutor salarial de 5% ao ano para os servidores que decidirem se aposentar
antes da idade mínima.
Dizendo apostar na "sensibilidade" do presidente, Marinho afirmou
que irá adotar medidas de "convencimento e de pressão",
caso as propostas da entidade não sejam atendidas. Além
de apoiar a greve dos servidores, que teve início no último
dia 8, o presidente da CUT disse que poderá organizar novas paralisações.
Para Marinho, o fato de o governo não ter acolhido suas propostas
não é sinal de desprestígio. "Vamos esperar
o fim das negociações. Um golzinho de virada é sempre
mais emocionante."
Repúdio
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos
Gonçalves, o Juruna, informou em nota enviada à imprensa
que "lamenta e repudia" o que chamou de a "insensata"
manutenção da aposentadoria integral dos servidores públicos
e a paridade de reajuste entre ativos e inativos. Para ele, o novo texto
irá prejudicar a sociedade e comprometer a capacidade do Estado
em fazer investimentos.
"Estamos perplexos com a mudança brusca nos rumos do governo",
afirmou o secretário-geral, para quem o texto apresentado não
corrige distorções do modelo previdenciário, como
as altas aposentadorias.
Grevistas criticam
texto do relator
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O parecer do deputado federal José Pimentel (PT-CE), relator da
reforma da Previdência, foi considerado "virtual" e uma
"declamação de poesia" pelos servidores públicos
federais em greve. Paralelamente, o governo adotou medidas para controlar
o ponto dos servidores -que pretende cortar, segundo orientação
do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda).
"Inventaram esse relatório hoje. É um relatório
virtual, foi uma declamação de poesia pelo menino da província",
afirmou José Domingues, da Andes (Sindicato Nacional dos Docentes
do Ensino Superior).
Até a conclusão desta edição, o comando de
greve ainda não havia divulgado o balanço da adesão
à greve dos funcionários públicos no dia de ontem.
Os sindicalistas passaram o dia no Congresso Nacional acompanhando a movimentação
em plenário.
Greve mantida
"A greve será mantida para fortalecer as negociações
com o governo. A leitura do relatório não é o fim
do processo. Ainda temos possibilidade de emendas e a análise do
Senado", disse Denise Motta Dau, presidente da CNTSS (servidores
da seguridade social).
No fim da tarde, encontraram-se com o presidente do STF (Supremo Tribunal
Federal), Maurício Correia, em reunião que ainda não
havia terminado até o fechamento desta edição.
"O governo apostou em um confronto com os magistrados e fez o jogo
dos fundos de pensão, do mercado e do FMI (Fundo Monetário
Internacional)", afirmou Grijalbo Coutinho, presidente da Anamatra
(Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho).
Em conjunto com juízes estaduais, os magistrados do trabalho se
reúnem na segunda-feira para discutir adesão à greve.
Eles não concordam com a mudança no subteto e com o fim
da integralidade para os futuros servidores.
Ponto cortado
Na edição de ontem do "Diário Oficial"
da União, o ministro Guido Mantega (Planejamento) suspendeu o uso
do ponto eletrônico -por meio de crachá. Ficou determinado
que os servidores públicos terão de registrar a presença
em listas de papel em poder da chefia imediata.
O objetivo do governo é conseguir mapear de forma mais confiável
o comparecimento ao trabalho. O governo segue com o intuito de descontar
os dias parados dos servidores em greve.
Desde ontem, todos os órgãos devem enviar diariamente a
taxa de comparecimento ao trabalho para o respectivo ministério.
A cada três dias, o governo divulgará o balanço oficial
de adesão à greve. (IURI DANTAS)

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