segunda-feira, 04 de agosto de 2003

Folha de S.Paulo

REFORMA SOB PRESSÃO

Organização do movimento, que conta agora com o apoio da CUT, espera reunir 30 mil pessoas 4ª-feira
Servidores fazem ato contra Previdência

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em mais um protesto contra a reforma da Previdência, sindicatos de servidores públicos pretendem reunir nesta quarta-feira, na Esplanada dos Ministérios, mais de 30 mil pessoas de vários Estados, além do Distrito Federal. A marcha nacional contará com o apoio político -e, provavelmente, financeiro- da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

O movimento pode ser esvaziado pela estratégia do Palácio do Planalto de tentar antecipar para amanhã a votação da Previdência. "Estaremos presentes à marcha, e a orientação nos Estados é para garantir apoio ao movimento. Quanto à questão logística e financeira, ainda estamos construindo a viabilidade disso com as entidades", afirmou ontem o presidente da CUT, Luiz Marinho.

Alinhada com as posições do Planalto, a CUT inicialmente se opôs à greve do funcionalismo. Desde julho, no entanto, a entidade vem declarando solidariedade ao movimento. As reivindicações da central na reforma da Previdência -como a elevação do teto do INSS para R$ 4.800- não foram atendidas pelo governo.

A Cnesf (Coordenação Nacional das Entidades de Servidores Federais), que comanda a marcha contra a reforma, reúne 11 entidades sindicais do funcionalismo e cerca de 800 mil servidores.

"Queremos reunir mais gente que na marcha passada. Com o acirramento dos conflitos com o governo, pode ser que cheguemos a 50 mil", declarou um dos coordenadores da manifestação, José Domingues.

Na sexta-feira passada, servidores públicos invadiram a sede do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em Brasília. O governo acionou um grupo especializado da Polícia Federal para atuar na invasão, e bombas de efeito moral foram detonadas. A senadora Heloísa Helena (PT-PB) foi retirada à força do local.

"Criminalização"
O sindicalista Sandro Alex de Oliveira, também organizador da marcha, estava participando da invasão e afirma que o governo está "criminalizando" os atos dos movimentos sociais.

"Vemos isso com muita preocupação [a atitude do governo]", declarou, lembrando que a tropa de choque da Polícia Militar foi chamada para conter servidores durante a votação da Previdência na comissão especial na Câmara.

Oliveira informou que os integrantes da marcha devem começar a chegar a Brasília amanhã. A marcha deve acontecer às 9h de quarta-feira, com concentração dos manifestantes. Ao meio dia, haverá um protesto em frente ao Ministério da Previdência. Às 15h, os manifestantes se posicionarão em frente ao Congresso.

Em junho, os servidores públicos realizaram a primeira marcha contra a reforma da Previdência na Esplanada dos Ministérios, reunindo de 25 mil a 30 mil pessoas, segundo a PM.

À época, os organizadores contabilizaram de 30 mil a 40 mil manifestantes. Aquela foi a primeira manifestação de grande porte do funcionalismo no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

IBGE
A AssIBGE (sindicato nacional dos servidores do IBGE - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) afirma que nesta semana poderá decidir pela paralisação da coleta de dados para cálculos do IPCA e INPC (índices de inflação).

"Não queremos partir para o extremo, mas se o governo não revir sua posição, podemos decidir pela suspensão dos trabalhos", disse Paulo Dill, integrante da executiva nacional da AssIBGE.

Tributária separa Dirceu e Palocci
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) sondou líderes do Congresso sobre a possibilidade de aprovar, por meio de projetos diferentes da reforma tributária, a prorrogação da CPMF (imposto do cheque) e da DRU (Desvinculação de Receitas da União).

O ministro foi desaconselhado a tentar essa aprovação, sob o argumento de que isso desmoralizaria a proposta tributária. A reforma tem colocado em rota de colisão o ministro da Previdência e o da Casa Civil, José Dirceu.

Palocci ficou aborrecido com Dirceu por ele ter "vazado" que seu interesse na reforma tributária é mesmo aprovar a CPMF e a DRU. A CPMF é vital para o governo manter o mesmo nível de receita atual em 2004.

O ministro da Fazenda culpa seu colega da Casa Civil pelos recuos do governo na reforma da Previdência. Acha que o governo cedeu cedo demais e não quer repetir o mesmo erro na negociação com os Estados e o Congresso para votar a tributária.

Convencido a não apresentar projetos separados para prorrogar a CPMF e a DRU, Palocci e os líderes governistas tentarão que a Câmara e o Senado votem o mesmo texto. Isso permitiria que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgasse essa parte da reforma tributária.

Aprovada em dois turnos na Câmara, a tributária será encaminhada ao Senado. A expectativa é que os senadores realizem grandes alterações no projeto, que então seria remetido de volta à Câmara. No entanto, o que não for mudado pelo Senado já poderá ser promulgado pelo presidente da República.

A CPMF e a DRU são vitais às contas do governo. A partir de janeiro do próximo ano, a alíquota do imposto do cheque cai para 0,08%. O governo quer mantê-la em 0,38%.

O Executivo tem permissão para desvincular parte de suas receitas e gastar mais livremente também só até o final do ano, daí a necessidade de prorrogar a DRU.

Para poder cobrar 0,38% de CPMF, o governo federal precisa aprová-la 90 dias antes do fim deste ano, ou seja, no início de outubro. É pouco provável, porém, que isso ocorra.

Dirceu bem que tentou apressar a tramitação na Câmara, mas Palocci não está com pressa e os líderes alegam estar empenhados em primeiro aprovar a reforma da Previdência.

Apesar de o relator da reforma tributária, deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), assegurar que vai apresentar seu parecer na próxima quinta-feira, o mais provável é que isso ocorra somente na quinta da próxima semana.

Os deputados querem antes, além de resolver a reforma previdenciária, conhecer os termos do acordo que deve ser firmado entre Lula e os governadores de Estado, em reunião prevista para esta sexta-feira.

Na próxima semana, os governadores que representam as cinco regiões do país pretendem fazer uma visita oficial aos presidentes da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP). É o início do lobby para tentar obter, no Congresso Nacional, o que o governo Lula eventualmente negar na negociação prévia à votação.