segunda-feira, 18 de agosto de 2003

Folha de S.Paulo

REFORMA SOB PRESSÃO

Falta de acordo pode levar governo a perder arrecadação

Negociação da tributária já ameaça cobrança da CPMF
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo já teme perder pelo menos alguns dias de arrecadação da CPMF (imposto do cheque) em decorrência da complicada negociação da reforma tributária.

Para a contribuição ser cobrada a partir de janeiro de 2004 com a alíquota de 0,38%, a proposta de emenda constitucional tem de ser aprovada em dois turnos de votação na Câmara dos Deputados e no Senado até o final de setembro.

Ou seja, faltam menos de seis semanas entre a votação na comissão especial da Câmara, prevista para esta quinta-feira, e o prazo limite para a promulgação da mudança constitucional. Cada mês de atraso na votação representa cerca de R$ 2 bilhões a menos nos cofres públicos -quase metade de tudo o que o governo pretende investir neste ano, por exemplo.

Só há uma hipótese de o governo evitar perda na arrecadação: um amplo e surpreendente acordo entre deputados e senadores sobre a reforma nos tributos, que garanta pelo menos 308 votos na Câmara e mais 49 no Senado.

"Temos maioria para aprovar a reforma", arrisca o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP). "Se acontecer uma perda de alguns dias, não será um grande problema. O grave é atrasar 30, 60 dias", pondera o deputado Paulo Bernardo (PT-PR), especialista em orçamento.

A proposta de Orçamento da União para 2004, que o governo envia ao Congresso até o fim da próxima semana, já conta integralmente com a arrecadação da CPMF. "Sem a alíquota de 0,38% [sobre movimentações financeiras] da CPMF e sem a DRU [Desvinculação de Receitas da União, mecanismo que dá mais liberdade de gastos ao governo], o Orçamento não fecha", diz Bernardo.

O maior obstáculo político para a renovação da CPMF -que perderia finalmente o caráter de tributo temporário após quase dez anos- é a pressão de governadores e prefeitos para ficar com uma parte da arrecadação.

Depois de concordar em dividir com os Estados a quarta parte da arrecadação da Cide (tributo cobrado na venda de combustíveis), o governo insiste em não ceder mais aos governadores e prefeitos, cujo lobby ganhou o apoio nas últimas semanas das bancadas do PFL e do PSDB, além da solidariedade dos senadores do PMDB e até da bancada do PL, aliado de primeira hora de Lula.

Na comissão especial da Câmara, onde a reforma tributária enfrentará seu primeiro teste nesta semana, esses partidos detêm metade dos 38 membros.

Governadores e prefeitos alegam que Estados e municípios perderam arrecadação. Para os interlocutores de Lula no Congresso, dividir a CPMF significaria "dinamitar" o Orçamento federal. Um dos argumentos dos petistas para tentar convencer a oposição é que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso governou oito anos com a contribuição. O tributo foi criado em 1993, ainda no governo Itamar Franco.

A alternativa de aumentar a alíquota da CPMF e fazer o contribuinte pagar uma conta maior está descartada por ora. O deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) disse ontem que manterá, em seu relatório, a alíquota máxima de 0,38% cobrada atualmente sem rateio com os Estados. Pelas regras atuais, no próximo ano a CPMF continuaria existindo, mas com uma alíquota de 0,08%.

O texto será submetido hoje cedo aos líderes partidários, com um pequeno atraso em relação ao acordo feito na semana passada. A apresentação do texto está prevista para a noite, na comissão. Segundo o relator, faltavam ajustes sobre como vai funcionar o fundo de compensação para os Estados que perderem com a nova fórmula de cobrança do ICMS.

Colaborou SÍLVIA MUGNATTO

VISITA PRESIDENCIAL

Sem-terra e sem-teto devem participar

Lula deve enfrentar protesto hoje durante inauguração em Jacareí
DAS REGIONAIS

Os sindicatos dos metalúrgicos, dos trabalhadores da alimentação e da indústria química e servidores da região de São José dos Campos (SP) deverão aproveitar a passagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por Jacareí (75 km de São Paulo) na manhã de hoje para protestar contra a reforma da Previdência.

Lula participará da inauguração de um projeto de ampliação da fábrica de papel e celulose da Votorantim no município. O protesto está previsto para as 8h. São esperados 200 manifestantes no ato. Representantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) também foram convidados para participar.

Os sindicalistas pedirão a Lula a descriminalização do MST e do MTST e a soltura de José Rainha Júnior, líder dos sem-terra.
Também vão expor propostas para reverter o quadro de desemprego na indústria da região. Segundo Luiz Carlos Prates, o Mancha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, sem redução de salário, é a principal reivindicação para a criação de postos no país.

À tarde, deve partir uma caravana para Brasília, onde está programada para amanhã uma marcha contra a reforma da Previdência.

"Não podíamos deixar batido a visita do presidente a Jacareí, já que os movimentos têm precisado ir a Brasília para manifestar o descontentamento com as reformas", diz Joaquim Aristeu da Silva, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação.