quinta-feira, 31 de julho de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA SOB PRESSÃO
Lula, no entanto, mantém posição
contrária a concessão
Corrêa e deputados selam acordo para elevar subteto
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDA KRAKOVICS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Maurício Corrêa,
foi ontem à Câmara dos Deputados selar o acordo com a liderança
dos principais partidos da Casa -governistas e de oposição-
para elevar o subteto salarial da Justiça dos Estados de 75% para
90,25% da remuneração de ministros do Supremo.
Saiu com a garantia de que o subteto será elevado, mesmo que o
governo não aceite mudar o relatório da reforma da Previdência,
que fixa o limite em 75%. O teto defendido pelos juízes, de 90,25%,
representa hoje R$ 15.496.
A posição dos juízes e dos deputados foi fechada
pela manhã e foi levada ainda na noite de ontem aos ministros José
Dirceu (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Previdência).
A estratégia é tentar convencer o governo a aceitar a modificação.
Dirceu confirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é
contra alterar o relatório, inclusive na questão do subteto.
"Quem votar contra o relatório está fora", disse
o ministro, segundo relato de participantes da reunião.
Nesse caso, o acordo entre os principais líderes partidários
previa a mudança durante a votação na Câmara.
Hoje, a questão do subteto será discutida com o presidente
Lula num almoço com todos os líderes da base aliada, na
casa de Dirceu, e depois numa reunião com os governadores.
Segundo a Folha apurou, Lula pode ceder se os governadores aceitarem
a reivindicação do Judiciário. O governo também
não deve criar dificuldades caso a base aliada decida alterar o
subteto durante a votação da reforma em plenário.
"O diálogo está evoluindo. Esperamos que, o mais brevemente
possível, surja a solução esperada", afirmou
Corrêa, após deixar o gabinete do presidente da Câmara,
João Paulo Cunha (PT-SP).
Como condição indispensável para o apoio à
reivindicação, os deputados novamente apelaram para que
Corrêa pressionasse as entidades da magistratura a desistir da greve
marcada para começar na próxima terça-feira. A desistência
acabou ocorrendo ontem mesmo.
85% ou 90,25%
No encontro com os deputados, Corrêa cobrou a necessidade de regulamentação
do artigo 93 da Constituição, que estabelece as regras para
os salários dos juízes. Na prática, o artigo deixa
margem para um subteto de 85,5% a 90,25% do salário do STF.
Ou seja, o subteto do Judiciário nos Estados ficaria em 90,25%,
mas os governadores poderiam articular a criação de leis
que estipulassem um subteto menor, que poderia cair para 85,5% -medida
que dificilmente será implantada pois os governadores terão
que arcar com o ônus de um desgaste com outro Poder.
Na saída da reunião, Maurício Corrêa disse
acreditar que os Estados terão um "lucro incomensurável"
com a regulamentação do artigo, já que haveria uma
redução dos salários que superam esse valor.
"Os governadores terão uma forma imediata de aplicar o dispositivo.
Assim, quem ganha mais que o subteto vai deixar de receber a diferença",
afirmou o presidente do STF.
"O Judiciário apresentou uma fórmula que vai ao encontro
dos interesses e das necessidades dos Estados. Não há compromisso
do governo de atender essa fórmula, mas há uma tendência
favorável", afirmou o deputado Vicente Cascione (PTB-SP),
um dos vice-líderes do governo na Câmara.
Apesar do acerto, várias hipóteses ainda eram ventiladas
ontem nas reuniões entre deputados e a liderança do governo
na Câmara, como a volta da unificação dos subtetos
nos Estados, prevista na proposta original. Devido à pressão
do próprio Judiciário, três subtetos salariais foram
estabelecidos, um para cada Poder.
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Colaborou RAYMUNDO COSTA, da Sucursal de Brasília
Base aliada comemora
"recuo" dos magistrados
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
Os deputados da base governista saíram do encontro ontem com o
presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Maurício Corrêa,
comemorando o que consideraram um recuo dos magistrados em relação
às reivindicações na reforma da Previdência.
Segundo os governistas, o ministro, que é o principal porta-voz
do Judiciário na negociação da reforma, propôs
que o fundo de Previdência complementar para a magistratura seja
gerido pelo Estado e que suas características sejam definidas em
projeto de lei a ser elaborado e enviado ao Congresso pelo próprio
STF.
Isso significaria que a magistratura já teria aberto mão
da manutenção, para os futuros servidores, do salário
integral na aposentadoria e da paridade de reajuste entre funcionários
ativos e inativos, já que os fundos só fazem sentido se
não houver garantia do salário integral.
A integralidade e a paridade para os futuros servidores eram importantes
reivindicações dos juízes. As duas situações
foram asseguradas para o atual funcionalismo justamente após pressão
feita pelo Judiciário e pela base aliada ao governo na Câmara.
"O ministro disse que a questão da paridade e da integralidade
já foi resolvida de forma satisfatória", afirmou o
deputado Paulo Bernardo (PT-PR).
A única ressalva que paira sobre o relatório do deputado
José Pimentel (PT-CE) quanto a esse ponto é que sejam detalhados
quais os proventos que serão incluídos na paridade e na
integralidade. Verbas de caráter indenizatório, como auxílio-moradia,
auxílio-alimentação e auxílio-transporte,
ficariam de fora do cálculo dos reajustes.
Segundo os deputados, a questão das pensões -as novas,
pela proposta, sofrerão redução entre 30% e 100%
para a faixa que exceder R$ 1.058- não foi discutida. Entre os
congressistas, duas possibilidades eram debatidas ontem: aumentar a faixa
isenta para R$ 2.400 ou especificar um escalonamento na proposta de forma
que os salários menores sofressem menor redução.
REFORMA SOB PRESSÃO
Magistrados e promotores recuam mesmo sem garantias
de que Planalto aceita elevar subteto nos Estados
Juízes desistem de greve contra reforma
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Pressionados pelos presidentes dos tribunais superiores, contrários
à greve, e diante da iminência de fracasso, os juízes
estaduais e trabalhistas e os membros do Ministério Público
desistiram, ontem, da paralisação que iriam realizar de
5 a 12 de agosto contra a reforma da Previdência.
Eles voltaram atrás sem uma garantia do governo de que aceitará
elevar o subteto salarial nos Estados, mas receberam a sinalização
de que, nos bastidores, já está acertado com os principais
partidos no Congresso que o subteto será elevado mesmo com a posição
contrária do governo.
Pela proposta do governo, os salários da Justiça estadual
ficariam limitados a 75% da remuneração dos ministros do
STF (Supremo Tribunal Federal). O Judiciário defende que esse subteto
seja de 90,25%. O acordo entre os juízes e a base aliada atenderia
a essa reivindicação do Judiciário.
Pesou no recuo um apelo incisivo feito ontem pelo presidente do STF,
ministro Maurício Corrêa, que previu o fechamento dos canais
de negociação política caso houvesse a greve e assumiu
o compromisso de manter as conversas com líderes dos partidos para
mudar a emenda constitucional dessa reforma.
Ontem, o presidente do STF se reuniu com o presidente da Câmara,
João Paulo Cunha (PT-SP), e líderes da base aliada para
fechar um acordo pela elevação do subteto. Segundo a Folha
apurou, na reunião, Corrêa foi informado de que o pedido
do Judiciário seria atendido pelo Congresso.
Corrêa recebeu cerca de 50 magistrados e promotores de Justiça
em seu gabinete. O juiz de direito de Goiás Eduardo Walmory Sanches
disse que o ministro "implorou" pelo recuo, o que teria sido
determinante para que algumas associações desistissem da
greve.
O ministro disse, por meio de sua assessoria, que ficou satisfeito com
a decisão e que tem certeza de que o resultado da votação
na Câmara será positivo para o Judiciário. Para ele,
os deputados não se sentirão mais pressionados.
O Conselho Geral de Representantes da AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros) aprovou ontem à tarde a desistência
da greve. Houve apenas um voto contrário, do presidente da ACM
(Associação Cearense de Magistrados), Michel Pinheiro, que
quer que o governo estenda aos futuros magistrados as garantias de aposentadoria
integral e a paridade de reajuste entre ativos e inativos previstas para
os atuais.
Pesou também na decisão a avaliação de que
o movimento pela preservação de direitos ameaçados
pela reforma os coloca contra a opinião pública. "Temos
perfeita consciência da gravidade desse movimento, que agora suspendemos.
Estávamos sendo levados a um movimento que não queríamos",
disse o presidente da AMB, Claudio Baldino Maciel.
A Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público) reuniu ontem à tarde, em Brasília, 26 entidades
de classe de promotores de Justiça, procuradores do trabalho e
militares e também recuou. A greve dos juízes havia sido
aprovada no último dia 21. Inicialmente, duraria oito dias, mas
uma nova reunião no dia 13 decidiria sobre o seu prosseguimento
ou não. A Conamp havia decidido paralisar no dia 22.
Os presidentes interinos do STJ (Superior Tribunal de Justiça)
e do TST (Tribunal Superior do Trabalho) elogiaram a decisão. "Foi
uma demonstração de equilíbrio, sabedoria e espírito
público", disse Edson Vidigal, do STJ.
"Prevaleceu o bom senso", afirmou Vantuil Abdala, do TST.
REFORMA SOB PRESSÃO
Para presidente, proposta para a Previdência
perderia sentido social com alteração pedida pelo Judiciário
Mudar subteto compromete reforma, diz
Lula
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem,
por meio de seu porta-voz, que uma alteração do subteto
salarial do Judiciário nos Estados -estabelecido no projeto de
reforma previdenciária- seria uma descaracterização
do sentido social da reforma e do equilíbrio futuro da Previdência.
Lula considera ainda que as negociações ocorridas
até a apresentação do relatório foram "positivas"
porque não alteraram os fundamentos do projeto enviado ao Congresso
pelo Executivo.
"O presidente considera que a negociação ocorrida
até aqui [até a apresentação do relatório]
foi positiva pois não afetou os fundamentos da proposta de reforma
da Previdência", disse André Singer, porta-voz da Presidência.
"Mas o presidente considera também que, se houver mudanças
significativas no relatório do deputado José Pimentel, elas
podem descaracterizar o sentido social da reforma da Previdência
e também o equilíbrio futuro da Previdência",
completou.
Segundo o porta-voz, o presidente estava respondendo diretamente a uma
pergunta relativa à intenção das lideranças
congressistas de mudar o subteto para 90,25%. A posição
expressada por Lula vai contra a articulação de sua própria
base no Congresso, que já admitia modificar o subteto proposto
de 75% para 90,25% do salário de ministro do STF (Supremo Tribunal
Federal).
O governo tem feito declarações contrárias ao aumento
do subteto, principalmente por causa da resistências dos governadores
e pelo que ficou combinado, mas a tendência do Planalto é
deixar a questão ser resolvida no Congresso. Isso evitaria o desgaste
de um novo recuo do governo.
Lula marcou um almoço hoje com os líderes na casa do ministro
José Dirceu (Casa Civil) para tratar do assunto. O teto mais elevado
é uma das principais reivindicações do Judiciário
na reforma e acarretaria em um salário máximo de R$ 15.538,00
para os desembargadores nos Estados. No relatório atual, o salário
máximo seria de R$ 12.877,50.
A articulação da base governista chegou a suscitar um recuo
na greve do Judiciário, que estava marcada para 5 de agosto. Sobre
essa suspensão, o presidente repetiu o que disse no dia 21, quando
a categoria estava ameaçando a paralisação.
"O presidente da República continua a confiar, conforme declarou
dez dias atrás, que os juízes tratarão a proposta
de reforma da Previdência dentro dos limites do bom senso e da constitucionalidade",
disse Singer.
Deputados criticam texto
da tributária
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo recebeu ontem sinais de que, tal como está, a reforma
tributária corre o risco de perder o apoio dos governadores e também
o de não ser aprovada pela comissão especial da Câmara
encarregada de analisar o projeto.
A avaliação diz respeito à última versão
do relatório preliminar da reforma apresentado anteontem por Virgílio
Guimarães (PT-MG), com recuos nas principais alterações
ao texto original do governo negociadas com Estados, empresários
e membros da comissão contempladas na versão divulgada na
semana passada.
"Minha opinião é que, do jeito que está, o
relatório dificilmente passa", afirmou o presidente da comissão,
Mussa Demes (PFL-PI), que considera o texto "enxuto demais"
e omisso em relação a temas fundamentais, como a distribuição
das receitas do ICMS e o estímulo à competitividade da produção
nacional.
Os governadores não falam abertamente, por ainda aguardar sinais
do Planalto sobre o atendimento a suas reivindicações. Mas,
segundo a Folha apurou, consideram que nada têm a ganhar com o atual
formato do projeto, que não contempla a divisão da receita
das contribuições federais e as regras do fundo destinado
a cobrir perdas com o fim do ICMS sobre as exportações.
Por esse raciocínio, a reforma beneficia diretamente o governo
federal, ao tornar permanente a CPMF e a prorrogar a DRU ( mecanismo que
permite o uso livre de 20% das receitas). Para os Estados, o projeto tira
o poder de legislar sobre o ICMS e conceder incentivos fiscais.
Na comissão, o texto foi alvo de uma chuva de ataques de oposicionistas
e governistas, para quem a equipe econômica bloqueia alterações
fundamentais com medo de perder arrecadação. O impasse levou
o governo a privilegiar os esforços para aprovar a reforma da Previdência,
deixando para depois a definição da tributária. (GUSTAVO
PATÚ)

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