quarta-feira, 13 de agosto de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA SOB PRESSÃO
Governo resiste a dividir CPMF com Estados e municípios
Sem consenso, relator volta a adiar
proposta tributária
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ainda sem uma estratégia para a reforma tributária, o governo
decidiu adiar mais uma vez a apresentação do relatório
do deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), que ontem acenou
com uma série de concessões à comissão especial
da Câmara encarregada de analisar o projeto.
Nos bastidores, a discussão mais relevante é como obter
do Congresso a prorrogação da CPMF, indispensável
para as contas do governo, sem ceder -ou cedendo o mínimo possível-
parte da receita do tributo aos Estados e municípios.
O primeiro passo é chegar a um acordo mínimo na comissão
da reforma para que o projeto avance, mas nem sobre isso os governistas
se entendem. Guimarães propôs que a entrega de seu relatório
final -que, anteontem, a liderança do governo anunciou para amanhã-
aconteça na próxima segunda-feira.
Numa sessão que se estendeu por toda a tarde, o relator antecipou
várias das alterações a serem feitas no projeto original
do governo, contemplando a maior parte das demandas da comissão,
o que lhe rendeu elogios de quase todos os deputados.
"Isso aqui é uma catarse coletiva", ironizou o deputado
Paulo Bernardo (PT-PR), um dos mais próximos ao Planalto e, como
o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda), defensor de uma reforma centrada
em poucos pontos consensuais.
Pela manhã, Bernardo, Guimarães e outros deputados petistas
haviam se reunido com Palocci para debater o projeto e encontrar um discurso
único em sua defesa. O entendimento mais palpável foi em
torno da CPMF: todos repetiram que o governo não aceita a divisão
da receita do tributo, como querem os Estados.
Na comissão, um dos principais porta-vozes dos governadores, o
deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), atacou o discurso
oficial. "É uma ilusão o governo achar que vai aprovar
a CMF [substituta da CPMF em caráter permanente, segundo a reforma]
sem repartir os recursos".
Lobbies
No restante do projeto, o relator se mostrou inclinado a acatar as reivindicações
dos principais lobbies atuantes na comissão, dos quais vários
alteram pontos centrais do texto, como o prazo de até dez anos
para o fim dos benefícios fiscais para a atração
de empresas -o fim da guerra fiscal é uma das principais bandeiras
da reforma.
É dada como certa a extensão por dez anos dos incentivos
da Zona Franca de Manaus, que, pela Constituição, acabam
em 2013. O tema nem sequer constava do projeto original do Planalto.
Guimarães propõe ainda que a receita do ICMS, após
um período de transição, passe a privilegiar os Estados
onde as mercadorias são consumidas, proposta abandonada por Palocci
para evitar que a disputa regional pelas receitas emperrasse a reforma.
Foram sinalizados recuos até em assuntos caros ao PT, como o Imposto
sobre Grandes Fortunas e o programa de renda mínima. No primeiro
caso, a reforma prevê que o tributo possa ser criado por lei ordinária,
de aprovação mais fácil que a lei complementar estipulada
pela Constituição. Guimarães disse que seu relatório
manterá a norma atual.
No caso da renda mínima, o projeto determina a criação
do programa, em legislação posterior, pela União,
em parceria com Estados e municípios. O relator -que chama o projeto
de "Robin Hood", por permitir, em tese, que o Imposto de Renda
dos mais ricos beneficie os mais pobres- decidiu tirar do texto a obrigatoriedade
da participação dos Estados e municípios.
O porta-voz da Presidência, André Singer, disse ontem que
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai aguardar o relatório
do deputado Virgílio Guimarães para se manifestar sobre
o assunto.
Governo propõe
acordo entre Casas para apressar reforma da Previdência
RAQUEL ULHÔA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Para tentar evitar que o Senado altere a proposta da reforma previdenciária
que sairá da Câmara, o governo está propondo um acordo
entre as duas Casas: os senadores manteriam as mudanças dos deputados
na Previdência e, em troca, teriam hegemonia na elaboração
da tributária.
Essa estratégia, que encontra resistências no Senado e na
Câmara, ficou clara para senadores do bloco governista, em reunião
ontem pela manhã com o ministro da Casa Civil, José Dirceu.
O deputado José Pimentel (PT-CE), relator da reforma da Previdência
na Câmara, explicou as mudanças feitas no texto. Dirceu defendeu
a importância de manter a proposta e ouviu críticas de Paulo
Paim (PT-RS), Marcelo Crivella (PL-RJ) e Ana Júlia Carepa (PT-PA).
A nova investida do Planalto foi rápida. Em encontro marcado pelo
líder do bloco, Tião Viana (PT-AC), o ministro da Previdência,
Ricardo Berzoini, foi à tarde ao gabinete do senador Paulo Paim
(PT-RS), com quem manteve sérias divergências durante a tramitação
da reforma na Câmara.
"O Poder Executivo sabe que o Senado tem a prerrogativa de mudar
[o texto]. Mas convencer o Senado a não alterar o que saiu da Câmara
é também um desejo legítimo do governo. Acho que
a questão previdenciária foi muito amadurecida nesses meses.
Já a questão tributária está carecendo de
um maior amadurecimento e encontrar uma solução para uma
tramitação mais rápida na Câmara, e um aprofundamento
maior no Senado pode ser útil à proposta e ao país",
afirmou Berzoini.
Embora tenham "fumado o chimarrão da paz", segundo Paim,
os dois não chegaram a um acordo. Na saída do encontro,
Berzoini declarou que o Senado tem "soberania" para alterar
a reforma da Previdência, mas que o governo vai tentar convencer
os senadores a aprovarem o texto da Câmara.
Paim, por sua vez, afirmou que a conversa foi boa, mas continuou defendendo
a alteração de pontos "polêmicos", como
as questões da regra de transição, da paridade entre
inativos e servidores na ativa e do desconto das contribuições
dos pensionistas. "O ministro dizer que o governo não aceita
mudanças faz parte das regras do jogo. Ele, como ex-sindicalista,
assim como eu, sempre vai dizer que não vai abrir mão de
sua posição. Mas, quando ambos se encontram numa mesa, sabem
que vão ter de ceder."
Dirceu
"Embora não tenha dito com todas as palavras, esse foi o recado
do ministro José Dirceu: o Senado não muda a Previdência,
a Câmara mantém a tributária", afirmou o senador
Saturnino Braga (PT-RJ), que participou da reunião com o chefe
da Casa Civil.
O pacto proposto pelo Planalto encontra resistência até
do PMDB, partido que apóia o governo. "A reforma da Previdência
será discutida pelo Senado como qualquer outra reforma", disse
o líder, Renan Calheiros (AL).
Embora integre o bloco governista, o PL deve não concordar em
homologar o texto da Câmara. Tanto PL como PPS afirmam que não
concordam com o procedimento. "Não tem como fazer isso. É
equivocado pensar que a reforma tributária só interessa
aos Estados, ela interessa a toda a sociedade", disse o líder
do PPS, deputado Roberto Freire (PE).
A oposição, PFL e PSDB, também não dá
margem ao acordo. "Não concordamos. A Câmara é
a Casa do povo e vamos discutir isso aqui", afirmou o deputado José
Carlos Aleluia (PFL-BA).
Oposição
e parte da base aliada rejeitam acerto
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
Parte dos líderes da base aliada na Câmara e a oposição
não aceitam a proposta do governo de deixar o debate sobre a reforma
tributária para o Senado.
Pelo acordo que está sendo costurado, os deputados federais aprovariam
o parecer sobre a matéria sem entrar em questões polêmicas,
além de se comprometerem a não mexer nas alterações
feitas pelo Senado no texto quando ele voltasse para a Casa.
O compromisso político estaria condicionado à aprovação
pelos senadores da reforma da Previdência nos moldes em que ela
sair da Câmara. Se forem feitas alterações na proposta
pelos senadores, elas têm que ser votadas novamente na Câmara.
Isso poderia impedir a promulgação do projeto pelo governo
ainda neste ano.
"A contenda da Previdência está resolvida na sociedade,
foram meses de debate e houve até uma greve nacional. Seria plausível
que o Senado não fizesse mudanças. Já o debate maior
da tributária se daria no Senado. Estamos conversando com o presidente
[do Senado, José] Sarney e com o líder [do PT no Senado,
Aloizio] Mercadante", afirmou o deputado Professor Luizinho (PT-SP),
um dos vice-líderes do governo.
O PPS e o PL afirmaram que não concordam com o procedimento. "Não
tem como fazer isso. É equivocado pensar que a reforma tributária
só interessa aos Estados, ela interessa a toda a sociedade",
disse o líder do PPS, deputado Roberto Freire (PE).
A oposição, PFL e PSDB, também não dá
margem para o acordo. "Não concordamos. A Câmara é
a Casa do povo e vamos discutir isso aqui", afirmou o deputado José
Carlos Aleluia (PFL-BA). Além de agilizar a tramitação
das reformas, o objetivo do governo é não conduzir duas
brigas ao mesmo tempo. (FK)
Tributária pode
ficar para 2004, diz Mercadante
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), admitiu
ontem que a reforma tributária poderá não estar totalmente
concluída a tempo de vigorar a partir de 2004. Segundo ele, até
o fim do ano, o tempo é muito curto pelo "tamanho e complexidade"
do problema.
"Faremos tudo para aprovar até o final do ano a reforma tributária.
Mas, pelo andar da carruagem, não está fácil."
Para o líder, a reforma tributária poderá ser aprovada
"por capítulos", para que não seja feita uma "reforma
açodada, inconsistente e insuficiente". Dedicada à
reforma da Previdência, a Câmara não amadureceu a discussão
sobre o sistema tributário, na sua opinião.
Essa avaliação foi feita por Mercadante em reunião
de senadores do bloco governista, ontem, com o ministro José Dirceu
(Casa Civil), para tratar da tramitação das reformas no
Senado.
"A dificuldade é que, além da mudança constitucional,
é preciso aprovar leis complementares ordinárias e regulamentação
para poder vigorar no ano base fiscal seguinte."
Segundo Mercadante, o sentimento majoritário no Senado é
o de que a Câmara esgotou a negociação da previdenciária
com governadores, Poder Judiciário e todos os envolvidos e que
o texto não deverá sofrer alterações significativas
pelos senadores, cujo interesse está na tributária.
REFORMA SOB PRESSÃO
Pontos pendentes deveriam ter sido votados ontem; pefelistas
pressionam para mudar regra de futuras pensões
PFL manobra e adia votação
da previdenciária
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo enfrentou problemas para superar ontem a obstrução
do PFL na Câmara e adiou para hoje a tentativa de conclusão
de votação em primeiro turno da reforma da Previdência.
O texto principal foi aprovado na quarta-feira passada, mas há
ainda seis pontos pendentes de votação.
A tentativa do governo de encerrar ontem o primeiro turno -e, com isso,
priorizar a reforma tributária- esbarrou nas manobras protelatórias
do PFL, que ainda pressiona por mudanças no relatório do
deputado José Pimentel (PT-CE), principalmente na questão
da redução para as pensões futuras.
Em acordo fechado no início da noite, ficou acertado que as pendências
serão retomadas às 13h de hoje, mas o PFL afirma que continuará
tentando obstruir caso o governo não altere o relatório.
O cronograma dos governistas era o seguinte no início do dia:
aprovar as três medidas provisórias que trancavam a pauta
na sessão extraordinária da manhã e, na sessão
da tarde/noite, votar os três destaques e as três emendas
aglutinativas restantes da proposta previdenciária.
As únicas mudanças acordadas seriam o aumento da faixa
isenta de contribuição previdenciária do funcionalismo
da União de R$ 1.200 para R$ 1.440 e uma adequação
na redação das pensões.
O problema é que a sessão extraordinária começou
às 9h, mas só às 11h39 houve quórum para que
a ordem do dia se iniciasse. Mesmo assim, os governistas levaram quase
sete horas para aprovar a primeira MP (que trata do programa de microcrédito
do governo), concluída às 18h22.
"Já obstruímos durante oito horas e meia; se continuarmos
assim, eles não votam nada esta semana", afirmou o deputado
José Carlos Aleluia (BA), líder da bancada pefelista. O
deputado vem tomando atitudes contrárias à ala do partido
liderada pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), que apóia
o Planalto.
Em acordo fechado com os governistas por volta das 20h, Aleluia aceitou
encerrar a obstrução ontem e aprovar, simbolicamente, as
duas MPs restantes -uma que também trata de microcrédito
e outra sobre o mercado de medicamentos. Se o governo não ceder
na questão das pensões, porém, o partido promete
retomar hoje a obstrução -manobras regimentais que adiam
as votações.
Obstruções
As manobras protelatórias de ontem se resumiam a discursos demorados,
levantamentos de questões de ordem e apresentação
de requerimentos para adiar ou fatiar votações.
Os requerimentos eram derrubados por meio de votação simbólica,
mas o PFL exigia, sempre que o regimento permitia, a verificação
nominal da votação, o que levava cerca de meia hora.
O partido pressiona o governo a amenizar as regras para as novas pensões,
que, pela proposta atual, terão uma redução de 50%
para o valor que exceder R$ 2.400. Além disso, querem maior flexibilização
nas regras da nova idade mínima para aposentadoria.
Além dos pefelistas, o governo enfrentou ontem uma nova linha
de pressão. Deputados ligados à área de segurança
pública promoviam lobby para que integrantes da base aliada apoiassem
a proposta de que o limite salarial da Polícia Civil nos Estados
passasse a ter como base não o subteto do Executivo (o salário
do governador), mas o subteto do Judiciário (R$ 15.650). O governo
é contra.
O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), se reuniu
no final da tarde com os líderes dos partidos aliados e com a oposição
para tentar um acordo, mas não houve consenso.
O governo resiste a atender a reivindicação do PFL. Em
relação à base aliada, o PTB aceitou retirar seus
dois destaques que tentavam alterar as regras do limite salarial do funcionalismo.
Votar contra o governo
foi erro, diz Lindberg
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
O deputado Lindberg Farias (PT-RJ), 33, considerou ontem um "erro
político" tanto a votação contrária à
reforma da Previdência quanto a abstenção por parte
de parlamentares petistas. Lindberg votou a favor do governo, apesar de
no início do ano ter sido ameaçado com um processo disciplinar
dentro do partido pela oposição à proposta.
Segundo ele, o caminho correto é fazer uma disputa com os setores
mais conservadores dentro do governo, em vez de ir para a oposição.
"A tendência é que o governo seja de oito anos, e a
esquerda não pode descer na primeira parada", disse ele, que
quer ser um "conselheiro do ouvido esquerdo do [presidente] Lula".
O deputado falou com a reportagem em seu gabinete ontem.
A seguir, trechos da entrevista. (FERNANDA KRAKOVICS)
Agência Folha - Na bancada petista, um grupo optou por votar contra
a reforma da Previdência, e outro, por se abster. O senhor, apesar
de dizer ser contra a proposta, votou a favor. Por quê?
Lindberg Farias - Apesar de discordar da essência da reforma da
Previdência e dos rumos da política econômica do governo
acho que o jogo ainda não acabou. Quem optou por votar "não"
fez uma escolha política e sabia que estava se colocando fora do
PT. A tese dos que votaram contra é equivocada porque considera
que o governo acabou e porque eles têm a ilusão de que é
possível, a partir da vitória do Lula, a construção
de uma ultrapassagem à esquerda.
No fundo, estão presos a uma interpretação da história
baseada na repetição do velho esquema da revolução
[russa] de 1917. O caminho não é construir uma oposição
de esquerda.
Só nos resta uma alternativa, que é lutar por dentro do
governo, sermos conselheiros do ouvido esquerdo do Lula.
Agência Folha - No início do ano o senhor estava alinhado
com os chamados "radicais". O fator determinante para rever
sua posição foi a ameaça de expulsão do partido?
Lindberg - Em nenhum momento cogitei a saída do PT. Sabia que
se votasse "não" estava expulso e dando pretexto para
o inimigo. A minha expulsão favoreceria os setores mais conservadores
dentro do governo. A tendência é que o governo seja de oito
anos, e a esquerda não pode descer na primeira parada.
Agência Folha - Havia a opção intermediária
de se abster, como fizeram oito deputados.
Lindberg - Foi um erro político, uma postura intermediária,
se abster e no dia seguinte votar a favor da taxação dos
inativos. O caminho mais certo foi o de declaração de voto
contrário.

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