quinta-feira, 24 de julho de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA SOB PRESSÃO
O fim dos benefícios fiscais e a modificação
na cobrança do ICMS são algumas das alterações
propostas
Comissão da tributária
muda projeto de Lula
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDA KRAKOVICS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
Um dia depois da reunião entre Planalto e governadores sobre a
reforma tributária, que acabou em impasse, a comissão da
Câmara encarregada de analisar o projeto surpreendeu o governo ao
divulgar um relatório preliminar repleto de alterações
no texto enviado ao Congresso.
As mudanças atingem pontos centrais da proposta do governo, como
a forma de cobrança do ICMS, o fim dos benefícios fiscais
e a nova versão da CPMF.
A divulgação, numa rápida sessão iniciada
por volta das 19h, foi tão improvisada que nem sequer houve tempo
para alterar o título do documento -"Esboço Parcial
para Discussão Interna".
Foi uma iniciativa do presidente da comissão, Mussa Demes (PFL-PI),
crítico da estratégia do governo de privilegiar as negociações
com os governadores em detrimento do Congresso.
Oficialmente, a idéia também partiu do relator, Virgílio
Guimarães (PT-MG). Seu gabinete, porém, informava durante
à tarde que a sessão da comissão seria fechada, apenas
para debates internos, conforme vinha ocorrendo nos últimos dias.
O relatório divulgado é a terceira versão do texto
preparado por Guimarães a partir de negociações com
os membros da comissão. A versão final, que continua sem
data para apresentação e votação, depende
ainda do aval do Planalto e do desfecho dos entendimentos com os governadores.
Ainda que nem todas as alterações sejam mantidas, parece
claro que é irreversível a transformação do
projeto original. No "esboço parcial" divulgado ontem,
percebe-se que o relator buscou satisfazer lobbies regionais e empresariais
representados na comissão.
O texto do governo não chegou a ser desfigurado -o principal de
suas propostas, caso da unificação do ICMS e da prorrogação
da CPMF, foi mantido, embora em outros termos. Mas a intenção
do ministro Antonio Palocci (Fazenda) de limitar a reforma a poucos temas
consensuais foi atropelada.
Uma comparação simples: o projeto do Planalto propõe
alterar oito artigos da Constituição e acrescentar outros
quatro, em caráter provisório. O relatório da comissão
altera nada menos que 27 artigos e acrescenta 11 de caráter temporário.
Unificação do ICMS
A unificação do ICMS, tema mais delicado da reforma, ficou
muito mais complexa no texto de Guimarães, que decidiu alterar
a forma de distribuição da receita do imposto -coisa que
o governo desistiu de fazer diante da resistência de Estados como
São Paulo e Minas Gerais.
Pelo relatório preliminar, haverá uma alteração
gradual na distribuição das receitas, que, a longo prazo,
privilegiará os Estados onde as mercadorias são consumidas.
A medida é reivindicada por especialistas, empresários e
regiões mais pobres.
Exemplo: hoje, para transações interestaduais de mercadorias
cujo ICMS é de 18%, o Estado de origem cobra 12%, e o de destino,
6%; dentro de dez anos, essa relação deverá ser invertida.
Os incentivos para a atração de empresas, que o projeto
do governo proíbe, poderão ser concedidos por mais três
anos, segundo o relatório de Guimarães.
Na CMF, sucessora permanente da CPMF, acabam os limites mínimo
(0,08%) e máximo (0,38%) para as alíquotas, que poderão
variar dependendo da transação tributada.
União estuda compensar com verba
os Estados
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Para tentar resolver o impasse na negociação da reforma
tributária com os governadores, o Planalto analisa outras formas
para aliviar o caixa dos Estados. Uma das fórmulas em estudo prevê
a liberação de verbas para obras.
O governo federal está decidido a não dar um centavo da
arrecadação da CPMF para os Estados. Os governadores pedem
0,10% do 0,38% que a União cobra (para Estados, 0,08%, e cidades,0,02%).
Por outro lado, o governo deve apresentar propostas em relação
à Cide e a um fundo de compensação para as perdas
da Lei Kandir, que desonerou o ICMS das exportações.
É certo, no entanto, que a proposta do Planalto será diferente
daquela apresentada pelos governadores -25% da arrecadação
da Cide e um fundo com um valor de cerca de R$ 8,5 bilhões. A União
deve chegar a cerca de R$ 6 bilhões, o valor do ano passado.
O ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, disse ao relator da reforma
tributária, Virgílio Guimarães (PT-MG), que não
há pressa para a votação do parecer sobre a proposta.
Mas o parlamentar pretende ler o parecer na próxima semana.
Ao dizer que não tem pressa, Palocci tenta diminuir a pressão
por mudanças enquanto negocia nos bastidores. Trata-se de uma tática
arriscada, na avaliação de membros da coordenação
política do Planalto.
Os governadores, por exemplo, já se articulam para fazer as mudanças
de seu interesse diretamente no Congresso, especialmente no Senado, mais
suscetível aos Estados.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não gostou
da atuação de sua equipe política na negociação
da previdenciária, pretende assumir a condução da
tributária. Lula tenta unificar o discurso do governo.
Lula pediu aos líderes políticos e aos ministros envolvidos
com as duas reformas que atuem coordenadamente e combinem as iniciativas.
Lula quer evitar o que aconteceu na reforma previdenciária, quando
parte do governo se envolveu nas negociações para as mudanças
e outra parte disse ser contrária a elas.
Os governadores têm uma extensa agenda de contenciosos com a União,
além da tributária. A maior parte dos Estados reclama dinheiro
para obras prioritárias. Outros reclamam da defasagem do valor
estabelecido para o ensino fundamental, por exemplo.
Atendendo a parte disso, o governo espera desmontar mobilização
dos governadores no Congresso para mudar substancialmente a reforma.
REFORMA SOB PRESSÃO
Segundo líder do governo, Casa tem grande interesse
pelo tema e não existe urgência em aprovação
Senado mudará tributária,
diz Mercadante
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse
ontem que "não tem possibilidade de a reforma tributária
passar pelo Senado sem alterações". "Há
um interesse muito grande [da Casa pelo tema] e não existe essa
urgência [para aprová-lo]."
Alterar a proposta que virá da Câmara, após a votação
em plenário do relatório do deputado Virgílio Guimarães
(PT-MG), implica tornar obrigatório que o projeto volte àquela
Casa para nova apreciação. Para Mercadante, esse retorno
à Câmara não atrasará a tramitação,
pois, em se tratando de reforma tributária, a virada do ano é
o limite. As alterações só entrariam em vigor em
2004. Mas isso contraria o discurso de Luiz Inácio Lula da Silva,
que previa a aprovação até outubro.
Sobre a possibilidade de, em uma comissão conjunta com deputados,
os senadores passarem a discutir a reforma tributária com a Câmara,
o líder disse não ver "condições concretas
[para isso] do ponto de vista que temos hoje". Os argumentos: a pauta
do Senado estaria carregada e o parecer de Guimarães, em fase final.
A disposição foi expressa publicamente pelo líder
do governo no Senado um dia depois da reunião em que Lula frustrou
a expectativa de governadores de aumentarem suas receitas partilhando
com a União a CPMF (imposto do cheque) e a Cide (contribuição
sobre combustíveis), além de obter recursos de um fundo
de compensação de R$ 8,5 bilhões para Estados exportadores.
Atrito
A declaração do senador gera mais um foco de atrito entre
as duas Casas. Desde o princípio da discussão das reformas,
há queixa entre senadores de que eles foram alijados de discussões
vitais da reforma, concentrada na Câmara. Como Casa que representa
exatamente os Estados, o Senado teria de ter mais voz na articulação,
na visão desses parlamentares -que, de fato, se articularam no
fim de semana para tanto.
Além disso, Mercadante e João Paulo são desafetos
políticos dentro do petismo, por se verem disputando a mesma ribalta
no Parlamento, ainda que nenhum dos dois admita publicamente.
Mercadante participou ontem de um café da manhã que reuniu
senadores de partidos da base aliada (PT, PL, PSB e PTB) ao governo, além
de PPS e PMDB, com o ministro José Dirceu. O PDT não foi
convidado.
No encontro, Dirceu concordou, discretamente segundo os participantes,
com a possibilidade de os senadores modificarem a reforma tributária
que virá da Câmara, diante da afirmação do
senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), um dos 22 ex-governadores que têm
mandato na Casa, de que "o Senado não pode deixar de aprofundá-la".
Em duas horas, Dirceu ouviu uma choradeira geral: o PMDB quer mais "papel"
no governo, todos os partidos querem mais atenção dos ministérios
e os senadores reclamaram da linha política do governo de priorizar
o debate com os governadores.
O ministro pediu "paciência" aos convidados para o café
da manhã, na casa do presidente do Senado, José Sarney,
e falou das várias frentes de ação do governo e das
restrições de recursos públicos para atender às
demandas.
O pedido de paciência ficou dúbio. O senador Ney Suassuna
(PMDB-PB) entendeu que se dirigia aos senadores, para esperar o seu tempo
de ampliar o diálogo sobre as reformas. Já Sarney disse:
"O que ele disse é que temos uma perspectiva de tempo, e que
o tempo que nós estamos tendo é muito pequeno para que tantos
problemas sejam equacionados".

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