quinta-feira, 07 de agosto de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA SOB PRESSÃO
Planalto aceita elevar subteto do Judiciário
para 90%
Lula faz mais concessões para
aprovar destaques da reforma
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Temendo ser derrotado na proposta de contribuição previdenciária
dos servidores inativos, o governo autorizou sua base aliada a negociar
novas concessões com a oposição e até com
governistas para tentar chegar a um acordo para encerrar a votação
em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara.
Apesar de aceitar, dentro das novas concessões, elevar o subteto
salarial do Judiciário nos Estados, diminuir a redução
para as novas pensões e aumentar a faixa isenta de tributação
para o funcionalismo federal, entre outras, o governo esbarrou na resistência
do PFL, que não aceitou o acordo e manteve o destaque de votação
que quer acabar com a cobrança dos inativos. Com isso, os governistas
tentavam votar, até as 23h15 de ontem, as emendas menos polêmicas.
A dos inativos e a a do subteto salarial dos juízes devem ficar
para a semana que vem.
A atitude do PFL tem como objetivo obrigar o governo a novamente pôr
em teste a sua base e a bancar a aprovação de uma proposta
impopular entre o funcionalismo, que é base eleitoral do PT. "A
base do governo tem que ajustar as contas com os eleitores, já
que disseram durante toda a campanha que a reforma não era necessária",
afirmou o deputado José Carlos Aleluia (BA), líder da bancada
pefelista.
A ala do partido liderada pelo senador Antonio Carlos Magalhães
(BA) ainda tentou forçar o partido a fechar com o governo, mas
acabou sendo derrotada.
A tentativa de acordo começou na reunião entre os líderes
do governo e o ministro José Dirceu (Casa Civil). "Se o governo
perder o principal da reforma [inativos], amanhã teremos um novo
governo", afirmou Dirceu aos líderes. A frase foi confirmada
por vários presentes e teria sido direcionada a aliados que ameaçam
se rebelar.
Em suma, o governo autorizava a base a negociar quatro modificações
no relatório, em troca da garantia dos líderes de que trabalhariam
pela tributação.
A primeira concessão seria aumentar o subteto salarial da Justiça
estadual de 85,5% para 90,25% do salário de um ministro do STF,
o que atende à pressão dos magistrados e de vários
partidos da base, como o PL, o PTB, o PP e o PMDB. A segunda mudança
era aumentar de R$ 1.200 para R$ 1.400 a faixa de isenção
para cobrança dos inativos.
Além disso, os procuradores estaduais seriam enquadrados no subteto
da Justiça estadual (hoje, estão vinculados ao subteto do
Executivo). Por fim, seria diminuído, para o funcionalismo que
esteja prestes a reunir as condições de se aposentar, o
redutor anual para aposentadoria antes da idade -de 5% para 3,5%.
O temor de derrota na votação dos destaques aumentou após
a votação do texto principal. Ele foi aprovado por 358 votos
a 126, 50 a mais que o necessário. A análise da votação
mostrou que se a oposição não tivesse ajudado a proposta
teria sido rejeitada.
PFL e PSDB deram 62 votos para a aprovação, já 8
dos 10 partidos da base deram 56 votos contrários, além
das oito abstenções do PT. "A frase [de Dirceu] é
uma mensagem aos partidos que gostam do governo na hora de discutir espaço,
mas não na hora de defender os interesses do país",
disse Beto Albuquerque (PSB-RS), um dos vice-líderes do governo.
Toda a articulação se deve ao fato de que, mesmo tendo
sido aprovado na madrugada de ontem, o texto principal começaria
durante a noite a passar pela votação dos chamados destaques
(tentativas de alteração de ponto do texto) e das emendas
aglutinativas (modificações globais).
A avaliação do Planalto era a de que o governo deveria
perder na votação do destaque relativo ao aumento do subteto.
O problema é que corria o risco de perder também na contribuição
dos inativos e nas regras de transição. "Havia o risco
de perder em relação aos inativos, mas o governo não
quer abrir mão disso. Ele tem, então, o trunfo de fazer
essas concessões. Não vamos correr o risco de perder se
temos a possibilidade de negociar", disse Vicente Cascione (PTB-RJ),
vice-líder do governo.
Anteontem o governo já havia cedido em sete pontos do relatório
como forma de assegurar sua aprovação. (RANIER BRAGON, RAYMUNDO
COSTA, FERNANDA KRAKOVICS E JULIA DUAILIBI)
REFORMA SOB PRESSÃO
Com mudanças, em vez de economizar R$ 1,19 bi
na Previdência em 2004, governo só reduzirá R$ 1,13
bi
Acordo tira R$ 60 mi por ano de reforma
JULIANNA SOFIA
SUCURSAL DE BRASÍLIA
O acordo negociado pelo governo para aprovar a emenda da reforma da Previdência
na Câmara causará uma perda de R$ 60 milhões por ano
na economia prevista anteriormente com a reforma. Segundo o Ministério
da Previdência, em vez de economizar R$ 1,190 bilhão no próximo
ano, o governo reduzirá seus gastos em R$ 1,130 bilhão -redução
de 5%.
Os números preliminares divulgados pelo ministério, no
entanto, não levam em conta o impacto negativo que terá
a concessão feita pelo governo de elevar o limite de isenção
para futuras pensões. Os números também não
contemplam novas mudanças que ontem o governo pretendia fazer.
O texto aprovado na comissão especial da reforma previa que, até
R$ 1.058, as pensões seriam pagas integralmente. Acima desse valor,
haveria desconto mínimo de 30%. No acordo costurado anteontem,
porém, o limite de isenção foi elevado para R$ 2.400,
e o desconto ficou em 50%.
O ex-ministro da Previdência José Cechin calcula que essa
alteração provocará uma queda na economia que o governo
poderia obter de R$ 200 milhões por ano: "Esse valor será
alcançado daqui a 15 anos. A perda no primeiro ano é pequena,
mas vai crescendo".
A Previdência informa que o valor preliminar de R$ 60 milhões
considera basicamente a perda gerada pela elevação do limite
de isenção da contribuição previdenciária
dos inativos, não incluindo a mudança nas pensões.
O relatório aprovado na comissão estabelecia que os atuais
aposentados estariam livres da contribuição previdenciária
até R$ 1.058. Acima desse valor, o desconto seria de 11% sobre
a parcela excedente. O acordo alterou as regras, e a faixa de isenção
foi elevada para R$ 1.200. Novas alterações ainda podem
ser feitas.
Segundo o ministério, a economia gerada com a mudança das
das pensões não foi alterada pois o ministério já
avaliava que a mudança iria acontecer. Isso porque a proposta aprovada
pela Câmara anteontem era igual à negociada entre governo
federal e Estados antes da votação. Antes da aprovação
na comissão especial, a Previdência estimava que a economia
com a reforma em 20 anos seria de R$ 50,7 bilhões.
Reforma deve durar só
11 anos, afirma Aécio
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE
O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), afirmou que
a reforma da Previdência não foi a que os governadores gostariam
e que, em vez de durar de 20 a 30 anos, durará 11 anos. Ainda assim
vê avanços no texto, sendo isso o mais importante.
Mas o principal recado que Aécio quis transmitir foi que o comportamento
dos governadores será diferente na outra reforma, a tributária.
Eles terão uma ação política muito mais contundente
no Congresso, defendendo com afinco os interesses dos Estados.
Na sexta, antes da reunião com Lula, os governadores representantes
das cinco regiões do país irão ao Congresso para
se reunir com os presidentes do Senado e da Câmara, respectivamente
José Sarney (PMDB-AP) e João Paulo Cunha (PT-SP), além
dos líderes dos partidos, anunciou Aécio.
"Vamos dizer aos presidentes da Câmara e do Senado que essas
matérias [da tributária] serão discutidas por nós
permanentemente dentro do Congresso, à luz da realidade, hoje,
dos Estados, dos municípios e da Federação."
Mesmo afirmando que queria se "resguardar" para a reforma tributária,
Aécio comentou a votação da madrugada de ontem do
texto da reforma previdenciária, sem, no entanto, falar dos destaques
que ainda serão votados.
"O texto ainda traz benefícios, talvez não na profundidade
que nós gostaríamos e pela qual trabalhamos, mas a reforma
não foi de forma alguma ferida de morte."
"Se não foi possível fazer uma reforma por 20 ou 30
anos, fizemos uma reforma que durará 11 anos. Daqui a 11 anos,
outros terão que fazer uma nova reforma".
O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), criticou ontem
a manutenção, na reforma previdenciária, de três
subtetos para o funcionalismo nos Estados, dizendo que "vai aumentar
a distorção entre os três Poderes". Rigotto disse
acreditar que tais distorções poderão levar a ações
na Justiça pedindo a inconstitucionalidade de alguns pontos do
projeto.
Para ele, a adoção de subtetos diferenciados é "o
erro mais grave" da reforma previdenciária aprovada em primeiro
turno pela Câmara. (PAULO PEIXOTO)
--------------------------------------------------------------------------------
Colaborou LÉO GERCHMANN, da Agência Folha, em Porto Alegre
Ato leva artistas e
radicais do PT para Esplanada
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Antes da confusão, o clima era de festa. Apesar da quebra de vidros
na porta principal do Congresso, os manifestantes cruzaram a Esplanada
dos Ministérios cantando, recitando poesias e ouvindo discursos
de petistas da ala radical.
Encabeçando a marcha, havia um grupo de artistas, auto-intitulados
"operários da arte", que tocava zabumba, andava em pernas
de pau e fazia malabarismos.
Após 32 horas de viagem de ônibus, o cearense Francisco
Hamilton do Nascimento, 22, tatuador, tirou a roupa para os fotógrafos.
"Estão tirando dinheiro dos aposentados para dar para os banqueiros",
disse.
Também chegaram de longe os servidores de Rondônia. Ao sair
de Porto Velho, no domingo, ainda não havia sequer expectativa
de votação do texto da reforma da Previdência.
"Isso não desanima. Não temos pressa. Lutamos 20 anos
para eleger Lula. Com a nossa luta pela reforma também é
assim", disse Mario Lucio Gomes, 49, servidor do Incra.
Representando os serventuários de Justiça de São
Paulo, o vice-presidente do Corinthians Clodomil Orsi, 66, aposentado
há 15 anos, chamava os repórteres para dar entrevista.
"Fomos violentados e estuprados na nossa dignidade", afirmou
Orsi.
Capítulo à parte, as faixas levadas pelos manifestantes
mostravam que o grupo era contra o capitalismo, a globalização,
a Alca, o FMI, a reforma da Previdência e o presidente Lula.
Em uma delas, uma ilustração mostrava o secretário
de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho,
com a mão na testa de Lula. Sob o título "Exorcizando
FHC", vinha a frase: "Sai desse corpo que não te pertence".
Ovacionada pelos manifestantes, a senadora Heloísa Helena (PT-AL)
fez discurso. Ela afirmou que vai votar contra a reforma para não
trair sua "consciência". "Não peçam
que eu deixe a minha digital nessa história suja", afirmou.
"Conheço muito bem como as coisas funcionam no Congresso.
De um lado é um balcão de negócios sujo e do outro
tem o crivo da população nas ruas", disse.
Segundo a PM, os carros de som serão multados por terem estacionado
ali.
(ID)
ANÁLISE
Texto aprovado avança mais que
a proposta original
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O texto aprovado até o momento da reforma da Previdência
é mais avançado em alguns aspectos do que a proposta inicial
apresentada pelo presidente Lula ao Congresso em 30 de abril, sobretudo
no que diz respeito a novos servidores que serão admitidos pós-promulgação
da emenda constitucional.
No campo dos recuos, ainda está para ser definido se os juízes
estaduais de fato conseguirão aumentar o seu limite salarial de
85,05% para 90,25% do maior salário do STF (Supremo Tribunal Federal).
Mesmo que prevaleçam os 90,25%, o Planalto não avalia que
a perda será grande. O entendimento é que esse percentual
mais alto pacifica os magistrados e garante que o STF não derrubará
a medida mais adiante.
Outra medida que pode ser considerada um recuo é o aumento do
limite de isenção dos inativos. No início, o governo
queria cobrar contribuição previdenciária de servidores
aposentados que ganhassem acima de R$ 1.058. O valor passou a ser de R$
1.200 -é um gesto político de impacto pequeno nas contas
federais.
O ponto em que o governo mais avançou foi sobre as aposentadorias
de futuros funcionários públicos, que prestarão concurso
depois de promulgada o novo texto constitucional para a Previdência.
Pela proposta inicial -e também na votada na comissão especial-
ficava em aberto como seria o sistema de fundos de pensão complementar
para esses novos servidores.
Agora, pelo que foi aprovado na madrugada de anteontem para ontem, fica
estabelecido que esses fundos de pensão terão de ser pelo
modelo de "contribuição definida". Eis como ficou
o texto do parágrafo 15 do artigo 40:
"O regime de previdência complementar (...) será instituído
por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo (...) por intermédio
de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública,
que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios
somente na modalidade de contribuição definida".
Se mantido assim até a promulgação, esse trecho
da Constituição impedirá, na prática, que
novos funcionários públicos tenham aposentadoria integral.
Para que isso ocorra, bastará o governo aprovar uma lei ordinária,
ou baixar uma medida provisória, criando um ou mais fundos de pensão
complementar. O mesmo poderá se dar nas cidades, nos Estados e
no Distrito Federal.
Nesse caso, desde um simples escriturário da Funai até
um juiz federal, todos terão garantida a integralidade só
até R$ 2.400. Esse valor estará afiançado da mesma
forma que ocorre para os trabalhadores da iniciativa privada. Valores
acima disso serão parcialmente cobertos pelo fundo de pensão
complementar.
No sistema de "contribuição definida", fixa-se
um valor de pagamento mensal. Por lei, o governo contribuirá no
sistema de "1 para 1": para cada real colocado pelo funcionário,
a União aportará o mesmo valor. Quando chegar o momento
da aposentadoria, calcula-se quanto é possível pagar de
salário mensal vitalício ao servidor -com base no saldo
e no rendimento dos depósitos feitos ao longo do tempo.
O PT (e outros partidos de esquerda hoje no governo, como PC do B e PSB)
defendia no passado um sistema de "benefício definido":
o funcionário é admitido e já fica sabendo qual será
o valor da sua aposentadoria 35 anos depois.
O texto aprovado até o momento é um avanço em relação
ao projeto de lei complementar número 9, o PL-9, apresentado pelo
governo FHC. Nesse projeto, ficavam de fora os juízes, a quem era
dado o direito de enviar um projeto de lei diferenciado para criação
de um fundo próprio.
Agora, se não houver alterações na emenda da Previdência,
o Executivo tem força para criar os fundos de todos os Poderes.

|