quarta-feira, 27 de agosto de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA AOS PEDAÇOS
Oposição só apóia previdenciária
se tributária for alterada
Comissão aprova tributária,
e governo já negocia ceder mais
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo conseguiu concluir ontem a votação do relatório
do deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) na comissão
da reforma tributária na Câmara, mas já negocia um
pacote de concessões a governadores, prefeitos e oposição
para viabilizar o projeto e a outra reforma -a previdenciária.
A tramitação das duas reformas terá de ser negociada
em conjunto por imposição dos oposicionistas. Após
terem salvado o governo de uma derrota na votação em 1º
turno da reforma da Previdência na Câmara, PFL e PSDB decidiram
condicionar o 2º turno a mudanças na tributária, contra
a qual votaram em bloco na comissão.
"Sem uma parcela da oposição, não haverá
nenhuma reforma", disse o líder pefelista, José Carlos
Aleluia (BA), contrário à reforma da Previdência.
Agora, porém, com o apoio da dissidência que apoiou o governo
no 1º turno, encabeçada por outro baiano, Antonio Carlos Magalhães
Neto: "O governo tentou nos intimidar, mas terá de negociar
a tributária".
O líder tucano, Jutahy Júnior (BA), discursou no mesmo
tom na comissão da reforma tributária. Segundo ele, a recusa
dos oposicionistas em votar ontem a reforma da Previdência foi um
"alerta". Tucanos e pefelistas, além de boa parte da
base aliada ao Planalto, apóiam os pleitos de governadores e prefeitos
pela partilha de receitas federais.
Em consequência, os governistas passaram a se debruçar sobre
as concessões aceitáveis na tributária. "Desta
vez, será preciso ceder alguma coisa para Estados e municípios",
calculava, à noite, Paulo Bernardo (PT-PR).
O objetivo principal na reforma tributária é prorrogar
a CPMF (imposto do cheque), que rende anualmente R$ 24 bilhões
aos cofres federais, e a DRU (Desvinculação das Receitas
da União, que permite o uso livre de 20% das receitas), fundamentais
para o cumprimento das metas fiscais acertadas com o Fundo Monetário
Internacional. Para não ser obrigado a dividir a receita da CPMF,
como querem governadores e prefeitos, o governo busca socorrer de outras
formas os caixas estaduais e municipais. O principal meio deverá
ser a ampliação do fundo federal destinado a compensar as
perdas com o fim do ICMS sobre as exportações.
Mas há outras propostas em pauta, como a divisão da receita
da Cide, já prometida aos Estados, também com os municípios,
além da incorporação à reforma de alterações
defendidas por PFL e PSDB.
Votação difícil
Embora contasse com 27 dos 38 integrantes da comissão da reforma
tributária, o governo enfrentou muitas dificuldades e críticas
de aliados e adversários para concluir a votação
do relatório de Guimarães, o que só ocorreu às
20h10 -a sessão havia sido iniciada às 10h, e foi interrompida
entre as 17h45 e as 19h30.
Foram derrubados em bloco os 250 destaques (propostas de votação
em separado) individuais e, um a um, os seis destaques de bancada apresentados
pelos partidos de oposição. A fragilidade do apoio dos governistas
ficou mais uma vez evidente, quando, a partir de um acordo com a oposição,
o relatório foi modificado para atender ao lobby amazônico
pela prorrogação, por mais dez anos, dos benefícios
da Zona Franca de Manaus -que, pela Constituição, acabam
em 2013.
O governador do Amazonas, Eduardo Braga, do aliado PPS, estava na sessão
para, ao lado dos deputados da região, pressionar pela medida.
Para viabilizá-la, o governo concordou também em prorrogar
por dez anos os benefícios da Lei de Informática, que beneficiam
as demais regiões do país e se extinguem em 2009.
Deputados de partidos da base como PMDB, PTB e PL discursaram em apoio
a destaques apresentados pela oposição, mas votaram com
o governo.
PREVIDÊNCIA
Governo adia votação da
reforma para hoje
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDA KRAKOVICS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
A resistência dos oposicionistas PFL e PSDB e a insegurança
com o quórum levaram o governo a desistir de votar a reforma da
Previdência em segundo turno ontem, na Câmara dos Deputados.
Nova tentativa ocorrerá hoje, mas dependerá, além
do quórum, de acordo com a oposição -fundamental
para a aprovação em primeiro turno- em torno de pendências
da reforma tributária.
A intenção do governo de encerrar ontem a tramitação
da proposta previdenciária na Câmara (depois de aprovada,
ela segue para o Senado) começou a ruir no final da tarde, quando
a contagem dos deputados revelava baixa presença para a votação
de uma emenda à Constituição: eram 390 às
17h e chegaram a 433 às 18h30.
Para aprovar o texto são necessários 60% dos votos dos
deputados, o que dá 308 de 513. Além disso, PFL e PSDB,
que reúnem 123 deputados, afirmavam que não votariam o texto
ontem.
Primeiro turno
Na votação de primeiro turno, por exemplo, 493 deputados
estavam no plenário. Dos 358 votos favoráveis à proposta,
62 vieram de deputados do PFL e do PSDB. Ou seja, sem parte da oposição
-influenciada pelos governadores e pelo senador Antonio Carlos Magalhães
(PFL-BA)-, a reforma não teria passado no plenário.
"Para uma votação tensa, que envolve o conjunto da
Câmara, se o quórum está baixo e a margem é
pequena, é prudente adiar a votação. Não podemos
correr riscos", afirmou o presidente da Câmara, João
Paulo Cunha (PT-SP).
As razões apresentadas pela oposição para não
querer votar ontem variavam de acordo com o entrevistado. O deputado Jutahy
Magalhães Jr. (BA), líder da bancada tucana, afirmava que
o noticiário sobre a votação da reforma tributária,
que, na avaliação dele, mostraria ao país os males
da proposta, não poderia ser ofuscado.
Acordo minado
Os deputados José Carlos Aleluia (BA), líder do PFL, e Antonio
Carlos Magalhães Neto (BA), que liderou a ala do partido que votou
com o governo no primeiro turno, afirmaram que as dificuldades nas negociações
em torno da proposta tributária minaram o apoio ao texto previdenciário.
"O governo atropelou a lógica do processo ao votar a reforma
tributária sem um apoio mínimo, isso fez com que perdesse
o apoio para a votação da Previdência no segundo turno",
afirmou Aleluia.
Um argumento, porém, unia tucanos e pefelistas. A insatisfação
com as declarações do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, após a votação de primeiro turno, que teriam
passado a impressão de que os parlamentares governistas foram os
únicos responsáveis pela aprovação do texto.
Rebelião
Além dos problemas listados acima, os líderes do governo
se debateram durante todo o dia com a rebelião no PDT do ex-governador
Leonel Brizola.
Contrariando acordo entre os partidos, os pedetistas mantiveram a disposição
de apresentar um destaque (tentativa de modificação) à
proposta para alterar o subteto salarial do funcionalismo nos Estados,
estabelecendo um limite único, 90,25% do salário de um ministro
do STF (Supremo Tribunal Federal), e não um para cada Poder, como
a proposta atual prevê.
Como a questão do subteto é polêmica na própria
base aliada, os governistas temiam não reunir os 308 votos necessários
para rejeitar o destaque.
A Mesa da Câmara preparava uma estratégia para recusar o
pleito pedetista sob o argumento de que ele não teria amparo regimental,
mas o PDT mudou o texto de seu destaque e proporá então
a simples supressão do subteto salarial nos Estados, ou seja, todo
o funcionalismo ficará limitado ao teto federal (R$ 17.340).
PESQUISA
Mudança previdenciária é apoiada
por 68,7%
Governo tem avaliação
estável após votação da reforma da Previdência
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Pesquisa do instituto Sensus feita nos últimos dias 20 a 22 mostra
que a avaliação do governo Lula e do desempenho pessoal
do presidente permanecem estáveis.
A aprovação ao governo subiu de 46,3% em julho para 48,3%
em agosto. Essa variação está dentro da margem de
erro, de três pontos percentuais. A avaliação ruim/
péssimo permaneceu em 10%.
O desempenho pessoal de Lula é aprovado por 76,7% dos entrevistados,
permanecendo estável. Os que desaprovam a atuação
do presidente somam 16,2%.
A pesquisa foi encomendada pela CNT (Confederação Nacional
do Transporte). O presidente da entidade e vice-governador de Minas Gerais,
Clésio Andrade (PL), avaliou que Lula foi beneficiado pela aprovação
da reforma da Previdência, pela queda dos juros e pela entrevista
que concedeu no último dia 17 ao "Fantástico".
A pesquisa indica que 68,7% dos brasileiros são a favor da reforma
da Previdência -índice que era de 66% em maio.
A contribuição previdenciária dos inativos do serviço
público -um dos pontos mais controversos da reforma- é aprovada
por 60,8% dos entrevistados. Apenas 26,7% se declararam contrários
a essa contribuição.
A reforma tributária é vista com menos entusiasmo. A única
pergunta sobre essa reforma revelou que 37,6% acreditam que ela vá
provocar aumento de impostos, contra 30% que acham que os impostos vão
diminuir.
Permaneceu estável (55%) o percentual de entrevistados que confiam
na condução da política econômica, mas caiu
a aprovação da atuação do governo na área
social. Em julho, 60,7% achavam que a condução da política
social era adequada. Esse índice baixou para 55,8% em agosto.
A pesquisa foi realizada em 195 municípios de 24 Estados. Foram
entrevistadas 2.000 pessoas.

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