sexta-feira, 21 de julho de 2003

Folha de S.Paulo

QUAL REFORMA?

Magistrados estaduais e do Trabalho devem parar atividade

Divididos, juízes decidem hoje greve contra reforma
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os juízes estaduais e do Trabalho podem aderir hoje à greve geral convocada pelo funcionalismo público como forma de pressionar o governo e a Câmara dos Deputados a mudar pontos da reforma da Previdência.

Já os juízes federais decidiram adiar a decisão, mas não descartam cruzar os braços também. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Maurício Corrêa, disse ontem que uma eventual paralisação dos juízes fere a Constituição.

"Se um Poder de Estado parar não sei o que é isso senão uma crise institucional", afirmou Cláudio Baldino Maciel, 47, presidente da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil).

Os juízes dos Estados e da Justiça trabalhista pretendem fechar questão em reunião hoje. A tendência é de aderir à paralisação dos servidores públicos que acontece desde o dia 8 deste mês.

A forma dessa adesão será decidida na mesma reunião. A lei impede que os magistrados interrompam as atividades porque eles são o próprio Poder Judiciário. Uma das saídas para o veto legal, segundo a Folha apurou, é estimular a greve dos servidores do Judiciário e apoiar a greve em discursos e notas oficiais.

Dessa forma, os juízes não estariam tecnicamente em greve, mas impossibilitados de trabalhar devido ao não funcionamento das varas judiciais e dos tribunais.

Segundo Paulo Sérgio Domingues, 37, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), os cerca de 1.200 filiados continuarão pressionando o governo e, embora a greve não esteja descartada, este não é "o melhor momento". "Nossa intenção é manter a negociação e a pressão forte. Por enquanto, a pressão como vinha sendo feita aparenta grandes chances de ser bem-sucedida."

A principal reivindicação dos juízes é a elevação do subteto de suas aposentadorias de 75% para 90,25% do vencimento de um ministro do STF. O limite foi estabelecido pelo deputado José Pimentel (PT-CE), relator da reforma da Previdência, em seu parecer.

"O risco é grave porque não vai ter mais ninguém interessado na carreira nos Estados. Não serão juízes capacitados. Isso coloca o Judiciário em posição subalterna em relação aos outros poderes e representa, sim, uma quebra do Estado democrático de direito", afirmou Domingues.

Outro pleito é a definição de regras de transição para os atuais servidores poderem se aposentar com o salário integral. Segundo parecer de Pimentel, será preciso ter 60 anos de idade e 20 anos de serviço público para ter direito à integralidade. A proposta contém um redutor (desconto) de 5% do benefício para cada ano não cumprido caso o servidor decida se aposentar antes da idade mínima.

"Quando aplicam as regras [de tempo de serviço e de contribuição] e não dão a integralidade [para os futuros servidores], nos sentimos tapeados. Isso gerou essa tremenda revolta dentro da magistratura", disse Maciel.

A questão é mais delicada porque ainda não terminou a transição criada na reforma previdenciária feita por Fernando Henrique Cardoso em 1998. Até então, não havia idade mínima para aposentadoria dos magistrados.

"A aposentadoria aos 53 anos hoje não é expectativa de direito. Está escrito na Constituição. Mudar a idade sem uma regra de transição já seria inconstitucional", disse Domingues.

Para o presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), Grijalbo Coutinho, 38, a greve deve trazer outra questão à tona: a excepcionalidade dada aos militares, que terão regime especial. "É bom que eles [líderes do PT] digam por que deram tratamento diferencial aos militares. Isso tira um pouquinho da hipocrisia do governo."

 

Servidores farão acampamento na Esplanada
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os servidores públicos enfrentam uma dificuldade peculiar no espaço mais simbólico para o funcionalismo estatal: a Esplanada dos Ministérios. "Hoje em dia é muito difícil fechar a Esplanada porque só tem terceirizado. Segundo o TCU [Tribunal de Contas da União], quase 70% do pessoal é de empresas contratadas", disse José Domingues Godoy Filho, vice-presidente do Andes (professores universitários).

A alternativa dos servidores é realizar atos simbólicos, como um acampamento na Esplanada e uma marcha a Brasília que, segundo os organizadores, deve reunir cem mil pessoas.

Com a terceirização, disseminada no governo de Fernando Henrique Cardoso (95-02), os serviços de segurança, manutenção e limpeza dos ministérios não aderem à greve. O número de servidores diminuiu: segundo Domingues, durante os anos FHC foram demitidos 220 mil funcionários públicos e contratados apenas 30 mil.

Após o parecer do deputado José Pimentel (PT-CE), os servidores decidiram ocupar o canteiro central da Esplanada a partir desta semana e realizar a marcha na próxima semana.

Eles estudam paralisar as atividades de serviços estratégicos como a fiscalização em aduanas e a distribuição de dinheiro feita pelo Banco Central. Sindicalistas da Cnesf (Coordenação Nacional de Entidades de Servidores Federais), pretendem negociar amanhã com os funcionários do BC a adesão à greve por ao menos alguns dias.

 

Corrêa faz apelo contra paralisação
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Porta-voz do Judiciário nas negociações da reforma da Previdência, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Maurício Corrêa, fez um apelo aos juízes que ameaçam entrar em greve e disse que uma eventual paralisação fere a Constituição.

"Uma greve dos juízes é inconstitucional. Como presidente do Supremo e magistrado não posso conceber que a magistratura faça greve", disse. "Não há razão para desespero, tenho a esperança total e absoluta de que a Câmara vá reverter isso", completou.

Corrêa se referia a um ponto do projeto de reforma da Previdência: o teto da remuneração dos Judiciários estaduais em 75% do salário dos ministros do STF, o que hoje representaria R$ 12.877,50.

Na semana retrasada, o governo havia acenado com um teto maior, de 90,25% do vencimento dos ministros do Supremo, ou R$ 15.495,92. A concessão, porém, foi desautorizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que era pressionado por governadores.

Corrêa, no entanto, confia em que o "acordo" selado anteriormente na casa do presidente da Câmara, João Paulo (PT-SP), seja honrado. O deputado não foi localizado ontem no interior de São Paulo para falar sobre a convicção do presidente do Supremo.

Coube a João Paulo coordenar as negociações da reforma da Previdência. Na última quinta-feira, depois de definidos os detalhes do parecer do relator José Pimentel (PT-CE), o presidente da Câmara tranquilizou Corrêa pelo telefone.

Para manter aberto o canal de negociação com o governo e o Congresso, o presidente do STF trabalha para conter a greve dos juízes, que será discutida hoje: "Espero que eles não entrem em greve, atendam ao meu apelo e aguardem a votação na comissão especial".

"Vamos continuar dialogando", disse o relator José Pimentel, que volta a se reunir hoje com o colégio de líderes da base governista. Ele deixou claro, porém, que uma concessão no chamado subteto dependerá de um aceno dos governadores.

O relatório da reforma deverá ser votado na comissão especial da Câmara até 1º de agosto, a sexta-feira da próxima semana. Só depois irá ao primeiro teste no plenário da Câmara. A emenda constitucional tem de passar por dois turnos de votação em cada uma das Casas do Congresso e precisa de 60% dos votos (308 deputados e 49 senadores).

Com as concessões feitas na semana passada com o aval do presidente Lula, a ameaça de greve ficou restrita ao Judiciário nos Estados, segundo avaliação do governo. Os juízes federais foram atendidos com a garantia de vencimentos integrais e repasse dos reajustes às aposentadorias desde que tenham mais de 20 anos de serviço público e dez anos no cargo, além de 60 anos de idade (homens) e 55 anos (mulheres).

Em fevereiro de 2000, o então presidente Fernando Henrique Cardoso enfrentou a ameaça de greve dos juízes por aumento salarial. A greve foi contida por uma decisão polêmica do ministro do STF Nelson Jobim, que concedia reajuste salarial disfarçado em auxílio-moradia.

Além do chamado subteto salarial dos juízes nos Estados, o presidente do STF insiste em que o próprio Judiciário venha a regulamentar o fundo de pensão para os futuros servidores do Poder.

PMDB defende mudanças na reforma fiscal
DO ENVIADO A BRASÍLIA

Insatisfeita com o Palácio do Planalto na condução das mudanças na reforma da Previdência, parte da base parlamentar governista na Câmara dos Deputados já encampou a defesa de pontos da reforma tributária que contrariam as diretrizes do Ministério da Fazenda e vão ao encontro das reivindicações dos Estados.

O PMDB, maior partido da base depois do PT, com 70 deputados, defende pontos a serem acrescentados ao relatório da reforma tributária.

Entre eles estão a repartição da Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico) e da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) com Estados e municípios, a criação de um fundo de compensação para o Norte e o Nordeste, e a liberação de 15% dos orçamentos dos Estados dessas regiões e do Centro-Oeste para a concessão de incentivos fiscais.

Pelo menos duas das propostas do PMDB, a partilha da contribuições e a criação dos fundos de compensação, também devem contar com o apoio de outros partidos.

"Se a CPMF se tornar um imposto permanente, como propõe o governo, eu acho razoável uma partilha", afirmou o líder do PMDB na Câmara, deputado Eunício Oliveira (CE).

O líder do PP, deputado federal Pedro Henry (MT), também defende a partilha dos tributos como forma de o governo atender a outro pedido dos Estados, a desvinculação de 20% de seus orçamentos.

"Se a arrecadação estadual aumentar, é possível liberar gastos sem ferir os investimentos em saúde e educação", afirmou Pedro Henry.

Guerra fiscal
Os pontos mais polêmicos até agora são a liberdade para que os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste concedam incentivos fiscais para atrair empresas e a flexibilização das receitas orçamentárias.

O fim da "guerra fiscal", nas palavras do relator da reforma tributária na Câmara, deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), é a "coluna cervical" da proposta, que prevê a unificação das alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Guimarães não está disposto a incluir em seu texto a autorização para que alguns Estados concedam incentivos para a instalação de empresas.

Quanto à flexibilização, o relator busca uma forma de atender à reivindicação dos governadores, mas sem derrubar a obrigatoriedade dos investimentos em educação (25% do orçamento) e saúde (12%).
(JOSÉ ALBERTO BOMBIG)

Planalto recua sobre ITR "estadual"
DO ENVIADO A BRASÍLIA

O recuo do governo federal ao admitir manter sob seu controle total o ITR (Imposto Territorial Rural) atende à reivindicação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), feita diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula a Silva, e do núcleo agrário da bancada do PT.

"O ITR não tem sentido para Estados e municípios. Além disso, o imposto perderia seu único objetivo, que é combater o latifúndio e estimular a reforma agrária", afirmou o líder do governo no Senado, Amir Lando (PMDB-RO).

Segundo o senador, parte dos Estados e municípios também não concorda com a transferência de pelo menos 50% do imposto, que faz parte da proposta enviada ao Congresso no final de abril.

A mudança de posição deverá constar do relatório do deputado Virgílio Guimarães (PT-MG). Na prática, a transferência do imposto para os Estados e municípios poderia significar a estadualização da reforma agrária.

Para os governadores, a compensação das perdas dos Estados com a unificação das alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) deve ser feita pela repartição da Cide (Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico) e da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).

Os governadores também reivindicam a flexibilização de seus Orçamentos por meio da DRE (Desvinculação de Receitas dos Estados), que liberaria parte das receitas vinculadas ao custeio de determinados gastos. Hoje os Estados são obrigados a aplicar 25% de seus orçamentos em educação, e o percentual para a saúde chegará a 12% em 2004. O mecanismo é similar à DRU (Desvinculação de Receitas da União), que permite ao governo federal gastar livremente 20% da receita dos principais impostos e contribuições.

Guimarães está disposto a incluir no seu texto a flexibilização dos orçamentos estaduais, mas disse que deverá lançar mão de um dispositivo constitucional que proíba a redução dos investimentos em educação e saúde.