quarta-feira, 20 de agosto de 2003
Folha de S.Paulo
EFEITOS DA REFORMA
Mudança na Previdência faz aumentar procura
pelo benefício
Aposentadorias deste ano já ultrapassam
as de 2002
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A corrida às aposentadorias provocada pela reforma da Previdência
já fez com que o número de servidores públicos federais
aposentados neste ano supere o dos que deixaram a atividade durante todo
o ano de 2002.
Dados do Ministério do Planejamento mostram que, somente de janeiro
a julho deste ano, 11.180 servidores se aposentaram.
Em todo o ano passado, os benefícios concedidos pelo governo federal
somaram 7.465. Isso significa que o resultado parcial de 2003 é
50% superior à somatória do ano passado inteiro.
Segundo o Ministério do Planejamento, a média mensal de
aposentadorias alcançou 1.597 até julho. Se for mantido
esse ritmo até dezembro, 2003 poderá ser equiparado a 1998,
ano em que foi aprovada a reforma da Previdência do governo Fernando
Henrique Cardoso. Em 1998, 19.500 servidores federais correram para a
inatividade.
O pico na concessão de aposentadorias neste ano foi registrado
em abril, mês em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
enviou ao Congresso a proposta de emenda constitucional da Previdência.
Foram concedidos naquele mês 3.537 benefícios.
Desde então, as concessões do benefício vêm
caindo lentamente e chegaram a 1.130 em julho.
A avaliação do governo federal é que, a partir do
envio da reforma ao Congresso, o teor das mudanças passou a ficar
mais claro para o funcionalismo, interrompendo a trajetória de
alta nas concessões de aposentadorias.
Para tentar conter a corrida à aposentadoria, o governo chegou
a enviar uma carta aos servidores assegurando que direitos adquiridos
serão preservados.
Além disso, o Ministério da Previdência encaminhou
aos funcionários públicos uma cartilha com os pontos da
reforma, esclarecendo as principais dúvidas do funcionalismo. Para
o governo federal, a corrida às aposentadorias só pode ser
explicada pela falta de informação dos servidores.
Focos
As universidades e escolas técnicas são um dos maiores focos
da disparada para a inatividade. Levantamento realizado pela Andifes (Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior) informa que, até o início de junho, 2.000 professores
e técnicos administrativos se aposentaram.
Para a Previdência, cerca de 20% dos professores e técnicos
dessas instituições de ensino estão em condições
de partir para a inatividade a qualquer momento.
O ministro Ricardo Berzoini (Previdência) chegou a enviar um emissário
do governo às principais universidades do país para esclarecer
a reforma e tentar evitar as aposentadorias.
Institutos de pesquisa, Banco Central e Polícia Federal também
aparecem entre os setores estratégicos em que o governo tem perdido
grande número de servidores por conta do medo da reforma da Previdência.
Banco Central
No caso do Banco Central, dos 4.721 funcionários ativos atualmente,
842 podem requerer a aposentadoria desde janeiro -18% do total. Até
junho, cem funcionários já o fizeram.
O governo incluiu no texto da reforma a criação de um abono
para os servidores que, mesmo tendo direito à aposentadoria, permaneçam
trabalhando.
Esse abono corresponde, na prática, à isenção
da contribuição previdenciária de 11% que ativos
já pagam e inativos passarão a pagar depois das mudanças.
Hoje, já existe incentivo semelhante para os servidores continuarem
em atividade -isenção de contribuição previdenciária.
Mas, como não há contribuição de inativos,
a medida se torna inócua. Na reforma, além de garantir a
isenção da cobrança para quem permanecer trabalhando,
o governo ampliou o prazo para o recebimento do abono e o universo de
servidores que poderão ser beneficiados com a medida.
O abono valerá inclusive para os servidores que completarem as
atuais regras para aposentadoria mesmo depois da aprovação
da reforma, quando entrarão em vigor outras regras.
Assim, quem completar, depois da aprovação da reforma,
53/48 anos de idade, 35/30 anos de contribuição e tiver
cinco anos de exercício no cargo, terá direito ao abono
caso continuem na ativa.
Marcha contra a reforma
reúne pelo menos 20 mil
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os servidores públicos ligados à educação
realizaram ontem uma marcha com cerca de 20 mil pessoas, segundo a Polícia
Militar, ou 30 mil pessoas, segundo os organizadores, para protestar contra
a reforma da Previdência. A segurança não permitiu
que eles se aproximassem do Congresso.
Os slogans mais utilizados pelos servidores em Brasília eram "em
casa que não tem pão, Lula não tem razão"
e "estou de pé, eu não caí, essa reforma é
do FMI".
A CUT (Central Única dos Trabalhadores), uma das organizadoras
do ato, disse que a principal reivindicação é mudar
a regra de transição para os atuais servidores. Representantes
dos manifestantes se encontraram ontem com o vice-presidente do Senado,
Paulo Paim (PT-RS). "Vamos levantar todas as bandeiras, mas acho
que já dançamos", disse Luiz Marinho, presidente da
central.
A marcha, que começou por volta das 9h e terminou às 13h30,
foi pacífica. Para evitar que se repetissem os atos de vandalismo
no Congresso ocorridos na manifestação de 6 de agosto, a
PM reforçou a segurança com 3.500 soldados do Batalhão
de Choque, polícia montada e até cachorros treinados. Não
houve confronto.
A marcha foi organizada pela CNTE (Confederação Nacional
de Trabalhadores em Educação), que reúne cerca de
800 mil professores de ensino básico da rede pública dos
Estados e do município de São Paulo, e pela CUT. "Essa
unidade de trabalhadores federais, estaduais e municipais é que
fará com que essa reforma possa ser derrotada", disse o deputado
Babá (PT-PA), da ala radical do partido, durante a manifestação.
Diferentemente da passeata anterior realizada por funcionários
federais, o protesto de ontem "preservou" a imagem do PT e do
presidente. Não houve queima de bandeiras nem enterros simbólicos.
Os servidores que chegavam à concentração, ao lado
da catedral de Brasília, recebiam um papel com "orientações".
A primeira delas dizia: "Evite provocações e não
se envolva em distúrbios".
Ao meio-dia, Marinho e Juçara Vieira, presidente da CNTE, foram
recebidos por Paim em seu gabinete. O objetivo era convencer o senador
a defender alterações no texto da reforma, que será
votada em segundo turno na Câmara na próxima semana.
Se o Senado mudar o projeto, ele terá de voltar à Câmara.
O vice-presidente do Senado teria prometido "apreciar o texto",
segundo relato dos sindicalistas. "Queremos que o Senado não
abra mão de sua prerrogativa de mudar aspectos da reforma",
afirmou Vieira. Após a reunião, Marinho tentou falar aos
manifestantes, mas foi vaiado. Disse não saber a razão das
vaias, uma vez que "a CUT sempre esteve ao lado dos trabalhadores",
e culpou o PSTU.
REFORMA SOB PRESSÃO
Palocci articula para que comissão vote tributária
amanhã
Relator cede a Estados e abre brecha
para carga fiscal maior
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Por pressão dos Estados, o relator da reforma tributária
na Câmara, Virgílio Guimarães (PT-MG), não
incluiu no projeto uma regra anunciada como garantia contra o aumento
futuro dos impostos: o limite máximo de 25% para a alíquota
do ICMS.
Em mais de uma ocasião, Guimarães havia prometido a fixação
do teto, não previsto na proposta original elaborada pelo governo
Luiz Inácio Lula da Silva. A medida responderia às críticas
de empresários e especialistas ao risco de aumento da carga tributária.
Os temores dizem respeito à principal inovação introduzida
pela reforma -a unificação da legislação do
ICMS, que, pelo texto, passará a ter apenas cinco alíquotas,
em vez das 44 de hoje.
Como caberá aos Estados definir os produtos a serem tributados
com cada alíquota, avalia-se que a tendência será
incluir o maior número possível de mercadorias nas faixas
mais altas. O antídoto imaginado pelo relator -uma alíquota
máxima fixada pela Constituição- foi bombardeado
pelos governadores.
"Essa ausência [do teto] foi muito sentida", admitiu
Guimarães, em entrevista para detalhar o relatório. Questionado
sobre as pressões que motivaram a decisão, foi evasivo:
"Vários Estados".
Ele disse acreditar, porém, que o recuo não significará
aumento da carga tributária. "O Senado [que definirá
as cinco alíquotas] não vai fazer nenhuma loucura, eu confio
no Senado." Mas o relator indicou que o tema poderá voltar
à discussão ainda na Câmara. "Esse assunto foi
retirado porque não havia uma construção adequada.
Estamos trabalhando nisso."
Na prática, embora o relatório divulgado anteontem por
Guimarães tenha sido apresentado como definitivo, os governistas
e o próprio relator estão estudando alterações
no texto, que dependerão de conveniências políticas.
O Ministério da Fazenda, por exemplo, trabalha pelo fim imediato
dos benefícios fiscais estaduais, como permitido pela versão
original do projeto -por pressão dos Estados mais pobres, o relator
instituiu um prazo de oito anos para a extinção dos atuais
benefícios. Estão em estudo alterações na
Lei de Informática, para compatibilizar a legislação
com a decisão de prorrogar por mais dez anos, até 2023,
os incentivos da Zona Franca de Manaus.
O relatório de Guimarães recebeu críticas até
em razão de pontos em que manteve a proposta inicial do governo.
O relator teve de explicar, por exemplo, por que a CMF, substituta da
CPMF em caráter permanente, não terá a aplicação
de seus recursos definida na Constituição. "Há
diferenças entre um tributo provisório e um permanente",
disse o relator, argumentando que, no segundo caso, não faz sentido
detalhar a destinação dos recursos -porque a Constituição
já vincula as contribuições, com exceção
da Cide, à seguridade social.
Palocci
O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) reuniu-se ontem à noite
com líderes e deputados dos partidos que apóiam o governo,
numa tentativa de viabilizar a votação amanhã do
relatório da reforma tributária na comissão especial
da Câmara encarregada de analisar o projeto.
A alternativa oferecida pelo governo aos aliados foi a promessa de negociar
novas mudanças no texto no momento da votação em
1º turno na Câmara. Entre os aliados, especialmente do PMDB
e do PL, ainda há muita resistência ao projeto. Palocci,
segundo o relato de participantes da reunião, admitiu ampliar ainda
mais o prazo para o fim dos atuais benefícios fiscais concedidos
pelos Estados para a atração de empresas.
Outro ponto tratado foi a possibilidade de fixar na Constituição
a destinação dos recursos da CMF. Os governistas ainda passarão
o dia de hoje avaliando as possíveis alterações na
reforma.
PFL e PSDB ameaçam
votar contra
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os oposicionistas PFL e PSDB, que salvaram o governo de uma derrota na
reforma da Previdência, ameaçam votar em bloco contra o relatório
da reforma tributária apresentado anteontem pelo deputado Virgílio
Guimarães (PT-MG). Pefelistas e tucanos acreditam que terão
apoios na bancada governista.
Ontem, após reuniões de bancada, os dois partidos listaram,
cada um, uma série de reivindicações como condição
para votar a reforma. As listas têm em comum medidas que reduziriam
a receita da União -justamente o que o governo diz que não
aceita negociar.
Os pefelistas decidiram adotar a bandeira da revisão do pacto
federativo, ou seja, da divisão de recursos e atribuições
entre União, Estados e municípios. Seus pleitos contemplam
a partilha da receita da CPMF e mais dinheiro para o fundo destinado a
compensar os Estados pelo fim do ICMS sobre as exportações.
Diferentemente do que ocorreu na reforma da Previdência, quando
comandou a dissidência do partido que votou com o governo, a ala
baiana do PFL lidera a oposição à proposta tributária.
A pauta do partido ganhou reforço do Confaz, que reúne
os secretários estaduais da Fazenda. Reunido ontem em Brasília,
o Confaz divulgou uma carta com as exigências dos Estados -entre
elas, a repartição da CPMF. Diante das demandas que se acumulam
na reforma, os governistas tentam deixar as negociações
para as votações em plenário.
Com o diagnóstico de que os pleitos dos governadores já
contam com defensores demais, os tucanos adotaram outra linha principal
de ataque à reforma. "Queremos uma reforma que faça
o que o governo promete: desonerar a produção e os investimentos",
disse o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA).
Os tucanos elaboraram o documento "Pontos Mínimos para Negociação
na Reforma Tributária". "Sem isso, votaremos contra",
disse Eduardo Paes (RJ).
O mais polêmico dos pontos mínimos estabelece que a CPMF
possa ser descontada na contribuição patronal para a Previdência,
uma forma de estimular as contratações formais.
(GUSTAVO PATÚ)
REFORMA SOB PRESSÃO
Governadores dizem que relatório está
distante do consenso e anunciam "guerra" no Congresso
Estados criticam texto ao gosto de Palocci
DA AGÊNCIA FOLHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Assim que tomaram conhecimento do relatório da reforma tributária,
os governadores de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), do Rio Grande
do Sul, Germano Rigotto (PMDB), e de Goiás, Marconi Perillo (PSDB),
reprovaram com veemência o texto, iniciaram um lobby e anunciaram
que vão para o embate no Congresso.
Rigotto considerou "insuficiente" para os Estados o texto do
relator Virgílio Guimarães (PT-MG) e disse que a redação
"não vem ao encontro do que os governadores negociaram com
o governo federal".
Aécio foi mais duro: "Vi no relatório algo muito mais
próximo, se não exclusivamente, das posições
do ilustre ministro da Fazenda, Antonio Palocci [Filho]".
O governador de Goiás afirmou que o relatório beneficia
só São Paulo: "É péssimo para as regiões
Centro-Oeste, Norte e Nordeste".
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que São Paulo também
terá perdas e cobrou alterações.
"Não podemos perder receita. Estamos todos em situação
de pré-insolênvia. A arrecadação despencou
de abril para cá", disse ele, que se reuniu na noite de ontem
com deputados e senadores do Estado no Congresso.
A principal crítica de Alckmin se refere à previsão
de transição da cobrança do ICMS, que passaria dos
Estados de origem para os de destino em oito anos. Segundo ele, São
Paulo perderia, no período, cerca de R$ 1,8 bilhão.
Perillo e Aécio disseram que, após falar com diversos governadores,
não conseguiram encontrar ninguém satisfeito. Para o mineiro,
se não houver entendimento, há o "risco do imponderável".
Cide
Demonstrando descrença no governo federal, os governadores exigem
agora que, na questão do repasse de 25% da Cide (a contribuição
sobre o consumo de combustíveis), seja editada uma medida provisória.
Os governadores representantes das cinco regiões do país
decidiram que Aécio vai encaminhar a Lula uma sugestão de
texto para a medida provisória. Querem garantir que os recursos
serão "investidos não nos Estados, mas pelos Estados".
"A Cide não deve estar mesmo no relatório da reforma.
Uma medida provisória tem de regulamentá-la", disse
Rigotto.
O motivo das críticas ao relatório é principalmente
a não-constitucionalização do fundo que desonera
as exportações.
Eles reclamam que o relatório cria um fundo provisório,
que, com o tempo, deixará de existir, e não define o percentual
dos impostos para a sua formação.
Quanto à partilha da CMF (a versão permanente da CPMF),
Aécio e Rigotto disseram que ela continuará sendo discutida.
"Temos espaço para a participação de Estados
e municípios na CPMF, mesmo que gradativamente", afirmou Rigotto.
Aécio disse que o fato de o relatório retirar da saúde
parte do repasse da CPMF tira também o argumento do governo de
que Estados e municípios já eram beneficiados com essa contribuição.
Resta agora o embate. "Essa discussão vai para o Congresso,
e aí não se sabe o que sairá ao final", disse
o mineiro, acrescentando que na terça-feira alguns governadores
deverão ir ao Congresso.
"A votação vai ser guerra", afirmou Marconi Perillo.
"As bancadas serão mobilizadas para defender com ardor suas
regiões."
A queda-de-braço pode durar, pelas palavras de Aécio: "Não
percebo nos governadores a necessidade dessa pressa com a reforma. Discutiremos
a matéria até seu esgotamento". (LÉO GERCHMANN,
PAULO PEIXOTO, TIAGO ORNAGHI E RANIER BRAGON)

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