terça-feira, 12 de agosto de
2003
Folha de S.Paulo
REFORMA SOB PRESSÃO
Planalto tentará aprovar previdenciária
sem alterações
Governo lança operação
para apressar reforma no Senado
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
O governo planeja montar um rolo compressor no Senado a fim de manter
sem alterações o texto da reforma da Previdência a
ser aprovado na Câmara e assegurar, na tributária, pelo menos
a aprovação da CPMF e da DRU (Desvinculação
de Receitas da União) até o final de setembro.
Pela estratégia montada, o restante da reforma da Previdência
será votado ainda nesta semana na Câmara, hoje ou amanhã.
O segundo turno, logo que o prazo legal de tramitação permitir,
será, de preferência, antes do dia 20. Enquanto isso, vota-se
o relatório da tributária na Câmara com o mínimo
de concessões possível.
No Senado, o governo jogará todo o peso de sua influência
para que o texto da reforma da Previdência não seja alterado
e, assim, não volte para novas votações na Câmara
dos Deputados, o que poderia atrasar todo o processo.
Na questão da tributária, a aprovação até
o final de setembro da CMF (Contribuição sobre Movimentação
Financeira), que substituiria a atual CPMF -o P da sigla é de provisório-,
é vital para que ela possa ser cobrada a partir de 1º de janeiro,
após cumprir a noventena exigida para a cobrança de contribuições.
Pelas regras atuais, a alíquota da atual CPMF cai de 0,38% para
0,08% no dia 31 de dezembro. O governo quer mantê-la em 0,38% e
tornar a contribuição permanente. O recurso à DRU
não requer noventena, mas o governo quer assegurar logo sua aprovação
para melhor planejar o Orçamento de 2004.
A estratégia foi traçada em reunião do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva com ministros e líderes governistas
ontem, no Planalto, após avaliação do desempenho
do governo e de sua base de sustentação política
na votação em primeiro turno da reforma da Previdência
na Câmara.
No caso da reforma tributária, a estratégia é diferente:
tenta-se aprovar o texto básico na Câmara. No Senado, todo
o esforço governista será para destacar e votar até
o dia 31 de setembro a CPMF e a DRU, nos termos em que o projeto sair
da Câmara.
Simultaneamente, o governo edita medida provisória repartindo
a Cide, um tributo cobrado sobre o preço dos combustíveis,
com os Estados, como foi acertado com os governadores. Talvez inclua os
municípios na partilha.
O governo concluiu que não houve unidade na condução
das negociações e que se comunicou mal durante o processo.
Por isso, mesmo tendo aprovado a proposta, sofreu um desgaste desnecessário
que quer agora evitar, a partir da votação em segundo turno
da previdenciária na Câmara.
Exemplo: a exigência para que os novos fundos de Previdência
complementar sejam por "contribuição definida"
teria sido uma vitória do governo que compensaria todas as concessões.
Segundo relato de um dos presentes à reunião, o entendimento
de todos foi o de que o texto atual ficou melhor do que o enviado pelo
Executivo em 30 de abril.
Para começar, a palavra de ordem é unificar o discurso
governamental. Concessões, só no limite. De imediato, o
projeto do Planalto é tentar recompor o núcleo da base de
sustentação política, especialmente em partidos que
se rebelaram, como PC do B e PDT, e "aparar arestas" em aliados
como o PMDB, que contribuiu com 45 votos de seus 67 deputados.
Participaram da conversa com Lula os ministros Antonio Palocci Filho
(Fazenda), José Dirceu (Casa Civil), Luiz Dulci (Secretaria Geral)
e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo), além dos
líderes no Congresso.
O problema para o governo é que três medidas provisórias
trancam a pauta da Câmara. Segundo Aldo Rebelo (PC do B-SP), líder
do governo na Casa, já há um bom entendimento para que elas
sejam votadas na manhã de hoje, por meio de acordo. Se isso acontecer,
as pendências da reforma irão a voto hoje à noite.
Senadores criticam texto
votado pela Câmara e propõem mudanças
RAQUEL ULHÔA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Contrariando a expectativa do governo e do presidente do Senado, José
Sarney (PMDB-AP), de que a reforma da Previdência será facilmente
aprovada na Casa, senadores de vários partidos, inclusive do PT,
criticaram o texto que deverá sair da Câmara dos Deputados
e defenderam mudanças.
Para o vice-presidente do Senado, Paulo Paim (PT-RS), a reforma aprovada
em primeiro turno na Câmara não reflete a opinião
dos 81 senadores, que devem divergir sobre questões como tributação
dos inativos e regras de transição. Segundo ele, o Senado
"não pode apenas carimbar textos aprovados pela Câmara".
Líder da minoria no Senado (PFL e PSDB), Efraim Morais (PFL-PB)
anunciou em plenário que vai apresentar emenda contra a tributação
dos inativos e disse ser "questão de honra" para o seu
partido derrubar esse item na Casa, com votos de todas as legendas e da
maioria dos pefelistas.
Na Câmara, a bancada do PFL ficou dividida em relação
à proposta. Dos 69 deputados pefelistas, 31 apoiaram a tributação
dos inativos. "Aqui no Senado será diferente, porque os senadores
são mais experientes e maduros", disse Morais. "Vamos
modificar o texto, independentemente da pressão do governo",
afirmou. O PFL tem 18 senadores.
O PSDB, partido da oposição que ajudou o governo a aprovar
a reforma na Câmara, estará dividido. O líder da bancada,
Arthur Virgílio (AM), votará a favor, mas foi informado
pelos tucanos Antero Paes de Barros (MT) e Leonel Pavan (SC) de que votarão
contra a cobrança dos inativos. Não haverá fechamento
de questão na bancada, que tem dez senadores.
O líder do PDT, Jefferson Péres (AM), disse que seu partido
(cinco senadores) votará contra a cobrança dos aposentados.
Para ele, a tramitação da reforma no Senado não será
tão tranquila quanto espera o governo: "Espero que o ânimo
do Senado não seja aprovar a proposta porque a Câmara aprovou.
Isso é deixar o Senado numa posição subalterna",
disse.
Em discurso no plenário, o peemedebista Mão Santa (PI)
chamou a proposta aprovada pela Câmara de "farsa" e conclamou
o PMDB a votar contra pelo menos a taxação dos inativos.
"É na velhice que a gente gasta mais com remédios",
disse, citando várias doenças que costumam surgir na idade
avançada. "E as viuvinhas? Vão ficar sem pensão?
Sei lá se a Adalgizinha [sua mulher] vai ser pensionista e eu vou
abrir mão antes?", perguntou.
Corrêa volta a
defender direito de Judiciário criar regras para fundo
DA SUCURSAL DO RIO
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Maurício Corrêa,
voltou a defender ontem no Rio de Janeiro que o Judiciário possa
estipular as regras do fundo de pensão que, segundo a reforma da
Previdência, será criado para complementar a aposentadoria
de seus futuros integrantes.
"Ninguém está pedindo que se faça um favor.
Está na Constituição. O Judiciário é
um poder da República. É preciso parar com a idéia
de tratar o Poder Judiciário como se fosse um departamento."
Corrêa afirmou ter ficado satisfeito com a aprovação
no Congresso do subteto de 90,25% da remuneração dos ministros
do STF para os desembargadores estaduais, no lugar dos 75% que constavam
da proposta original.
Mas o presidente do STF disse estar preocupado com a situação
dos futuros juízes. Estes terão direito a uma aposentadoria
máxima de R$ 2.400, igual à do INSS, que poderá ser
complementada caso contribuam para o fundo de pensão da categoria,
a ser criado por lei complementar.
De acordo com o projeto de reforma aprovado em primeiro turno na Câmara,
caberá ao Executivo apresentar o projeto de lei para a instituição
dos fundos, que funcionarão segundo o sistema de contribuição
definida (o beneficiário terá estipulado o valor da contribuição,
mas não o do benefício). Líderes do Judiciário
têm defendido o sistema de benefício definido -que, na prática,
manteria a integralidade do salário após a aposentadoria.
Corrêa esteve ontem na abertura do 13º Congresso Mundial de
Criminologia, que acontece até sexta, no Rio. Cerca de 2.000 juízes,
procuradores, delegados e estudiosos da América do Norte, da Europa
e da América Latina participam do evento.
O ministro fez a palestra inicial. No discurso, chamou o sistema penal
brasileiro de "arcaico". "Chegamos ao século 21
sem que nenhum país tenha o sistema prisional ideal", declarou.
Mesmo reconhecendo ser uma questão polêmica, Corrêa
disse defender "em parte" a privatização do sistema
prisional. Anteontem, na solenidade de abertura do Congresso, o ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse ser contra a proposta.
Sobre o aumento da violência, Corrêa defendeu a reformulação
do Código de Processo Penal, "para impedir os recursos procrastinatórios".
Disse ainda que está em discussão no STF uma medida para
tornar o anti-semitismo "um crime inafiançável e imprescritível".
(FABIANA CIMIERI)
REFORMA SOB PRESSÃO
Relator elogia proposta, rejeitada pelo líder
do governo
Base de Lula se divide sobre partilha
da CPMF com Estados
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDA KRAKOVICS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
O governo marcou para esta quinta-feira a apresentação
do relatório final da reforma tributária, mas declarações
desencontradas ao longo do dia de ontem indicaram que sua base e os líderes
no Congresso ainda não definiram o texto a ser votado nem o discurso
para defendê-lo.
Em reserva, governistas admitiram que falta uma orientação
mais clara do Planalto sobre o formato final do projeto -sabe-se que haverá
alterações no texto original, mas não quais e por
quê.
Em público, a confusão mais evidente foi em relação
à demanda dos governadores pela partilha da CPMF, ou CMF, a contribuição
permanente incidente sobre os débitos em conta corrente instituída
pela reforma.
O líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP),
foi enfático ao rejeitar a proposta. "O governo não
considera em nenhuma hipótese a partilha da CPMF." Já
o relator da comissão especial da Câmara que analisa o projeto,
Virgílio Guimarães (PT-MG), fez elogios à alternativa
sugerida na última sexta pelos governadores -repassar aos Estados
a arrecadação futura do tributo que superar os R$ 24 bilhões
previstos para este ano.
"É uma proposta patriótica, porque concilia a repartição
de receitas e o equilíbrio fiscal."
Informado de que o governo havia rejeitado a divisão da CPMF,
afirmou: "Sou a favor da partilha e do equilíbrio fiscal.
Se não der para compatibilizar as duas, fico com o equilíbrio
fiscal".
O relator tratou a data de apresentação do texto final
com muito menos convicção que o líder do governo.
"Gostaria que fosse na quinta, mas não quero ficar falando
em datas."
A conclusão dos trabalhos da comissão vem sendo sucessivamente
adiada nas últimas semanas, por motivos que unem a falta de um
consenso em torno do projeto e a necessidade de priorizar a reforma da
Previdência.
Não por acaso, os governistas preferem não se aventurar
a dizer como ficará a versão definitiva do relatório
de Guimarães, que ontem falou em alterar pontos centrais do projeto
original enviado ao Congresso pelo Planalto.
Exemplos: mudar gradualmente a repartição das receitas
do ICMS, de forma a privilegiar os Estados onde os produtos são
consumidos; alterar a tributação do petróleo e da
energia elétrica, beneficiando, também com prazo de transição,
os Estados produtores; e adiar o fim dos benefícios para a atração
de empresas.
Todas essas propostas, que dividem governadores das diversas regiões,
constavam do primeiro relatório preliminar divulgado por Guimarães.
Na segunda versão, foram todas retiradas, o que tornou o texto
mais condizente com o espírito do projeto original -evitar polêmicas
que atrasem a tramitação do projeto.
Reforma é "meia-sola"
e aumentará carga tributária, afirma Bornhausen
DIMITRI DO VALLE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA
O líder do PFL na Câmara, deputado José Carlos Aleluia
(BA), disse que governadores e prefeitos "vão se transformar
em pedintes" se o governo conseguir aprovar o projeto de reforma
tributária sem alterações. A proposta, segundo ele,
daria ao governo federal a chance de centralizar o controle sobre as alíquotas
dos impostos estaduais.
"O governo quer tirar o poder dos Estados de tributar", afirmou
Aleluia, que participou ontem de uma reunião nacional do partido,
em Curitiba (PR), para preparar a legenda às eleições
municipais do próximo ano.
O presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), classificou
a proposta de reforma tributária de "meia-sola".
"Ela [proposta] só vai aumentar a carga tributária",
afirmou, durante entrevista. Bornhausen deu um exemplo citando a CPMF
(Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira).
Ele acredita que a alíquota não será reduzida, a
partir do ano que vem, de 0,38% para 0,08%, conforme aprovado pelo Congresso
no final de 2002. Segundo o senador, o próprio texto da reforma
indica essa tendência.
"Ao apresentar na reforma tributária a CPMF como CMF [Contribuição
sobre Movimentação Financeira], fixando a alíquota-teto
em 0,38%, o governo dá uma demonstração inequívoca
de que irá manter o 0,38%", afirmou Bornhausen.
Para Aleluia, a aprovação da reforma tributária
que o governo deseja deve elevar a carga tributária de 38% para
41% do PIB (Produto Interno Bruto -indicador que mede tudo o que é
produzido no país).
ICMS
Pelo projeto de reforma tributária, o governo propõe também
a fixação de cinco alíquotas para o ICMS (Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Hoje,
a responsabilidade de definir o percentual cabe aos Estados. Mas, pela
proposta, essa tarefa passaria ao Confaz (Conselho de Política
Fazendária), formado pelos secretários estaduais da Fazenda.
Bornhausen defende que o foro adequado para definir as alíquotas
seja o Senado.
"No Confaz, um secretário da Fazenda vai dizer que o óleo
diesel em seu Estado é tributado em 12%. Chega outro secretário
e revela que o produto tem alíquota de 17%. É claro que
diante dessas diferenças tudo será nivelado por cima e o
contribuinte será penalizado. Por isso, acho que o Senado tem condições
melhores de definir as alíquotas que serão aplicadas",
afirmou.
O senador disse ainda que o PFL está defendendo que a CMF seja
abatida no Imposto de Renda.
"A cada final de ano, os bancos forneceriam para cada correntista
a quantia de CMF descontada, e os valores poderiam ser abatidos na declaração
do IR", declarou o senador.
Bornhausen afirmou que a proposta penaliza automaticamente aqueles não
pagam imposto de renda e poderia ser mais um instrumento para que a Receita
Federal cruze dados a fim de buscar sonegadores.

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