segunda-feira, 28 de julho de 2003

Folha de S.Paulo

REFORMA SOB PRESSÃO

Ministério envia por correio mais de 1 milhão de livretos para servidores públicos defendendo a reforma

Previdência gasta R$ 760 mil com cartilhas
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério da Previdência gastou mais de R$ 760 mil para enviar a servidores públicos cartilhas sobre o projeto do governo de reforma da Previdência.

Além de o funcionalismo ser o principal crítico do projeto de emenda constitucional que propõe a reforma do sistema, a categoria é uma das maiores bases eleitorais do PT, partido ao qual também é filiado o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini.

A correspondência foi endereçada a pelo menos 1,7 milhão de servidores ativos e inativos. De acordo com dados do ministério, foram pagos aos Correios R$ 0,44 por mensagem enviada.

Os R$ 763,6 mil gastos pelo governo com a propaganda são maiores que o total previsto no Orçamento para o acompanhamento de conflitos no campo e representa mais do triplo do que foi gasto pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, no primeiro semestre, com esse tipo de monitoramento -R$ 200 mil ou 42,19% do total autorizado.

A cartilha "Saiba Tudo sobre a Nova Previdência do Servidor" afirma que a reforma "é parte de um grande projeto de reconstrução do Estado, previsto no programa do atual governo federal".

A mensagem faz parte de mais um esforço do governo Lula para deixar a opinião pública a favor da reforma. Nela está escrito que o atual sistema previdenciário é "injusto" e precisa ser alterado.

Entre as críticas do funcionalismo à reforma da Previdência, estão a taxação dos inativos e o fim do salário integral na aposentadoria e da paridade (reajuste igual para funcionários da ativa e aposentados) aos novos servidores.

Segundo especialistas em direito administrativo, a publicidade dos atos públicos é um dever do governo previsto na Constituição. O que não pode acontecer é o agente público ganhar vantagem em razão da divulgação de determinado ato de administração.

"Em tese, isso [o envio das cartilhas] faz parte da administração. O material tem de ser analisado para verificar se não há relação entre a divulgação e pessoas que possam ser beneficiadas", diz Jacintho Arruda Câmara, professor de direito administrativo da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Já para Márcio Pestana, também especialista na área, as cartilhas têm propósito esclarecedor. "O que me parece é que tudo faz parte da campanha para convencer os servidores sobre o projeto do governo."

A Prefeitura de São Paulo enviou, em 2001, cartas para 1,6 milhão de pessoas que foram isentas do pagamento de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Foi barrada por decisão judicial quando pretendia enviar mais mensagens aos contribuintes que teriam de pagar o imposto.

Em 2001, José Serra, então ministro da Saúde, enviou 3 milhões de cartas que informavam a origem do pagamento dos tratamentos. O caso mais polêmico, contudo, envolve o ex-prefeito Paulo Maluf. Em 1999, ele teve seus direitos políticos suspensos por ter remetido, em 1993, cerca de 1 milhão de mensagens sobre projeto de isenção de pagamento do IPTU à população de baixa renda. O tribunal entendeu que o ex-prefeito havia agido em benefício próprio. No entanto, a decisão acabou sendo anulada em 2000.

Governo marca reunião para conter petistas insatisfeitos com reforma
FERNANDA KRAKOVICS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

Na semana que antecede a votação da reforma da Previdência, o governo federal vai fazer uma ofensiva para tentar conter insatisfações na Câmara dos Deputados, principalmente as da ala mais à esquerda da bancada do PT na Casa.

Para buscar contornar a principal reclamação -a de falta de diálogo do Planalto com os parlamentares-, estão previstas duas reuniões do governo com os deputados petistas.

Uma será com o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda), na terça-feira, e outra será com o ministro José Dirceu (Casa Civil), responsável pela articulação política do governo, no sábado.

A principal reclamação dos deputados é a de que não teriam participado da construção das reformas da Previdência e tributária antes de elas serem encaminhadas ao Congresso.

O governo teria priorizado os governadores no debate sobre as reformas e enviado um pacote já pronto, cabendo aos parlamentares apenas a responsabilidade de aprovação das medidas.

Apesar de a disponibilidade dos ministros de conversar com a bancada se dar apenas na reta final da tramitação das reformas, os tradicionais críticos do governo entre os petistas não descartam os encontros.

"Nós precisamos construir um diálogo para outras reformas também. E discutir os rumos do governo", afirmou o deputado Doutor Rosinha (PT-PR).

Reticente
O líder do PT na Câmara dos Deputados, Nelson Pellegrino (BA), no entanto, está reticente quanto à reunião com Palocci na terça-feira.

"Esta é uma semana decisiva para as negociações da reforma da Previdência. Por isso, não sei se terça-feira é um bom dia. Queremos marcar uma reunião com as lideranças petistas dos servidores públicos", disse o líder do partido na Casa.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) seria uma das participantes do encontro.

O PT, em suas nove emendas de bancada, encampou propostas da entidade para a reforma da Previdência, como a taxação dos inativos somente a partir de R$ 2.400 para os servidores federais, e não R$ 1.058.

Reivindicação
Nem o partido nem a central sindical foram contemplados no parecer do relator da reforma, deputado José Pimentel (PT-CE).

O documento prevê apenas a elaboração de um projeto de lei, em 60 dias, para a inclusão de 40 milhões de pessoas que estão fora do sistema oficial de Previdência -uma das reivindicações da central sindical.

Os deputados do "grupo dos 28" -parlamentares petistas que integram a ala mais à esquerda do partido- lançaram, na quinta-feira passada, um documento em que cobram do governo uma abertura para a negociação da reforma da Previdência durante a votação no plenário.

Eles não desistiram das emendas da bancada, ainda mais depois que o governo recuou diante do Judiciário, mantendo a aposentadoria integral e a paridade de reajustes entre salários e aposentadorias para os atuais servidores. A postura inicial do Palácio do Planalto era a de que a proposta de emenda constitucional era intocável.


Lobbies "entulham" relatório da reforma tributária, diz especialista
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O relatório preliminar da reforma tributária, elaborado pelo deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), está apinhado de velhos e novos "entulhos", na avaliação do economista Ricardo Varsano, especialista em tributação do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento.

"Ele incluiu um bocado de entulho que estava perdido em diversas gavetas e também de entulho novo, que é balão de ensaio", diz Varsano. Trata-se de uma referência a lobbies que circulam há anos no Congresso, como o da Zona Franca de Manaus, e a pressões mais recentes, como a que pede a regularização da taxa municipal para a coleta de lixo.

A inclusão desse "entulho" no pré-relatório divulgado por Guimarães atende, segundo o economista, a dois propósitos: ganhar tempo, até que o Planalto acerte com os governadores o formato definitivo da reforma, e testar a receptividade a diversas propostas -os tais "balões de ensaio".

Hoje Guimarães deverá apresentar mais uma versão do texto.

O texto, que o relator chama de "esboço parcial", alterou pontos centrais da proposta original, elaborada pela equipe do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda).

Mais que isso, atropelou a intenção de Palocci de restringir a reforma a poucos pontos consensuais. Enquanto o projeto enviado pelo governo ao Congresso altera oito artigos da Constituição e acrescenta quatro, o de Guimarães altera 27 e acrescenta 11.

Foram encampados diversos pleitos de regiões e setores representados na comissão, como mais prazo para os benefícios fiscais, mais dez anos para os incentivos da Zona Franca de Manaus, a permissão constitucional para a Taxa do Lixo e até miudezas como a tributação sobre a água encanada e o gás natural.

Depuração
Para Varsano, grande parte dessas regras acabará sendo retirada do projeto durante a tramitação no Congresso -"os lobbies vêm e vão, é normal". Limpo dos "entulhos", afirma, o texto poderá até ficar melhor que o original.

Não que isso seja grande vantagem para Varsano, para quem o projeto do governo "é muito ruim" -por não priorizar a competitividade da produção nacional e apenas apresentar alguns avanços na progressividade dos impostos.

No item competitividade, o texto traz duas inovações que considera positivas: o fim do IPI sobre máquinas e equipamentos e a incidência do PIS e da Cofins sobre importados. Varsano critica, porém, a mais inusitada das propostas do relator: a possibilidade de alíquotas múltiplas para a CMF, sucessora permanente da CPMF. "Eu juro que, na minha opinião, é a mais absoluta loucura."

A medida, argumenta, acaba com as únicas vantagens do tributo -simplicidade e seu uso para fiscalizar movimentações financeiras. Além de ser de dificílima aplicação, diz, tende a elevar a carga tributária -o texto de Guimarães extingue o teto de 0,38% para a alíquota.

O economista concorda que o projeto abre portas para o aumento da carga, crítica mais comum à reforma do governo, mas acha que esse não é o ponto mais importante. O fundamental, diz, é a qualidade dos tributos, ponto no qual, a seu ver, os avanços quase inexistem.