terça-feira, 02 de setembro de 2003

Folha de S.Paulo

REFORMA AOS PEDAÇOS

Planalto endurece na reforma fiscal e planeja atropelar PSDB e PFL com troca de votos por verbas

Governo ameaça oposição com fisiologismo
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva ameaça usar um método eficiente, mas que condenava na gestão de Fernando Henrique Cardoso: liberar verbas para atender emendas parlamentares para alcançar maioria no Congresso e aprovar os projetos de seu interesse atropelando a oposição.

Essa ameaça é parte de um endurecimento do governo com PSDB e PFL, o núcleo da atual oposição, para votar amanhã em primeiro turno na Câmara a reforma tributária. Setores tucanos e pefelistas dizem que, se o Palácio do Planalto não negociar com eles, o governo federal não aprovará a reforma tributária.

Para aprovar uma emenda constitucional, o governo necessita de 60% dos 513 deputados e dos 81 senadores, em dois turnos de votação em cada Casa do Congresso. Na reforma da Previdência, o governo precisou do PFL e do PSDB, que, juntos, deram cerca de 60 votos ao projeto. Por isso o Planalto recorreu pouco à liberação de emendas parlamentares. Nos bastidores, falou-se numa liberação total de R$ 100 milhões, o que é considerado um valor não muito elevado por deputados acostumados a esse tipo de negociação no governo passado.

Varejo
Agora, na reforma tributária, o governo ameaça negociar no chamado "varejo político", ignorando cúpulas partidárias e caciques políticos com os quais se acertou anteriormente na reforma da Previdência Social.

Oficialmente, o governo mantém o discurso de que a liberação de emendas é feita desde o início do ano segundo critérios técnicos. Mas articuladores políticos foram claros ontem em suas conversas com a Folha: vão usar o instrumento se necessário.

É uma estratégia arriscada, mas o governo avalia que, depois que precisou da oposição para aprovar a reforma da Previdência, está colando um discurso de que virou refém da oposição. Daí a necessidade de uma demonstração de força. Por isso, ontem, num tenso dia de negociações entre governo federal, governadores e congressistas sobre reforma tributária, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a ordem para o endurecimento nas negociações.

A interlocutores, Lula disse que a oposição quer ter poder de veto em sua gestão, ditando quando o governo pode votar as reformas e até o limite das concessões da União nas negociações.

Reação
Também pegaram mal no Palácio do Planalto declarações recentes de oposicionistas. "Se não houver entendimento até amanhã, a orientação dos governadores [às bancadas estaduais] é não votar o projeto", disse ontem o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB).

Pefelistas baianos como o líder do partido na Câmara, o deputado José Carlos Aleluia (BA), e o deputado ACM Neto têm dito que, se o governo decidir atropelá-los, impedirão a votação da reforma. ACM Neto, por exemplo, já ameaçou não dar os cerca de 30 votos na Câmara dos Deputados do grupo político do senador Antonio Carlos Magalhães, cacique do PFL baiano.

Na avaliação do Palácio do Planalto, se ceder à oposição nos termos defendidos por Aécio, Aleluia e ACM Neto, o governo poderá se enfraquecer. Segundo um auxiliar de Lula, Aécio não fala pelo governadores e "não é presidente da República para dizer quando o governo deve votar".

Negociações
Para enfraquecer a oposição, os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci Filho (Fazenda) têm feito negociações pontuais com os governadores a fim de assegurar maioria, caso seja preciso partir para o confronto na reforma tributária. Ontem, Palocci dedicou boa parte do dia a um corpo-a-corpo com governadores.

A Folha apurou que emissários do governador Geraldo Alckmin (PSDB) têm tratado com o Palácio do Planalto à revelia de Aécio Neves, que pertence ao mesmo partido do governador paulista.

Colaborou GABRIELA ATHIAS, da Sucursal de Brasília


Planalto desiste de acordo amplo
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Após um dia inteiro de reuniões, o governo definiu uma estratégia para tentar votar amanhã a reforma tributária na Câmara: não haverá um amplo acordo com governadores, prefeitos e empresários, mas concessões de última hora que, acredita-se, serão capazes de unir os aliados e dividir a oposição. Os governadores ameaçam impedir a votação se não houver entendimento.

Ontem, mais um encontro com governadores representantes das cinco regiões do país terminou sem consenso. Os governistas, porém, apostam que os governadores não mobilizarão suas bancadas para rejeitar um texto que, mesmo sem contemplar todos os pleitos, trará vantagens para eles.

Uma dessas vantagens será a promessa de edição de uma medida provisória garantindo o repasse de 25% da receita da Cide, contribuição sobre a venda dos combustíveis que rende cerca de R$ 10 bilhões ao ano aos cofres estaduais. A outra, o fundo destinado a cobrir as perdas com o fim do ICMS sobre as exportações.

Pontos polêmicos da reforma, como a cobrança do ICMS no destino das mercadorias e a perenização da CPMF, serão retirados do texto ou alterados.

Tratamento semelhante terão pontos que desagradam aos empresários. Deverão ser fixadas alíquotas máximas para o ICMS e o imposto sobre heranças; pode ser descartada a progressividade das alíquotas do imposto sobre vendas de imóveis; será abandonada a idéia de facilitar a cobrança de empréstimos compulsórios.

Na prática, uma nova reforma será elaborada nas próximas 24 horas -só são intocáveis a prorrogação da CPMF e da DRU (Desvinculação de Receitas da União, que permite o uso livre de 20% da arrecadação dos principais tributos), vitais para as contas federais.

Ironias
A estratégia foi fechada às 21h30, em reunião dos líderes governistas com os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda). O objetivo foi evitar o que se considerou um erro na negociação da reforma previdenciária: ceder muito cedo e ter de ceder de novo depois.

Os líderes ironizaram o impasse na reunião anterior com os governadores, na qual foi negado o pedido de isenção dos Estados e municípios das contribuições para o Pasep. Eles avaliaram que isso não impedirá a votação.

"Na minha vida política, nunca vi alguém elogiar um projeto antes de ele ser aprovado", disse o relator da reforma, Virgílio Guimarães (PT-MG).

Paulo Bernardo (PT-PR) duvidou da real disposição dos oposicionistas de votar contra o projeto. "Eu nem gosto do termo "oposição", porque pode parecer que eles se opõem a nós."

O discurso dos governadores foi diferente. "Se não houver entendimento até amanhã [hoje], a orientação dos governadores [às bancadas estaduais] é não votar o projeto", disse o mineiro Aécio Neves (PSDB). Marconi Perillo (PSDB-GO) disse que "os governadores têm uma força maior do que se imagina".

Os governadores avaliam que o confronto não interessa ao Planalto. Se o governo federal insistir em fazer valer sua maioria para atropelar as negociações, eles julgam que têm força suficiente para derrubar projetos de interesse da União. (GUSTAVO PATÚ, RANIER BRAGON e RAYMUNDO COSTA)


Lula e PMDB tentam acordo hoje em almoço
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com forte resistência a dar ao PMDB ministérios agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva almoça hoje com a cúpula do partido, a fim de tentar um acordo que garanta o apoio da sigla às reformas da Previdência e tributária.
Lula deverá dizer hoje claramente que o partido terá duas pastas, mas que só fará as nomeações na reforma ministerial, que pretende fazer até o final do ano.

Na cúpula do governo, havia divisão sobre o PMDB. Uma ala avaliava que talvez pudesse haver mudança pontual no ministério. Com o desgaste de Miro Teixeira (Comunicações), a pasta seria entregue ao partido. O PDT de Miro bombardeia as reformas. O ministro também entrou em rota de colisão com seus colegas José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci Filho (Fazenda) no episódio de reajuste de contratos de telefonia.

A Folha apurou que Lula resiste a atender o PMDB agora basicamente por dois motivos:

1) Se mudar um ministro, haverá pressão para tirar outros que não estariam funcionando.

2) Transmitirá imagem de troca fisiológica se der um ou dois ministérios, como exige o PMDB, na tramitação das reformas.
Hoje, as pastas mais prováveis para essa negociação são Comunicações e Cidades, ocupado pelo petista Olívio Dutra.

Os peemedebistas que devem almoçar com Lula são o presidente do Senado, José Sarney, os líderes Renan Calheiros (Senado) e Eunício Oliveira (Câmara) e o presidente do partido, Michel Temer. Dirceu também deve ir.

Furtado critica ênfase fiscalista da reforma
DA SUCURSAL DO RIO

O economista Celso Furtado, 83, afirmou ontem que o foco do debate sobre a reforma tributária está errado. Segundo ele, a discussão ignora a incidência de impostos sobre a população de baixa renda, concentrando-se na "redução" das taxas.

"O Brasil tem a carga tributária mais mal distribuída do mundo. O imposto pago pelo povo é muitas vezes maior que o pago pelo rico", afirmou, durante o primeiro dia do ciclo de seminários Brasil em Desenvolvimento, promovido pelo Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Autor do clássico "Formação Econômica do Brasil" e fundador, em 1959, da Sudene (Superintendência para Desenvolvimento do Nordeste), o economista lembrou que, no Brasil, os impostos incidem sobre o consumo e que esse sistema prejudica principalmente a camada da população de renda mais baixa, cujos ganhos são integralmente voltados para a compra de produtos de primeira necessidade, como alimentação.

"Você teria de mudar o perfil da carga tributária, de tal forma que os que ganham muito e que têm altos gastos de consumo pagassem muito mais impostos, como ocorre na Europa."

Segundo Furtado, a carga tributária no Brasil, em torno de 36% do PIB, é inferior à francesa (em torno de 40% do PIB) e à sueca (50% do PIB).

O economista, que fez um discurso em defesa da desconcentração de renda e de políticas sociais, elogiou o MST. (JULIANA RANGEL)

Palocci libera líderes para negociar
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Antonio Palocci (Fazenda) liberou os líderes do governo na Câmara para negociar um acordo com governadores, prefeitos e empresários para votar a reforma tributária, mas impôs condições: a CPMF e a DRU (Desvinculação de Receitas da União) têm necessariamente de ser aprovadas, e o Senado não pode, mais tarde, aumentar as concessões.

Palocci liberou os aliados com relutância. "Vamos ver", foi a senha passada aos líderes, depois que eles informaram o ministro de que, do jeito que está, a proposta não seria aprovada na Câmara. O maior temor de Palocci é fazer concessões e não assegurar, em troca, a CPMF e a DRU.

No final da tarde de ontem, os governadores tiveram uma reunião com o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). Em seguida, os líderes governistas se reuniriam no Planalto com os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Palocci para discutir o acordo. A reunião não havia terminado até a conclusão desta edição.

O acordo que o presidente da Câmara tenta costurar atenderia governadores, prefeitos e empresários. Os governadores levariam parte da arrecadação da Cide e o aumento no fundo para compensar os Estados pela isenção de ICMS nas exportações.

Para os municípios, o governo planeja conceder parte da Cide e assegurar que qualquer isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) feita a partir do ano que vem não implique redução do valor do Fundo de Participação dos Municípios.

Para atender aos empresários, o acordo em negociação na Câmara prevê um teto para as novas alíquotas do ICMS, exceções para a progressividade dos impostos sobre o patrimônio e uma regra que impeça empréstimos compulsórios por medida provisória.

Contra a reforma, PFL faz hoje "Dia da Forca"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ato público que será promovido hoje pelo PFL contra o aumento da carga tributária, batizado de "O Dia da Forca", terá como ponto alto em Brasília a encenação de uma peça mostrando contribuintes sendo enforcados por um carrasco, em frente ao Congresso Nacional, por um grupo de teatro de rua da capital federal.

Nos demais Estados, as manifestações pelo "Dia da Forca" foram realizadas ontem.

No evento, que está marcado para as 15h, será distribuída uma cartilha mostrando os pontos da reforma tributária que implicam aumento de impostos.

Também serão espalhados panfletos classificando o PT de "Partido dos Tributos".

Discursando sobre a manifestação do PFL, o líder do partido no Senado, José Agripino (RN), acusou ontem o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de propor a reforma tributária raciocinando que ""governar é aumentar impostos".

De acordo com Agripino, o governo federal deveria reduzir a carga tributária para combater a recessão e o desemprego, mas faz exatamente o contrário.

"O cidadão está aflito, com seu poder econômico reduzido e temendo a falta de emprego. Todos estão quebrados, principalmente os pequenos", afirmou o líder do PFL no Senado.

"Perversidade"
"Economistas do Brasil inteiro sabem que há condições para baixar a taxa de juros, mas o PT não o fez. Não entendo como o governo tem coragem de crescer a carga tributária nesse momento de tamanha retração. Isso é perversidade", disse Agripino.
Empresários e profissionais liberais foram convidados a participar do evento pelo senador Paulo Octávio e pelo deputado federal José Roberto Arruda, ambos do PFL do Distrito Federal.

SENADO

Auditores fiscais fazem protesto contra nome de Luiz Otávio para ministro do TCU

Cerca de 50 auditores fiscais do TCU (Tribunal de Contas da União) de Brasília fizeram ontem uma manifestação para tentar convencer o Senado a não aprovar a indicação de Luiz Otávio (PMDB-PA) para ser ministro do tribunal. O nome do senador já foi aprovado na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado e será submetido hoje ao plenário da Casa.

Para os auditores, a indicação de Luiz Otávio não obedece ao requisito exigido pela Constituição de ""idoneidade moral e reputação ilibada".

Luiz Otávio é alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal), com parecer da Procuradoria Geral da República pela abertura de ação penal contra ele, por crime contra o sistema financeiro. No próprio TCU, tramita uma denúncia contra a Rodomar, que foi administrada por, referente ao mesmo caso.

Ele nega que tenha sido beneficiado com recurso público. (DA SUCURSAL DE BRASÍLIA)

Porto de Santos é alvo de inspeção
DA REPORTAGEM LOCAL

A área aduaneira do Porto de Santos foi alvo ontem de uma inspeção judicial determinada pela desembargadora federal Marli Ferreira, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região.

O objetivo da inspeção é verificar se a liberação das mercadorias está ou não sendo prejudicada pela operação padrão (atividade mais lenta) dos fiscais da Receita Federal -que protestam há cerca de dois meses contra a reforma da Previdência.

Em agosto, o Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) entrou com um mandado de segurança coletivo na 8ª vara da Justiça Federal, em São Paulo, pedindo a liberação de mercadorias retidas por causa do protesto.

Em 12 de agosto, saiu uma liminar determinando que as mercadorias das 8.000 empresas associadas ao Ciesp retidas em alfândegas no Estado fossem liberadas.

Uma semana depois, a Procuradoria da Fazenda Nacional conseguiu a suspensão dessa liminar ao alegar que a operação padrão não estaria prejudicando a liberação de mercadorias.

Como o Ciesp protestou, apresentando documentos mostrando que muitas mercadorias ainda estavam sendo retidas, o TRF determinou a inspeção no Porto de Santos e nos aeroportos de Cumbica, em Guarulhos, e Viracopos, em Campinas.

Hoje, a verificação deve acontecer na alfândega do aeroporto de Viracopos, em Campinas.

Segundo o Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), a liminar foi cumprida pelos fiscais de 12 a 19 de agosto. O sindicato, que decide hoje se a operação padrão vai continuar, não garante se a liberação das mercadorias durante o período foi feita após a fiscalização ou se foi automática. A estimativa é que 90% dos fiscais estejam envolvidos no protesto.

As indústrias paulistas ligadas à Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) também conseguiram liminar para liberar mercadorias retidas em portos e aeroportos de São Paulo.