quinta-feira, 14 de agosto de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA SOB PRESSÃO
Proposta previdenciária é aprovada com
cinco alterações
Governo cede nas pensões, e reforma
passa em 1º turno
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDA KRAKOVICS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
Temendo ser derrotado na votação dos destaques da reforma
da Previdência e buscando um acordo com a oposição
para agilizar a tramitação, o governo cedeu e a base aliada
aprovou cinco alterações na proposta. Entre elas, uma que
muda as regras de redução para as novas pensões.
Com o acordo, a Câmara encerrou às 23h05 de ontem a votação
em primeiro turno da proposta. Agora, a emenda será votada em segundo
turno na próxima quarta-feira sem a apresentação
de emendas, conforme combinado entre os líderes partidários.
As alterações definidas ontem -aprovadas de uma só
vez por 444 votos a favor, 7 contra e 10 abstenções- são:
a redução de 50% para o valor que exceder R$ 2.400 das novas
pensões foi para 30%; a aposentadoria compulsória do funcionalismo
passa de 70 para 75 anos em 2012; a permanência no cargo para garantia
do salário integral na aposentadoria caiu de dez para cinco anos.
Além desses três pontos, outros dois que já haviam
sido acordados na semana passada também foram aprovados: o aumento
de R$ 1.200 para R$ 1.440 para a faixa isenta de contribuição
dos inativos da União e a explicitação, na proposta,
de que a base de cálculo para a concessão da pensão,
no caso de servidor que morre na ativa, é o último salário.
Ontem, ocorreram quatro votações nominais: duas foram para
derrubar destaques do PTB, uma para derrubar um destaque do PFL e a última
que aprovou os cinco pontos do acordo.
Antes da última votação do dia, o PTB se rebelou
contra o Planalto em torno da questão do teto e subtetos salariais,
mas acabou sendo derrotado. Em outra votação, o governo
mais uma vez assistiu a desobediências da base aliada quando foi
votada proposta do PFL que acabava com a redução no valor
nas futuras pensões. O governo ganhou a votação,
mas 104 deputados votaram contra. Destes, 38 partiram dos dez principais
partidos da base. Proporcionalmente, o PDT, o PP, o PMDB e o PV foram
os que mais "traíram" a orientação palaciana.
Os oito deputados petistas que se abstiveram na votação
do texto principal e que foram ameaçados de punição
novamente se abstiveram. A ameaça de retaliação tinha
perdido força depois que eles votaram com o governo na questão
da contribuição previdenciária para os servidores
inativos.
O PFL e o PSDB novamente foram fundamentais para a vitória do
governo, tendo contribuído com 54 dos 361 votos favoráveis
na votação do destaque pefelista, que propunha o fim da
redução das pensões. Caso não houvesse esses
votos, a proposta para as pensões cairia por um voto.
As negociações começaram logo cedo em café
da manhã entre o ministro José Dirceu (Casa Civil) e os
líderes aliados. Lá, houve a avaliação de
que, a exemplo da apertada aprovação da cobrança
dos inativos, o governo teria problemas para derrubar uma emenda do PFL
que tentava anular a proposta de redução das pensões.
Para manter o texto, o governo precisaria do voto de 60% dos deputados
-308 de 513. Além do PFL, vários dos dez principais partidos
da base registravam dissidências em relação ao tema.
Os governistas fecharam então um acordo a ser levado ao PFL. Diminuição
do corte de 50% para 40% com a contrapartida de que o partido desistisse
de sua emenda.
Os pefelistas se dividiram em duas posições. A ala majoritária,
liderada pelo líder da bancada, José Carlos Aleluia (BA),
era contra o acordo. A ala liderada pelo deputado Antonio Carlos Magalhães
Neto (BA) seguia as orientações do senador Antonio Carlos
Magalhães (PFL-BA) e era pelo acordo. Diante do impasse, o presidente
da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), reuniu os líderes
e, no final da tarde, saiu o acordo e a redução ficou em
30%.
Integrantes da base
aliada criticam atuação do líder do PT na Câmara
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
Por ter assinado um documento defendendo um lobby contrário aos
interesses do governo federal na reforma da Previdência Social,
o deputado Nelson Pellegrino (BA), líder da bancada do PT na Câmara
dos Deputados, acabou sendo alvo ontem de alguns dos demais líderes
dos partidos da base aliada, que se reuniram pela manhã com o ministro
José Dirceu (Casa Civil) para traçar a estratégia
de votação dos pontos pendentes da reforma.
Pellegrino foi um dos signatários de um documento que solicitava
ao relator da reforma previdenciária, José Pimentel (PT-CE),
a vinculação dos policiais civis e militares e dos auditores
fiscais ao subteto salarial do Judiciário nos Estados, que será
de R$ 15.650, de acordo com a reforma. Pelo texto atual, eles estariam
vinculados ao subteto do Executivo, que é limitado ao salário
do governador.
Os líderes aliados chiaram na reunião pelo fato de Pellegrino
ter assinado o documento sem ter consultado os demais aliados ou o Palácio
do Planalto -que se colocou frontalmente contrário à proposta-,
o que teria induzido outros dois líderes governistas a também
endossarem o lobby.
Repreensão
Nelson Pellegrino, que foi repreendido ainda anteontem pelo ministro José
Dirceu, disse ter deixado claro aos que pressionavam pela mudança
que condicionava seu apoio ao documento ao aval do governo federal.
Sobre as críticas, disse considerá-las um fato "normal".
"Líder reclama de tudo. E as críticas não foram
só para mim, houve reclamação em relação
a tudo, à apresentação de destaques e aos votos contrários
da base em relação à reforma. Foi uma sessão
divã", afirmou Pellegrino, acrescentando que, após
o encontro, a base "saiu unida, como sempre".
Pellegrino pertence a uma ala minoritária do PT, a esquerdista
Força Socialista, que compõe o grupo do partido mais crítico
à reforma. Devido a isso, o deputado tem enfrentado situações
delicadas ao defender, em algumas situações, pontos de vista
discordantes do governo federal.
(RANIER BRAGON e FERNANDA KRAKOVICS)
Destaque que "infla"
teto é derrubado
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O temor dos deputados de terem seus salários reduzidos ameaçou
ontem a fixação de um teto salarial para o funcionalismo
público federal na reforma da Previdência.
O pivô do episódio foi o PTB, que apresentou dois destaques
para a alteração do texto, derrubados pelo plenário
da Câmara.
A reforma estabelece que nenhum servidor público federal terá
vencimentos maiores aos de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal),
fixados hoje em R$ 17.340.
O PTB queria retirar do texto a expressão "ou de qualquer
outra natureza" em relação aos vencimentos pessoais
submetidos ao teto salarial. A intenção era deixar claro
que verbas dos parlamentares para gabinete, passagens aéreas, correio
e telefone ficam fora do limite estabelecido.
Se fosse aprovado, no entanto, o destaque abriria brecha para que outras
carreiras acrescentassem "penduricalhos" a seus salários
e superassem os R$ 17.340.
A outra mudança pleiteada pelo partido era que, em caso de acúmulo
de vencimentos, a ultrapassagem do limite salarial fosse permitida. Um
acordo costurado pelo governo durante o dia com os líderes dos
partidos havia garantido, entre outras coisas, a reunião dos dois
destaques numa emenda aglutinativa, que seria rejeitada.
REFORMA SOB PRESSÃO
Relator excluiu da tributária limites do tributo,
possibilitando cobrança de alíquotas diferenciadas
Relatório dá margem para
aumento da CPMF
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O relatório da reforma tributária, feito pelo
deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), abre caminho para um
eventual aumento da alíquota da CPMF -hipótese que tende
a ganhar força se o governo for obrigado a reparti-la com Estados.
Guimarães decidiu tirar da reforma os limites para a alíquota
da CMF (Contribuição sobre Movimentação Financeira),
que deverá substituir a CPMF.
No texto original enviado à Câmara pelo Planalto,
previa-se que a nova contribuição teria um piso de 0,08%
e um teto de 0,38%, equivalente à alíquota atual. Com isso,
o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) procurava garantir que o tributo
não subiria.
Essa regra não existe no relatório a ser apresentado
nesta segunda-feira. Em seu lugar, Guimarães incluiu a permissão
para que a CMF tenha alíquotas diferenciadas, dependendo da operação.
"Não faz sentido fixar alíquota de imposto ou contribuição
no texto constitucional. Isso não existe em nenhum lugar do mundo."
Na atual conjuntura, porém, os riscos são
evidentes, como demonstra o exemplo da Cide, cobrada sobre a venda dos
combustíveis: na sexta passada, pressionado pelos governadores,
o Planalto concordou em repassar aos Estados 25% da receita da contribuição;
anteontem, o ministro Guido Mantega (Planejamento) previu que o tributo
será elevado.
Aprovada a proposta do relator, a nova alíquota da
CMF será definida em legislação posterior. A reforma
prevê, porém, que, enquanto não for regulamentada
a CMF, a CPMF fica automaticamente prorrogada com a alíquota atual.
O dispositivo livra o governo do risco de um atraso na arrecadação
do tributo se o projeto for aprovado ainda neste ano. Essa regra não
foi alterada no texto.
Para o governo, hoje, o principal objetivo da reforma tributária
é manter a CPMF e seus R$ 24 bilhões anuais. O problema
é que o lobby dos governadores pela partilha da receita tem ampla
acolhida nos oposicionistas PSDB e PFL e no aliado PMDB.
"Pode cair"
O relator diz que não tem como proibir na Constituição
o aumento da carga tributária. "Todos os impostos podem subir,
essa é uma prerrogativa do legislador. A CPMF pode subir, mas também
pode cair."
Para Guimarães, a melhor forma de evitar a alta dos impostos com
a reforma seria sua proposta inicial: reduzir o ICMS e elevar a CPMF a
0,5%, usando a receita adicional para cobrir as perdas dos Estados. A
CPMF é condenada por empresários e especialistas por ser
um tributo cumulativo (incide em todas as etapas da produção),
regressivo (tributa igualmente ricos e pobres) e encarecedor das transações
financeiras.
O tema também é caro ao PT, cuja bancada na Câmara
divulgou em 2002 um documento criticando a contribuição
e defendendo sua existência apenas com uma alíquota simbólica
(0,08%), destinada à fiscalização do mercado.
O pragmatismo de Palocci, porém, levou o governo Lula a propor
a perenização da CMF na reforma, sem compromisso formal
de redução da alíquota -a queda prometida dependerá
da definição de outras fontes de receita.
Reforma "deixa
produção de lado", diz Piva
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo), Horácio Lafer Piva, mostrou ontem
ao ministro Antonio Palocci (Fazenda) sua preocupação com
a possibilidade de a reforma tributária aumentar a carga tributária.
Piva foi convidado pelo ministro para um encontro em Brasília.
"Nós achamos que a proposta lida muito bem com o relacionamento
entre os entes governamentais. Mas deixa um pouco de lado a produção,
que é a galinha dos ovos de ouro", criticou o empresário.
Segundo ele, há uma preocupação com o excesso de
poder que está sendo dado ao Confaz (Conselho Nacional de Política
Fazendária), órgão que reúne os Estados. O
órgão, segundo Piva, poderá fazer com que a alíquota
média do ICMS suba.
Outra preocupação é com a possibilidade de a CPMF
permanecer com o seu caráter arrecadatório atual. A idéia
do governo sempre foi a de reduzir a alíquota para que a contribuição
se torne apenas uma ferramenta para a área de fiscalização
da Receita Federal.
Líderes acertam
prazos da tributária
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em reunião na casa do presidente da Câmara, João
Paulo Cunha (PT-SP), os líderes governistas acertaram um cronograma
para a tramitação da reforma tributária, mas deixaram
em aberto vários temas relativos ao relatório de Virgílio
Guimarães (PT-MG).
Não é por acaso. Hoje, para o governo, os prazos da reforma
são mais importantes que o conteúdo: é preciso fazer
o projeto chegar ao Senado a tempo de aprovar a prorrogação
da CPMF e da DRU (Desvinculação de Receitas da União,
que permite ao governo gastar livremente 20% das receitas dos tributos).
Foi definido que o relatório de Guimarães, a ser apresentado
na próxima segunda, será votado na quinta-feira da próxima
semana pela comissão da Câmara encarregada de analisar a
reforma.
Da comissão, o projeto segue para dois turnos de votação
pela Câmara, o que deverá acontecer, pelos cálculos
divulgados pelos governistas, até 15 de setembro.
A pretensão dos governistas é convencer a Câmara
a não se estender nos debates em torno da tributária, com
o argumento de que o Senado assumirá essa tarefa por ser uma Casa
mais ligada aos assuntos federativos. Em contrapartida, os senadores aprovariam
sem modificações a previdenciária elaborada pelos
deputados
No Senado, espera-se uma discussão complexa e demorada das propostas,
que certamente incluirá a distribuição das receitas
do ICMS entre os Estados e -o que mais teme o governo- a repartição
das receitas da CPMF.
Uma saída discutida na reunião, da qual também participaram
os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e José Dirceu (Casa
Civil), é obter dos senadores a aprovação da CPMF
e da DRU, enquanto o resto da reforma continuaria em tramitação.
No entanto, as dificuldades para pôr toda essa estratégia
em prática começam pela comissão da Câmara,
onde há várias pressões regionais e empresariais
pela mudança do texto da reforma.
Fatiar a reforma
O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), discorda da tese
que alguns líderes do governo já defendem sobre o fatiamento
da reforma tributária a fim de facilitar sua tramitação,
principalmente no Senado. Segundo Aécio, isso poderá repetir
a gestão FHC, quando o governo aprovou as matérias do seu
interesse, como a CPMF, e depois abandonou a reforma tributária.
"Não acho boa essa proposta", disse ele.
(GUSTAVO PATÚ)
Colaborou a Agência Folha
RIO
Servidores federais decidem encerrar
greve
A greve dos servidores federais perdeu força no Rio
de Janeiro. Ontem, os funcionários do IBGE decidiram pela volta
ao trabalho no Estado. Anteontem, a UFRJ, maior universidade federal do
país, encerrou a greve e, na sexta-feira, funcionários do
Banco Central, Funasa e Datasus também puseram fim à paralisação.
PARALISAÇÃO EM BAIXA
Na Receita Federal, 90% permanecem parados
Adesão à greve dos servidores cai em vários
pontos do país
TIAGO ORNAGHI
DA AGÊNCIA FOLHA
Depois da votação do relatório da reforma da Previdência
na Câmara, a mobilização de greve do funcionalismo
público começa a perder força. A paralisação
dos servidores públicos teve início no dia 8 de julho e
já dura 37 dias.
Das 42 universidades federais que estavam com greve deflagrada ou com
indicativo de paralisação até a semana passada, 35
continuam paradas.
No INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), apenas 25% das 1.139 agências
no país continuam paradas, e somente 9% dos 41.185 funcionários
mantêm a greve.
A Receita Federal, que mantinha a mais forte mobilização
grevista até a semana passada, permanece, segundo o Sindicato dos
Auditores Fiscais, com 90% das atividades paralisadas, mas a Agência
Folha apurou na sede da Receita Federal, em Brasília, que o movimento
está perdendo força.
A greve do funcionalismo federal no Rio Grande do Sul, que causou problemas
nas fronteiras com Argentina e Uruguai, acabou.
Em Foz do Iguaçu (PR), a Receita Federal fez apenas 24 horas de
paralisação no dia 8 de julho.
Portos liberados
Fiscais da Alfândega do Porto de Santos voltaram ontem ao trabalho,
em operação padrão (atividade mais lenta), mas podem
retomar a greve após assembléia programada para esta manhã.
Segundo estimativa da delegacia local do Unafisco (Sindicato Nacional
dos Auditores Fiscais da Receita Federal), até anteontem havia
3.350 contêineres retidos no porto. Isso equivale à capacidade
de dois navios cargueiros.
Em Vitória (ES), a Justiça concedeu liminar ordenando que
os funcionários grevistas da Receita liberassem as cargas retidas
no porto. Em Santa Catarina, uma decisão judicial obrigou os portos
de Itajaí e São Francisco do Sul a retomarem as atividades.
Na Delegacia Regional do Trabalho de Curitiba (PR), 70 servidores administrativos
resolveram voltar ao trabalho. Mas os 130 auditores fiscais do órgão
decidiram pela manutenção da paralisação.
Colaboraram FAUSTO SIQUEIRA, da Agência Folha, em Santos, e DIMITRI
DO VALLE, da Agência Folha, em Curitiba

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