sexta-feira, 18 de julho de 2003

Folha de S.Paulo

REFORMA DA REFORMA

Lula cede e muda reforma; CUT e Judiciário protestam
Relatório da Previdência mantém paridade após pressão da base aliada

Governadores aprovam texto com ressalvas; "jogo começa agora", diz STF

Depois de uma maratona de negociações, sob pressão dos governadores, do Judiciário e da base aliada, o governo Luiz Inácio Lula da Silva se viu obrigado a ceder em sua proposta original de reforma da Previdência. O relatório apresentado ontem mantém a aposentadoria integral e a paridade para os atuais servidores. A solução encontrada, porém, não conseguiu evitar insatisfações.

As maiores resistências ainda partem do Judiciário e do funcionalismo. O presidente do STF, Maurício Corrêa, criticou sobretudo o subteto salarial dos juízes estaduais, que ficou limitado na proposta em 75% do salário dos ministros do Supremo. "O jogo começa agora", disse, sinalizando que os juízes vão manter a pressão. A Justiça estadual ecoou o recado, e ameaça entrar em greve.

Encarregado de arbitrar os conflitos hora depois de voltar da Europa, Lula também foi vencido pelo menos em um ponto. Contra a paridade, o presidente foi induzido a ceder no início da tarde. Ganhou a base aliada no Congresso e saíram derrotados os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Luiz Gushiken (Comunicação), inspirador da reforma original.

Também derrotada, a CUT, que boicotara a greve dos servidores, ameaça agora engrossar as paralisações. Nos Estados, os governadores aprovaram o texto final com ressalvas. Ainda devem pressionar por compensações na reforma tributária. No final do dia, Palocci resumiu em uma frase o resultado das negociações: "Chegamos muito perto do limite das mudanças que um projeto como esse pode suportar."

Lido ontem no plenário, o texto do relator José Pimentel (PT-CE) será agora submetido à comissão especial da Câmara que analisa o tema.


Texto da Previdência prevê paridade

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pressões de governadores, do Judiciário e da base aliada fizeram com que fossem incluídas no relatório da reforma da Previdência, apresentado ontem à comissão especial da Câmara, mudanças de última hora como a paridade e a redução do teto das pensões.

Para tentar reduzir resistências à proposta, as condições para integralidade (salário integral na aposentadoria) também foram amenizadas. No cálculo das pensões e no subteto para o Judiciário, o governo endureceu as regras em relação à última versão do relatório. No caso do Judiciário, por exemplo, o subteto ficou em 75% do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Os juízes pressionavam por 90%

Segundo o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, essa foi a proposta "possível e viável".

Pelos cálculos dele, a economia a ser atingida com o novo desenho da reforma da Previdência será R$ 1,7 bilhão menor que a prevista inicialmente: R$ 52,4 bilhões em 20 anos.

O parecer do relator José Pimentel (PT-CE) prevê a possibilidade dos atuais servidores se aposentarem com benefício equivalente ao último salário. Até as vésperas da apresentação do relatório a intenção era condicionar a integralidade a quatro condições: 20 anos na carreira, 25 de serviço público, 30/35 anos de contribuição e 55/60 anos de idade.

O relatório apresentado, porém, atenuou o tempo mínimo de carreira e serviço público, que passaram a ser de 10 e 20 anos, respectivamente. A integralidade será uma opção para o atual servidor, que também poderá se aposentar pelas normas do benefício médio.

Paridade
Apesar da contrariedade dos ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda), José Dirceu (Casa Civil), dos governadores e do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a paridade foi contemplada no relatório. A medida, que também valerá somente para os atuais servidores, estabelece que aposentados e servidores da ativa terão direito ao mesmo índice de reajuste salarial e na mesma data.

"Foi uma conclusão conjunta. Refletimos que era a melhor saída", respondeu o ministro Berzoini ao ser questionado sobre quais foram os argumentos usados para convencer os ministros, os governadores e o presidente. Berzoini destacou, porém, que a paridade será parcial.

O parecer de Pimentel estabelece a paridade, mas prevê que o dispositivo será regulamento por lei federal. O ministro adiantou que o governo federal não pretende garantir a paridade integral.

"Não é boa política de recursos humanos a paridade total. Parcelas variáveis ficarão de fora da paridade, que valerá apenas para proventos fixos", enfatizou Berzoini. Ou seja, o aposentado terá o aumento do servidor da ativa, mas baseado em seu salário base. Tudo isso depende, obviamente, de acordos no Congresso.

Ele admitiu que, enquanto a lei não for aprovada, valerá a paridade integral. Segundo o novo texto da reforma, a paridade será aplicada apenas a quem cumprir os requisitos necessários para se atingir a integralidade. Quem preferir se aposentar pelo benefício médio terá as aposentadorias reajustadas por índices de inflação.

Pensões
O relatório de Pimentel trouxe regras mais duras para o cálculo das futuras pensões em relação à proposta que vinha sendo negociada com a base aliada do governo no Congresso e que foi apresentada aos governadores. A última versão previa a isenção das pensões até R$ 2.400. Acima desse valor, haveria desconto de 50%.

O texto lido ontem reduz para R$ 1.058 o limite de isenção das pensões. Acima desse patamar, o desconto mínimo será de 30%. O assunto será regulamentado por lei, em que será definida a regra para a progressão do desconto. Berzoini acrescentou que critérios como idade do pensionistas e dependência econômica serão adotados. Até que a lei seja aprovada, vale o desconto mínimo.

Com relação ao subteto, que é o valor do maior salário e aposentadoria nos Estados e municípios, o Planalto - atendendo aos governadores - não cedeu às pressões do Judiciário. Os magistrados queriam que o subteto para o Judiciário ficasse limitado a 90,25% do salário do ministro do Supremo Tribunal Federal. "O governo e os governadores decidiram que era melhor manter em 75% do salário do Supremo", disse Berzoini.


Relator cede e faz mudanças de última hora
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

O relator da reforma da Previdência, José Pimentel (PT-CE), cedeu à pressão dos governadores, feita via Planalto, e modificou, momentos antes o parecer que já estava pronto.

Pimentel disse na apresentação do relatório na comissão especial que o teto de isenção para o corte das pensões seria de R$ 1.058 e que teria um acréscimo de 50% para valores acima disso. Após a sessão foi dito que seria de até 70%.

Para a oposição e até para parte da base aliada, o erro de Pimentel foi uma prova do atropelo do Executivo sobre o Legislativo na negociação da reforma. A reunião entre líderes, o relator e o ministro Ricardo Berzoini (Previdência) para acertar as alterações acabou às 13h. Depois, Pimentel foi para a leitura do relatório. Ele leu apenas um resumo das modificações, já que o parecer consolidado ainda não estava pronto. A sessão foi suspensa e convocada para as 16h, quando o relatório foi distribuído aos integrantes da comissão especial.


REFORMA DA REFORMA

Em contrapartida, aliados abriram mão do limite de isenção de R$ 2.400 para pensões e do aumento para o Judiciário

Pressão da base obriga Lula a aceitar paridade
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDA KRAKOVICS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

A garantia da paridade -repasse aos aposentados dos reajustes salariais dos servidores da ativa- centralizou o embate político travado na apresentação do relatório da reforma da Previdência, lido ontem na Câmara.

Descartada até a hora do almoço, a paridade voltou ao texto no início da tarde com um objetivo político claro: conter a resistência do Poder Judiciário à reforma.

A questão dividiu governo e congressistas fiéis ao Planalto em dois grupos. No final, os que eram contra a paridade -entre eles o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva- acabaram cedendo à base, que abriu mão do limite de isenção de R$ 2.400 para a redução das pensões e do aumento do subteto salarial do Judiciário.

Toda a negociação começou às 9h, quando o presidente iniciou, no Palácio da Alvorada, a reunião que iria definir a nova cara da reforma, em tramitação na Câmara desde o dia 30 de abril. Lula e os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) se posicionaram contra a paridade -respaldados na consulta feita aos governadores-, que, para eles, inviabiliza as políticas de valorização dos servidores ativos.

O ministro Ricardo Berzoini (Previdência) e os deputados Aldo Rebelo (PC do B-SP), líder do governo na Câmara, e Nelson Pellegrino (BA), líder do PT, defenderam a inclusão no relatório sob o argumento de que a base já havia se comprometido publicamente com a mudança.

O ministro José Dirceu (Casa Civil) defendia uma posição intermediária: a de que a questão não fosse incluída agora no parecer, mas ficasse para discussão posterior e possível inclusão na votação no plenário.

No fim da reunião, que terminou pouco antes das 12h, acabou valendo a posição de Lula-Palocci-Gushiken. O problema é que, paralelamente à reunião do Alvorada, os líderes do PT na Câmara, o presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP), e o relator da reforma, José Pimentel (PT-CE), já se articulavam para resistir à decisão. A avaliação deles era a de que toda a base aliada, incluindo João Paulo, já tinha se comprometido com a paridade e que, se ela caísse, seria uma desmoralização.

A decisão
Com esse espírito, o grupo recebeu no gabinete de João Paulo, ao meio-dia, Rebelo, Pellegrino e Berzoini, que traziam a decisão do Planalto. A partir de então, João Paulo, Berzoini, Pimentel, Pellegrino e Rebelo se reuniram separadamente dos demais integrantes do grupo na sala reservada do gabinete. Fizeram vários telefonemas ao presidente.

Todos falaram com Lula e reafirmaram a impossibilidade de a paridade não constar do texto, devido ao ânimo da base aliada. Um dos vice-líderes do governo, o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), que estava na ante-sala de João Paulo, defendia que a Câmara bancasse a paridade mesmo em contrariedade ao governo.

Após vários entendimentos e projeções de cálculos feitos por técnicos do ministério da Previdência chamados às pressas ao gabinete, João Paulo recebeu de Lula, via telefone, a autorização para o acordo. "O governo foi sensível à negociação, e isso é importante", afirmou Pellegrino.

Apesar disso, setores da base aliada ainda se declaravam descontentes. "Lamento que tenha havido alteração no parecer que fechamos ontem [anteontem], porque não mudava a reforma do ponto de vista fiscal", afirmou Albuquerque. Pellegrino reconhece que haverá problemas: "Os governadores vão querer retirar a paridade do texto e o Judiciário vai lutar pelo aumento do subteto".

Apesar dos questionamentos, o relator seguiu imediatamente para o plenário e discursou de improviso sobre o acordo, dando a entender que já estava se referindo ao relatório pronto. O problema é que a redação final, aparentemente, nem tinha sido feita e, devido a isso, Pimentel chegou a declarar que a redução para as novas pensões seria de 50% (na faixa que exceder R$ 1.058), momento em que recebeu vaias das galerias, compostas, na maioria, por representantes dos servidores.

"Isso é uma mentira. Não havia nem parecer pronto ainda. O relator está servindo de ventríloquo, está lendo o que deram para ele ler", afirmou o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), que questionou a validade regimental da leitura do relatório.

Mudanças chegam ao limite do suportável, diz Palocci
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na sua primeira manifestação pública sobre as alterações na reforma da Previdência, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) deu uma idéia do desconforto da área econômica com as concessões feitas pelo governo: "Chegamos muito perto do limite das mudanças que um projeto como esse pode suportar".

A declaração foi parte de uma entrevista em que Palocci deu sua bênção ao parecer apresentado pelo relator da reforma na Câmara, José Pimentel (PT-CE), mas deixando escapar indicações de que o texto original do governo sofreu abalos importantes.

Numa dessas frases, o ministro disse: "Talvez não seja a última, mas é uma reforma de grande importância". Antes da vírgula está contemplada uma avaliação crescente entre os especialistas no tema -a de que será necessária, quando as condições políticas permitirem, uma nova reforma para equilibrar em definitivo as contas previdenciárias do país.

Palocci repetiu por várias vezes o discurso preparado pelo governo para evitar que o recuo nas negociações da reforma seja interpretado pelo mercado como uma capitulação. As mudanças, afirmou, não atingiram "o coração" -ou, numa versão alternativa do médico Palocci, "a coluna vertebral" -do projeto.

Mas o recado mais importante é mesmo o de que o governo chegou a seu limite nas concessões. Em caráter reservado, assessores do governo fizeram ontem a afirmação em tom ainda mais incisivo que o adotado pelo ministro da Fazenda.

Bastidores

Palocci, por motivos óbvios, foi conciliador ao reconhecer o direito do Congresso de promover as alterações que considerar necessárias nas reformas da Previdência e tributária. "Mas nós não deixaremos de dizer se houver modificações que comprometam a sustentabilidade da reforma", disse.

Embora tenha evitado se envolver abertamente nas negociações, o ministro trabalhou nos bastidores para implodir o acordo ensaiado na semana passada para aplacar as resistências do Judiciários às reformas, quando chegou-se a anunciar a permanência das aposentadorias integrais com direito aos reajustes dos salários da ativa para os futuros servidores públicos.

Ontem, Palocci tocou no assunto. "Muitas das idéias discutidas na semana passada nos preocupavam, em especial as que se referiam aos futuros servidores", disse o ministro.

A abordagem ressalta uma vitória -caíram as concessões voltadas para os futuros funcionários- e esconde uma derrota: a equipe econômica também se opôs à paridade de reajustes para os servidores atuais, afinal mantida no relatório de Pimentel.

Questionado ontem sobre a paridade, Palocci saiu pela tangente. "Não estou preocupado com pontos particulares da reforma, mas com a essência do projeto." Por essa argumentação, as alterações não são uma grave ameaça à economia de gastos pretendida pelo governo.

"Céu de brigadeiro"

Disse também acreditar que o projeto possa seguir adiante no Congresso sem ser desfigurado. "Se assim continuar, será uma vitória política não do governo, mas do país."

Mas, diferindo de cálculos muito mais otimistas feitos no início da tramitação das reforma, previu novos embates até a aprovação dos projeto.

"Isso vai voltar a acontecer em alguns momentos", disse, acrescentando que os problemas não deverão ficar restritos ao tema Previdência: "Também não esperamos céu de brigadeiro na questão [da reforma] tributária".

REFORMA DA REFORMA

Presidente da AMB diz que chances de greve de juízes aumentaram; entidades decidirão a questão na terça

Judiciário se mobiliza contra subteto menor
ILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Maurício Corrêa, criticou ontem a reforma da Previdência, principalmente na questão da limitação dos subtetos para os desembargadores dos Judiciários estaduais. Ao afirmar que acredita que a reforma vá ser modificada, mandou um recado direto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "o jogo começa agora".

A principal reação dos juízes foi ao subteto, ou seja, à limitação do salário dos desembargadores (que estão no topo da carreira da Justiça estadual) a 75% da remuneração de ministros do STF.

"Não tenho a menor dúvida de que esse quadro será revertido pela posição soberana, altiva e independente do nosso Congresso Nacional", disse. E completou dando o recado ao Lula: "Para usar exatamente a expressão do gosto do presidente da República, agora é que foi dado o apito inicial. O jogo começa agora", afirmou, em alusão ao fato de que Lula, em seus discursos, usa expressões referentes ao futebol.

O relatório da reforma da Previdência provocou reação em cadeia no Poder Judiciário. Entidades representantes afirmaram que cresceram os riscos de deflagração de uma greve nacional de magistrados. Por outro lado, o governo teme que pontos de sua reforma sejam considerados inconstitucionais.

Corrêa se declarou confiante no restabelecimento do acordo firmado na semana passada para que os juízes voltem a ser contemplados com a preservação de direitos que, segundo ele, hoje estão ameaçados. "Assim agem os homens de palavra."

E continuou: "Colocar o desembargador para ganhar menos do que ganha um juiz substituto da Justiça Federal. Isso é inconcebível, é inexplicável", disse Corrêa. O juiz federal inicia a carreira com o salário equivalente a 80% dos ministros do STF.

Já o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Nilson Naves, classificou a proposta de "um desastre, uma calamidade nacional".

O relator fixou o percentual de 75% em relação ao Supremo porque essa é a diferença entre as remunerações de deputados federais e estaduais.

Com o salário do STF de R$ 17.170, o desembargador receberá no máximo R$ 12.877. A remuneração é escalonada no Judiciário, ou seja, há uma diferença de 5 a 10% entre uma instância e outra.

Recuo

Dentro da base governista já está sendo articulado um recuo sobre o subteto. O percentual passaria a ser de 90%, mas seria aplicado apenas sobre o salário, excluindo os chamados "penduricalhos" como ajuda de custo.

Em troca, haveria um aumento da idade mínima para a aposentadoria. Essa modificação pode ser discutida agora na comissão especial ou na votação no plenário da Câmara dos Deputados.

Os presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados passaram o dia reunidos em Brasília para pressionar contra a reforma.

Em nota divulgada ontem, eles afirmam ser "irresponsável e simplista o propósito de atribuir tratamento igual a carreiras desiguais do serviço público, com o comprometimento do nível de qualidade". Eles também criticaram a fórmula de limitação da pensão das viúvas.

Três entidades - a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e a Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público)- divulgaram nota dizendo que há "situação desagregadora e caótica", "fragilização da soberania nacional e desmonte total do Estado" e, por fim, risco de "uma séria crise institucional".

Greve

O presidente da AMB, Cláudio Baldino Maciel, afirmou que aumentou o risco ser aprovada uma greve de juízes. "Sem dúvida nenhuma, as possibilidades de greve aumentam muito agora."

Na segunda-feira, representantes de 56 entidades vão se reunir para decidir a questão. Os magistrados dizem que, sem as garantias hoje existentes, a carreira fica menos atrativa e o Judiciário se enfraquece.


Valor da aposentadoria do servidor vai depender dos fundos de pensão
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O principal aspecto da reforma da Previdência Social para os futuros servidores públicos, ou seja, aqueles admitidos após a promulgação da emenda constitucional, seria o fim do salário integral para os funcionários aposentados.

Diz o governo federal que os novos servidores terão de entrar pelo sistema geral da Previdência, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que garantirá uma aposentadoria de até R$ 2.400. Para receber mais do que isso, os funcionários terão de contribuir para um fundo de pensão complementar, que lhes possibilitaria obter uma renda suplementar.

Ocorre que, com o benefício oferecido esse fundo de pensão, -financiado em 50% pelo governo federal-, os futuros servidores poderão, eventualmente, garantir uma aposentadoria igual ao último salário recebido na ativa.

O texto da reforma menciona a criação desses novos fundos complementares de maneira vaga: "O regime de previdência complementar [...] será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202".

Dessa forma, União, Estados, o Distrito Federal e qualquer um dos cerca de 5.600 municípios poderão criar fundos complementares para seus servidores públicos. Mais do que isso, a emenda constitucional não proíbe um ente da Federação de fazer diversos fundos de pensão para cada categoria funcional -policiais, juízes, professores etc.

Indefinição
Também não fica estabelecido se os fundos complementares serão por benefício definido (como querem juízes e sindicatos de servidores públicos em geral) ou por contribuição definida. A criação será por lei ordinária.

Essa é a legislação mais fácil de ser aprovada: basta ter a maioria simples sobre a metade dos deputados da Câmara dos Deputados (257 votos), o que em tese permitiria sua aprovação por apenas 129 votos.

Se a Câmara aprovar um fundo de pensão complementar por benefício definido para o Judiciário, por exemplo, um magistrado poderá contribuir para receber de aposentadoria o seu último salário integral. Terá de pagar por isso de acordo com regras atuariais, mas o governo contribuirá com a metade do que for necessário. Se ao final do período de contribuição faltar dinheiro por algum motivo, haverá um impasse para o governo resolver.

Liberdade de escolha

"Alguns magistrados ficaram em pânico quando surgiu a idéia dos fundos. Mas haverá liberdade de escolha para eles definirem o benefício que desejam receber. Assim poderão manter o salário integral na aposentadoria. Sendo que o governo contribuirá com 50%, uma vantagem que ninguém encontra na iniciativa privada", diz Maurício Rands (PT-PE), que foi o relator da emenda da Previdência na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

Para Rands, o sistema contém uma temeridade: dar liberdade para as Câmaras Municipais votarem leis criando fundos complementares: "Será que terão condições técnicas e gerenciais para isso?" (FR)


Nova proposta causará economia maior a curto prazo
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo vai economizar mais nos próximos 13 anos com a nova versão da reforma da Previdência do que com a versão original, encaminhada ao Congresso no final de abril, segundo simulações feitas pelo Ministério da Previdência. Em 20 anos, porém, a nova proposta vai gerar uma economia menor do que a original.

Até o final do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, serão R$ 5,31 bilhões de redução do déficit do sistema de aposentadoria do setor público contra R$ R$ 5,05 bilhões da versão anterior. Sem a reforma, o déficit atingiria R$ 14,77 bilhões em 2006, quando Lula deixar o Planalto. Num período de 20 anos, no entanto, a chamada PEC 40 produziria uma economia de R$ 1,72 bilhão maior.

Está claro que a maior parcela da economia da reforma virá da cobrança de contribuição de inativos, que renderá cerca de R$ 900 milhões por ano. E já nos primeiros 12 meses após a reforma, parte dos trabalhadores da iniciativa privada vai pagar uma conta extra de R$ 1,9 bilhão por causa do novo teto de benefícios, fixado em R$ 2.400. O número, calculado também pela Previdência, é bem maior do que a economia produzida pelas novas regras de aposentadoria do setor público.

A arrecadação extra recairá sobre cerca de 2,35 milhões de trabalhadores que contribuem pelo teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Os números do impacto na nova versão da reforma sustentam a tese de que a negociação tornada pública na semana passada não foi uma lástima do ponto de vista das contas públicas. Mas não há, no governo nem no Congresso, números alternativos sobre o impacto da reforma da Previdência. Até duas semanas atrás, o governo contava com uma economia maior pudesse ser produzida pela versão original da reforma.

As projeções do ministério levam em conta que os servidores serão estimulados a trabalhar mais tempo em troca da aposentadoria integral, garantida apenas a quem contabilizar 20 anos no serviço público e 10 anos no cargo, além da idade mínima de 55 anos, no caso das mulheres, ou 60 anos, no caso dos homens.

Pelos cálculos da Previdência, o resultado é mais vantajoso nos primeiros anos do que o cálculo de aposentadoria pela média das contribuições -regra proposta na versão original da emenda constitucional.

O efeito positivo da reforma chega ao seu auge em 2011. Sem a reforma, é quando o déficit da Previdência também atingiria seu maior tamanho, segundo as projeções. A partir daí, a economia projetada com a reforma começa a perder força. A partir de 2017, a versão original da PEC produziria economias maiores do que a nova versão apresentada ontem, ainda que também em queda.


Com ressalvas, Estados apóiam relatório

Já na reforma tributária, governadores vão jogar suas últimas fichas na redistribuição dos recursos da Cide
DA AGÊNCIA FOLHA

Governadores declararam apoio ao relatório da reforma da Previdência apresentado ontem, mas alguns fizeram ressalvas.

Apesar de algumas concessões em relação ao texto original, o relatório incluiu exigências dos governadores, como o teto de R$ 2.400 para a aposentadoria dos novos servidores, a redução do teto das pensões de R$ 2.400 para R$ 1.058, a cobrança de inativos e a redução do subteto para o Judiciário de 90,25% para 75% do salário do ministro do STF.

As principais concessões em relação ao texto de abril foram o direito à aposentadoria integral para os atuais servidores e a paridade, mecanismo pelo qual os aposentados recebem os mesmos reajustes dos servidores da ativa.

Geraldo Alckmin (SP), Aécio Neves (MG), Germano Rigotto (RS) e Eduardo Braga (AM) apoiaram o texto. Jarbas Vasconcelos (PE) e Paulo Souto (BA), porém, criticaram as mudanças e defenderam o texto original.

Alckmin (PSDB) disse que apóia as mudanças apresentadas e destacou que as alterações não terão impacto significativo nas contas de São Paulo nos primeiros 15 anos. A partir daí, ele afirma que haverá aumento no déficit em relação à proposta original.

"Foi feita uma simulação geral, e não há grandes diferenças nos primeiros 15 anos. Depois, sim, o déficit passa a ser maior. Mas, comparando, quando se vê as curvas, comparando com a situação atual, o avanço [com a reforma] é significativo. Acho que todos os governadores vão apoiar."

Aécio Neves (PSDB) afirmou que o relatório "expressa o entendimento havido entre o governo federal e Estados". "Considero que o governo, e em particular o presidente da República, fizeram grande esforço no sentido de reconstruir os canais e a relação de confiança entre os Estados e a União na defesa das reformas no Congresso", declarou Aécio.

Eduardo Braga (PPS) afirmou que a redução do teto das pensões de R$ 2.400 para R4 1.058 melhora a proposta inicial para os Estados.

Críticas

Jarbas Vasconcelos (PMDB) disse, por meio de sua assessoria, que continuará defendendo a manutenção do texto original. "Ele [o texto original] nos livraria dos inconvenientes da paridade e da integralidade. Vou continuar lutando pela sua manutenção."

Paulo Souto (PFL) disse que o relatório apresentado ontem "apenas reduz a velocidade do crescimento do déficit". Para o governador, a proposta inicial da reforma seria a solução para o problema previdenciário. Disse porém que ficou satisfeito com a fixação do teto dos pensionistas em R$ 1.058 e com a definição da paridade "nos termos da lei".

Cide

Esbarrando na forte resistência do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda), os governadores estão depositando suas fichas no presidente Luiz Inácio Lula da Silva para obterem ao menos mais uma concessão, de preferência na participação dos recursos da Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico).

Na reunião que terão na terça-feira com o ministro da Fazenda, os cinco governadores representantes das regiões do país vão bater o pé para tentar arrancar de Palocci o compromisso de repassar parte da Cide para os Estados.

Conforme apurou a Agência Folha, Aécio e Rigotto consideram que a Cide tem a vantagem de o repasse ser rápido e contínuo. Por isso elegeram essa contribuição como principal instrumento de barganha. Até agora, a única garantia dada aos governadores diz respeito à criação de um fundo para compensar os Estados que perdem receita por conta da desoneração das exportações. (PAULO PEIXOTO, FÁBIO GUIBU, LUIZ FRANCISCO, SÍLVIA FREIRE, TIAGO ORNAGHI, LÉO GERCHMANN)


Ex-ministro critica "final melancólico"
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Os ex-ministros da Previdência Waldeck Ornellas e Roberto Brant, deputado federal pelo PFL-MG, criticaram ontem a manutenção da paridade e da integralidade para os atuais servidores no relatório da reforma da Previdência apresentado pelo PT.

Ornellas classificou a reforma como "pífia". "Nem precisa de PEC [Proposta de Emenda à Constituição] para essas mudanças. A regra de transição devia ter sido a base da proposta, ela é a chave. Sem isso, o governo esvaziou completamente a reforma", afirmou ele, que, assim como Brant, foi ministro durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Brant, presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, afirmou que o relatório "é o final melancólico de um processo desgastante". Para ele, o governo, com a manutenção da paridade e da integralidade, adia a resolução do problema.

Os dois afirmaram acreditar que, com o relatório apresentado ontem, o legado do presidente Lula na questão previdenciária será menor do que o deixado por Fernando Henrique Cardoso.

"O governo atual conseguiu avançar muito menos do que o governo FHC, que tinha condições políticas muito piores", disse Brant, que considera demasiadas as concessões feitas à base.

Segundo Ornellas, o recuo do governo abriu brechas para que a tributação dos inativos também venha a ser revista. "A pressão agora será nesse sentido."

Na visão do ex-ministro, o governo "pesou a mão no relatório" ao ceder demais. "A reforma se esvaziou completamente."

Marcelo Estevão de Moraes, consultor e ex-secretário da Previdência, defendeu o relatório do deputado José Pimentel (PT-CE) por considerar que ele manteve sob controle o aspecto fiscal.

"O texto está na direção correta. Atende às necessidades fiscais e avança na direção do consenso entre os Poderes", afirmou.

Moraes, no entanto, disse que está temeroso quanto à situação dos futuros servidores, porque o relatório, segundo ele, deixa em aberto as regras para a aposentadoria complementar.

Oposição

Líderes dos dois principais partidos de oposição ao governo -PSDB e PFL- no Congresso afirmaram que o relatório da reforma da Previdência demonstra que a única preocupação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seus ministros é com o aspecto fiscal e com os mercados.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), disse que o relatório apresentado ontem também comprova o caráter "indeciso" do governo, que, para ele, "foi muito duro com as viuvinhas".

O senador referia-se à proposta que diminui de R$ 2.400 para R$ 1.058 a faixa isenta de redução para as novas pensões.

Para ele, o texto revela que a única preocupação do governo é com a parte fiscal e os mercados. "A impressão é que só querem fazer caixa. Talvez pela inexperiência administrativa do presidente Lula, ele conduza a reforma como se estivesse em uma gincana: quer aprovar logo para agradar ao mercado e dizer que foi mais rápido que o governo anterior."

O líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), também disse acreditar que o governo não tem um projeto para o futuro. "A reforma só tem viés fiscal."

Aleluia afirmou ainda que seu partido tentará anular a sessão em que o relatório foi apresentado.


REFORMA DA REFORMA

Reivindicações da entidade não foram acolhidas pelo governo; presidente da central deve encontrar Lula hoje

CUT abandona trégua e ameaça greve
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Luiz Marinho, abandonou o tom conciliador e afirmou ontem que poderá organizar uma nova greve para pressionar o governo federal a rever a reforma da Previdência. O relatório apresentado ontem não contemplou nenhuma das reivindicações defendidas pela central sindical.

"É uma reforma altamente prejudicial, principalmente para os baixos salários", disse Marinho, que deverá se encontrar hoje com Luiz Inácio Lula da Silva. Será, segundo ele, a primeira audiência formal com o presidente.

"Não tem data para a greve, tudo irá depender dessa audiência com o presidente", afirmou o presidente da CUT, que responsabilizou os governadores pelas mudanças finais no texto da reforma da Previdência.

As propostas defendidas pela CUT são basicamente três: aumento da faixa de isenção da contribuição previdenciária dos funcionários aposentados, aumento do teto de aposentadoria de R$ 2.400 para R$ 4.800 e uma flexibilização da aplicação do redutor salarial de 5% ao ano para os servidores que decidirem se aposentar antes da idade mínima.

Dizendo apostar na "sensibilidade" do presidente, Marinho afirmou que irá adotar medidas de "convencimento e de pressão", caso as propostas da entidade não sejam atendidas. Além de apoiar a greve dos servidores, que teve início no último dia 8, o presidente da CUT disse que poderá organizar novas paralisações.

Para Marinho, o fato de o governo não ter acolhido suas propostas não é sinal de desprestígio. "Vamos esperar o fim das negociações. Um golzinho de virada é sempre mais emocionante."

Repúdio
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, informou em nota enviada à imprensa que "lamenta e repudia" o que chamou de a "insensata" manutenção da aposentadoria integral dos servidores públicos e a paridade de reajuste entre ativos e inativos. Para ele, o novo texto irá prejudicar a sociedade e comprometer a capacidade do Estado em fazer investimentos.

"Estamos perplexos com a mudança brusca nos rumos do governo", afirmou o secretário-geral, para quem o texto apresentado não corrige distorções do modelo previdenciário, como as altas aposentadorias.

Grevistas criticam texto do relator
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O parecer do deputado federal José Pimentel (PT-CE), relator da reforma da Previdência, foi considerado "virtual" e uma "declamação de poesia" pelos servidores públicos federais em greve. Paralelamente, o governo adotou medidas para controlar o ponto dos servidores -que pretende cortar, segundo orientação do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda).

"Inventaram esse relatório hoje. É um relatório virtual, foi uma declamação de poesia pelo menino da província", afirmou José Domingues, da Andes (Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior).

Até a conclusão desta edição, o comando de greve ainda não havia divulgado o balanço da adesão à greve dos funcionários públicos no dia de ontem. Os sindicalistas passaram o dia no Congresso Nacional acompanhando a movimentação em plenário.

Greve mantida
"A greve será mantida para fortalecer as negociações com o governo. A leitura do relatório não é o fim do processo. Ainda temos possibilidade de emendas e a análise do Senado", disse Denise Motta Dau, presidente da CNTSS (servidores da seguridade social).

No fim da tarde, encontraram-se com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Maurício Correia, em reunião que ainda não havia terminado até o fechamento desta edição.

"O governo apostou em um confronto com os magistrados e fez o jogo dos fundos de pensão, do mercado e do FMI (Fundo Monetário Internacional)", afirmou Grijalbo Coutinho, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).

Em conjunto com juízes estaduais, os magistrados do trabalho se reúnem na segunda-feira para discutir adesão à greve. Eles não concordam com a mudança no subteto e com o fim da integralidade para os futuros servidores.

Ponto cortado

Na edição de ontem do "Diário Oficial" da União, o ministro Guido Mantega (Planejamento) suspendeu o uso do ponto eletrônico -por meio de crachá. Ficou determinado que os servidores públicos terão de registrar a presença em listas de papel em poder da chefia imediata.

O objetivo do governo é conseguir mapear de forma mais confiável o comparecimento ao trabalho. O governo segue com o intuito de descontar os dias parados dos servidores em greve.

Desde ontem, todos os órgãos devem enviar diariamente a taxa de comparecimento ao trabalho para o respectivo ministério. A cada três dias, o governo divulgará o balanço oficial de adesão à greve. (IURI DANTAS)