Domingo, 28 de setembro de 2003

Folha de S.Paulo

ELIO GASPARI

NA BRIGA DA RECEITA COM A POLÍCIA, DEU-SE MAL O VIGILANTE


Os ministros Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos ainda não se deram conta de que estão presidindo a favelização dos aeroportos brasileiros. No Rio, US$ 30 mil custaram a vida ao comerciante Chan Kim Chang. Em Cumbica, no dia 11 passado, um auditor da Receita (Antonio de Souza Coelho) relatou formalmente a seus superiores que foi ameaçado de morte por um policial federal que julga chamar-se Navarro.

O episódio mostra que se há no Brasil uma Casa da Mãe Joana, ela fica no aeroporto de Cumbica. Pelo seguinte:

Tanto a Receita quanto a PF haviam sido avisadas, por um agente da Abin, que um passageiro vindo de Roma (Alitalia 0672) tentara sair pela porta da Polícia Federal carregando uma pesada bagagem. (Doutores Palocci e Thomaz Bastos: os senhores conhecem alguém que já tentou sair de um aeroporto, por engano, pela porta da polícia?)

O cidadão foi detido pela Polícia Federal e seus agentes entraram na área sob jurisdição da Alfândega. Um deles ameaçou de morte o auditor Coelho. Nisso, um vigilante da empresa Oficio, que presta serviços à Receita, entrou no lance, do lado do auditor. Foi derrubado, desarmado, detido e levado para as dependências da PF. Saiu de lá para o Hospital Santa Marcelina.

Até aí tudo bem. Um contrabandista tenta sair do aeroporto pela porta da polícia, agentes invadem a Alfândega, ameaçam um auditor de morte, um agente de segurança entra na confusão, é detido e se machuca.

Como a Viúva pagou a instalação de um circuito interno de TV na sala da Alfândega, essa confusão deve estar registrada. Nada feito. As câmeras estão desligadas. Por quê? O doutor Palocci pode saber.

As câmeras falham, mas deve existir um registro da ocorrência. Com a palavra o auditor Coelho: “A partir da chegada do delegado da Polícia Federal no aeroporto de Cumbica, sr. Troncon, ele e o João Figueiredo (inspetor substituto da Alfândega) assumiram o controle da situação, propondo a elaboração de um documento omitindo os detalhes do conflito.”

Isso tudo aconteceu no dia 11. Na semana seguinte a Polícia Federal e a Receita reuniram-se em Cumbica e em Brasília. O secretário da Receita, Jorge Rachid, foi informado do que aconteceu. A presidente do Unafisco, Maria Lucia Fatorelli, também teve um relato do charivari.

Inquérito? Nem pensar. Os fatos relacionados com o episódio só não ficaram nos conventículos de Brasília porque o relatório do auditor Antonio de Souza Coelho, rubricado, datado e assinado, bateu asas e voou.

Do ponto de vista do ministro Thomaz Bastos, o caso é ameaçador. Pressupondo-se que semelhante confusão pudesse ser esquecida pelos participantes, os padrões de silêncio do aeroporto de Cumbica teriam chegado a um nível semelhante aos do Complexo do Alemão, no Rio.

Do ponto de vista do ministro Palocci, a situação está feia. Ou o relatório do auditor Coelho merece fé e, nesse caso, armou-se um simulacro de mal-entendido para abafar uma ameaça de morte, ou ninguém lhe deve dar crédito. Tudo bem, mas se ele não merece fé para relatar o que lhe sucede, como haverá de merecê-la para autuar contribuintes?

E o vigilante? Desse ninguém cuidou. O doutor Rachid não lhe deu um telefonema. Até a noite do dia 18 a doutora Fatorelli, presidente do sindicato dos auditores, não o havia procurado.

Se o homem do ouro era um avulso, faltou-lhe sorte. Se fosse um dos integrantes das quadrilhas que operam entre a Europa e o Brasil trazendo jóias e levando pedras brutas, teria perdido uns US$ 200 mil mas poderia lançar o prejuízo no Risco Brasil. Entre o homem da mala do ouro, o auditor e os policiais, o vigilante era o menor salário a bordo.

Alguém poderia se interessar por esse brasileiro. Ele é um terceirizado. Não está na folha da Viúva, mas é filho de Deus.


LIGAÇÕES PERIGOSAS: Auditores da Corregedoria da Receita Federal apreendem correspondência eletrônica que reaviva caso

Em carta, EJ conta como "protegeu" as suas empresas
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          Documentos apreendidos por auditores da Receita Federal em escritórios de Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro expõem detalhes da tática adotada por Eduardo Jorge Caldas Pereira para "proteger" os seus negócios da curiosidade do Fisco e do Ministério Público.
          Há dois meses, numa mensagem eletrônica enviada a seus sócios, Eduardo Jorge anotou que "os procedimentos de isolamento" implementados três anos atrás "já não fazem sentido".
          Investigado desde 2000 por suposto enriquecimento ilícito, falava da "perspectiva de solução final" da "crise". Nada havia sido comprovado.
          Quando escreveu aos sócios, às 11h30 do último dia 29 de julho, o ex-secretário-geral da Presidência da República (gestão FHC) não imaginava o que ocorreria dali a 39 dias. Apreendido por auditores da Corregedoria da Receita, o texto de seu e-mail reavivou o chamado caso EJ, uma tormenta que supunha encerrada.
          Na última segunda-feira, em ofício à Justiça, o Fisco informou ter enxergado na correspondência eletrônica do ex-secretário-geral "indício de fraude contábil e fiscal". Na correspondência eletrônica retida pela Receita, Eduardo Jorge menciona empresas até então desconhecidas dos investigadores. Fala de acordos negociais. Sugere a elaboração de contrato informal. Discorre sobre "dívidas" e "créditos".
          Eduardo Jorge reage com indignação à nova investida do Fisco: "Trata-se de uma armação. Estão procurando chifre em cabeça de jumento". Seu calvário recomeçou na noite do dia 27 de agosto.

          "Pressões"
          Em depoimento à Corregedoria da Receita, o auditor Ruben de Seixas Neto denunciou supostas pressões que teria recebido da cúpula da Receita para "concluir rapidamente e sem resultados" uma fiscalização sobre EJ.
          Seixas Neto repetiu a acusação perante o Ministério Público. Foi imitado pela auditora Rosa de Oliveira, sua parceira na fiscalização. Conforme revelou a Folha na edição do sábado passado, documentos internos da Receita põem em xeque a imputação dos fiscais.
          As alegadas "pressões" seguem pendentes de comprovação. O que não impediu a Corregedoria da Receita de realizar, em 5 de setembro, diligência para confiscar papéis nos escritórios de empresas que têm EJ como cotista.
          Foi nessa operação que o e-mail de EJ foi apreendido, junto com papéis que recheiam mais de cem caixas. Encontram-se lacradas em Brasília, por ordem judicial resultante de ação movida por advogado das empresas.
          Antes que a ordem chegasse aos escritórios da Receita, uma equipe de auditores pôde analisar o conteúdo de duas caixas.Além da mensagem eletrônica, manusearam-se outras duas correspondências de EJ.
          Ambas foram endereçadas aos sócios dele no Grupo Meta, composto de duas firmas -a Metaplan, de planejamento empresarial, e a Metacor (seguros).
          Em uma das correspondências, de 30 de agosto de 2000, EJ formaliza o seu "afastamento" do conselho consultivo do Grupo Meta. Alega que o "intenso processo de denúncias" a que vinha sendo submetido o forçava a dedicar-se exclusivamente à sua defesa. A fiscalização do Fisco fora iniciada em 4 de agosto de 2000.
          Na outra correspondência, de 4 de setembro de 2000, EJ formaliza os "acordos verbais" que celebrara com os sócios Ivan Carlos Machado de Aragão, Eduardo São Clemente D'Azevedo Neto e Cláudio Haidamus. O documento informa o seguinte:
          1) em 1º de abril de 1999, EJ recebeu "gratuitamente" 10% das cotas da Metaplan e da Metacor. Ganhou naquele mesmo ano R$ 352 mil em dividendos;
          2) no primeiro semestre de 2000, quando "foram distribuídos lucros referentes aos terceiro e quarto trimestres de 99", EJ recebeu mais R$ 903.723,88. Importância que excedia ao que lhe caberia de acordo com sua participação acionária, classificada no documento como uma "distribuição de lucros desproporcionais";
          3) em julho de 2000, EJ recebeu novos dividendos: R$ 28.728,34;
          4) Afora a distribuição de lucros, a Meta pagou a EJ em 99 mais R$ 160 mil. São honorários por serviços que, segundo o texto da carta, foram prestados por uma consultoria de sua propriedade, a EPJ;
          5) EJ assumiu com os sócios o compromisso de "compensar" os R$ 903,7 mil auferidos na "distribuição de lucros desproporcionais" em partilhas futuras de lucros. Algo que não ocorreu até hoje;
          6) a carta de EJ converteu-se numa espécie de contrato. Foi assinada pelos demais sócios. O espaço reservado à assinatura de Eduardo São Clemente D'Azevedo ficou em branco. O sócio não rubricou o papel.

          "Acerto do passado"
          Dos três documentos apreendidos pela Receita, o que mais chamou a atenção dos auditores foi o e-mail datado de 29 de julho deste ano. Na mensagem eletrônica, EJ busca repactuar as condições expostas nas duas correspondências que o Fisco apreendeu e que datam de 2000.
          No e-mail, EJ chama a repactuação de "encaminhamento de acerto do passado". Foi discutida em reunião com os sócios, conforme explicitado no cabeçalho: "itens para pauta de nossa reunião de hoje", 29 de julho de 2003.
          "O que fazer com o documento assinado, lá atrás, e que se destinava a proteger a Meta de especulações?", indaga EJ no texto da mensagem eletrônica. "Como eliminá-lo? É necessário o distrato. ESC [Eduardo São Clemente, o sócio que não assinou o acordo], como um dos signatários (e detentor de uma cópia), deve participar desse eventual distrato ou basta rasgarmos o documento? Como e quando fazê-lo?"
          A correspondência eletrônica de EJ menciona também a necessidade de promover o "descruzamento" entre o Grupo Meta e uma firma desconhecida do Fisco. Chama-se Alleanza. Foi aberta no calor das investigações do caso EJ. Recebeu do Grupo Meta parte da carteira de clientes de seguros.
          Embora não seja sócio da Alleanza, EJ é de fato o único responsável pelo faturamento da empresa. Ele diz no e-mail: "Se se considerar que praticamente 100% da receita da Alleanza é proveniente de clientes suportados por mim, eu acharia, em princípio, que deveríamos achar uma forma de equilibrar as coisas."
          O ex-secretário cita ainda na mensagem digital outra firma ignorada pelo Fisco, a VML. Sobre essa empresa, ele diz no texto:  "Não estaria na hora de formalizar as participações [na VML]? Seja no próprio contrato social ou -se se julgar que ainda existem riscos- num contrato entre nós?" Para o Fisco, trata-se de contrato de gaveta.
          De novo, EJ não compõe o quadro de sócios da VML, outra firma de seguros. Mas fala aos sócios como se tivesse participação ativa. Menciona até mesmo negócios em andamento.

Auditores vêem indícios de uma fraude contábil
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          Em documento oficial, os auditores da Receita dizem ter encontrado "indício de fraude contábil e fiscal, mediante conluio entre os sócios".
          O documento da Receita é chamado de "Relatório de Diligência Fiscal". Foi produzido em 8 de setembro de 2003 e remetido ao Ministério Público e à Justiça Federal. Lendo-o descobre-se o que a Receita depreendeu dos papéis.
          1) o "afastamento" de EJ dos negócios "tratou-se de uma simulação";
          2) a "distribuição desproporcional" de lucros de R$ 903,7 mil visou "regularizar, mediante simulação, a variação patrimonial a descoberto que teria pela reforma do apartamento de sua propriedade";
          3) "há indício de fraude contábil e fiscal, mediante conluio entre os sócios" do Meta;
          4) a criação da firma Alleanza visou "esvaziar as receitas do Grupo Meta", sob diligência fiscal, "transferindo receitas para empresa na qual EJ não aparecia como sócio;
          5) EJ tem participação efetiva na firma VML. Ao aventar a hipótese de formalizar tal participação mediante contrato de gaveta, tenta evitar o "risco" de submeter o negócio ao "conhecimento dos órgãos de fiscalização".
          Em entrevista à Folha, EJ rebateu, uma a uma, todas as suspeitas. A reportagem submeteu os documentos apreendidos à análise de dois dois auditores do Fisco que não estão envolvidos nas apurações.
          Ambos disseram que, a despeito da natureza pouco ortodoxa dos negócios de EJ, a imposição de infrações fiscais ao ex-secretário de FHC depende do surgimento de fatos novos.

OUTRO LADO : Eduardo Jorge vê "fraude" e "armação" em ação da Corregedoria da Receita Federal

"E-mail prova que somos santos", diz EJ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em entrevista à Folha, Eduardo Jorge Caldas Pereira usou duas palavras para classificar o trabalho da Corregedoria da Receita Federal: "fraude" e "armação". Os auditores "não respeitaram os procedimentos mínimos de defesa dos acusados", revoltou-se. Disse mais: "Esses documentos apreendidos só provam que somos santos". Abaixo, a entrevista.

Folha - Como o sr. recebe a nova investida do Fisco?
Eduardo Jorge Caldas Pereira - Como fraude. Há uma ordem judicial que mantém os documentos em segredo. Já me aplicaram uma multa fraudulenta. Agora invadiram as empresas com revólver na cinta. É uma armação. Fizeram uma busca e apreensão concluída na noite de uma sexta. Já na manhã de segunda mandaram um relatório para o Ministério Público. É esse o procedimento usual da Corregedoria? Não respeitaram princípios mínimos de defesa dos acusados.

Folha - A Receita diz, em documento oficial, que os R$ 903 mil que o sr. recebeu do Grupo Meta, a título de distribuição antecipada de lucros, serviram para regularizar, mediante simulação, variação patrimonial a descoberto da reforma de seu apartamento no Rio.
Eduardo Jorge - É besteira. O patrimônio sempre esteve coberto. A reforma ocorreu no primeiro semestre do ano 2000. E o acordo para distribuição de dividendos foi em 99. Recebi em cheques, em 1999 e no princípio de 2000. É uma impossibilidade contábil. Não se pode encobrir um patrimônio a descoberto com o recebimento de novas rendas. Tudo já foi fiscalizado pela própria Receita, que considerou a operação regular. Esses documentos apreendidos pela Receita só provam que somos santos. Tendo que me afastar fisicamente das empresas, deixei com meus sócios algo que garantisse a eles o que nós tínhamos combinado de boca.

Folha - Em mensagem eletrônica de julho de 2003, o sr. lembra aos sócios que a necessidade de proteger o Grupo Meta levou à adoção de procedimentos de isolamento que não fariam mais sentido. Que procedimentos foram esses?
Eduardo Jorge - O meu afastamento do conselho consultivo. Agora faz sentido o meu retorno. Esse e-mail era exatamente para organizar uma reunião em que íamos formalizar isso.

Folha - Para a Receita o seu afastamento de fato jamais ocorreu.
Eduardo Jorge - Deixei o conselho consultivo. Nunca afirmei que tinha deixado de ser sócio. As cotas que possuo do Grupo Meta estão na minha declaração de rendimentos até hoje.

Folha - Entre os papéis apreendidos há uma carta de 4 de setembro de 2000. Trata do seu afastamento do conselho das empresas e relaciona o dinheiro que o sr. já havia recebido. Por que a carta foi feita?
Eduardo Jorge - O objetivo era dar aos meus sócios a segurança para que, a partir dali, continuassem a fazer distribuição desproporcional de dividendos, agora contra mim, já que tinha havido distribuição desproporcional a meu favor durante algum tempo.

Folha - No e-mail de julho de 2003 o sr. faz menção à necessidade de repactuar com os sócios o que fora acertado no documento de 2000. Levantou a hipótese de simplesmente rasgar o papel. Para a Receita seria "eliminação de prova".
Eduardo Jorge
- Estão procurando chifre em cabeça de jumento. Eles dizem que o documento teria sido feito para regularizar situação patrimonial a descoberto. Pergunto: porque nunca utilizei esse papel? Qual o patrimônio a descoberto que foi regularizado por ele? Eu apenas disse para os meus sócios que a gente tinha de fazer um novo entendimento. Como? Fazendo um distrato? Simplesmente rasgando?

Folha - No mesmo e-mail de julho, o sr. menciona uma empresa (Alleanza), cujo faturamento seria 100% garantido por clientes seus. Os sócios são praticamente os mesmos do Grupo Meta. O seu nome, porém, não consta da sociedade.
Eduardo Jorge - Quando houve o caso Eduardo Jorge um dos sócios se apavorou. Ficou com medo do que aconteceria com as empresas. Então a gente fez uma cisão. E ficou um pedaço da clientela, a privada, com a Alleanza. A clientela pública manteve-se com a Meta.

Folha - Estamos falando de mercado de seguros?
Eduardo Jorge - Sim. Quanto à receita da Alleanza, ela vem de clientes que eu tinha sido o contato. Não tem nada demais nisso.

Folha - Na mesma mensagem, o sr. fala da necessidade de promover o descruzamento da Meta e da Alleanza. O que quer dizer isso?
Eduardo Jorge - Você passou a ter a Alleanza no Rio e a Meta em Brasília. Com o tempo, o afastamento começa a gerar conflitos. Como a Meta é uma das sócias da Alleanza, um pedaço do lucro tinha que ser repassado para a Meta. Decidimos descruzar. A parcela que era da Alleanza reverte para o pessoal de Brasília, para a Meta.

Folha - O sr. anota no e-mail que 100% da receita da Alleanza, da qual nem era sócio, vem de clientes seus. E cobra dos sócios providências para equilibrar as coisas.
Eduardo Jorge - No ramo de seguro, o camarada que traz o cliente costuma ganhar uma participação na lucratividade da apólice. Como virou tudo para a Alleanza e agora a gente está fazendo a reconstituição eu digo: olha, se são clientes que eu arranjei, todos privados, diga-se, como fica isso? Eu não sou sócio da Alleanza e não posso receber essa participação nos lucros. Estou colocando pontos sobre os quais os sócios precisam pensar.

Folha - Ainda no texto de seu e-mail, o sr. fala de outra empresa, a VML. O que é VML?
Eduardo Jorge - É uma empresa que a gente está tentando montar.

Folha - Ainda não foi montada?
Eduardo Jorge - Eu ainda não sou sócio dela. Acho que já foi montada. Vou participar. É esse o nosso acordo.

Folha - Dirigindo-se aos sócios, o sr. disse que não recebeu nada das empresas nos últimos três anos. E fala de uma distribuição de dividendos da VML. Foi, segundo suas palavras, "levada a crédito de meu passivo", sem consulta prévia. Se o sr. ainda não é sócio da VML, por que faria jus a dividendos?
Eduardo Jorge - Estamos falando de uma besteirinha -R$ 10 mil, R$ 25 mil. Quando a situação da Meta se agravou, decidimos que certas facilidades, como motorista e plano de saúde, passariam a ser reembolsadas por nós.

Folha - O que tem a VML com isso?
Eduardo Jorge - Como houve uma distribuição de lucro na VML em favor da Meta, eles pegaram o pedaço que viria a ser distribuído a mim e usaram para abater do débito de pagamento de seguro saúde e motorista.

Folha - O sr. pergunta ainda aos sócios no e-mail se não estaria na hora de formalizar as participações na VML. Diz o seu texto: "Seja no próprio contrato social ou, se se julgar que ainda existem riscos, num contrato entre nós". O que é um "contrato entre nós"?
Eduardo Jorge - O que está dito aí é o seguinte: estamos combinados que vou participar da VML. Não está na hora de a gente formalizar essa participação? Se essa participação tem risco político, ou seja, se o nome Eduardo Jorge ainda é pesado para ser carregado, vamos fazer isso formalmente ou vamos fazer num contrato de gaveta, como diz o relatório da Receita, ou ainda de outras formas, como o contrato de trabalho ou um contrato civil registrado em cartório e declarado no Imposto de Renda.

Folha - O sr. acha correto o contrato de gaveta?
Eduardo Jorge - Por que não? Sou um camarada que foi endemoniado durante três anos. As pessoas têm que se proteger. A questão é outra: se houver um contrato de gaveta eu vou ter rendimento? Se tiver rendimento, vou declarar esse rendimento? Como? A questão não se pôs até agora, porque ainda não houve isso, vocês estão presumindo que eu ia sonegar, que eu ia burlar o Imposto de Renda no futuro.

Folha - Não presumo nada, mas o Fisco diz, em documento oficial, que se trata de uma tentativa de fugir à fiscalização.
Eduardo Jorge - Eles estão me fazendo uma fiscalização futura?

Folha - Pelo que entendi, eles supõem que, ao mencionar a hipótese de um contrato informal, o sr. está falando de algo que, à sombra de uma gaveta, não está exposta aos olhos da fiscalização.
Eduardo Jorge - Isso quer dizer que eu vou sonegar? Pode-se sonegar com contrato de gaveta ou sem ser de gaveta.

Folha - O objetivo de um contrato de gaveta não é o de ocultar a participação num negócio?
Eduardo Jorge - O objetivo de um contrato de gaveta, eventualmente, neste caso, seria o de deixar um sócio que está sendo atacado pela imprensa não aparecer publicamente.


Folha - Como ficou a dívida decorrente da antecipação de dividendos de R$ 903 mil que o sr. recebeu do Grupo Meta em 2000, já foi liquidada?
Eduardo Jorge - Não. Digo no e-mail que, como mudou a situação, a gente não vai poder liquidar como combinado. Mudou a conjuntura. E se você tem uma empresa e faz uma distribuição desproporcional em favor de algum sócio, esse compromisso é puramente moral, não é dívida contábil, não é dívida cobrável. Meus sócios não podem chegar para mim e dizer: você me deve tanto.

Folha - Quanto já foi amortizado dos R$ 903 mil?
Eduardo Jorge - Não sei. Veja bem, isso não é uma dívida, é um compromisso moral.

Folha - Não deveria ser uma dívida?
Eduardo Jorge - Por quê?

Folha - O sr. recebeu dividendos acima dos recebidos pelos seus sócios. Em consequência, ficou devedor deles.
Eduardo Jorge - Suponha que eu dê a você R$ 200 mil. Quando você puder, você me devolve. Você tem uma dívida comigo?

Folha - Se recebo um empréstimo, claro que sou devedor.
Eduardo Jorge - Não, não. Eu vou te dar R$ 200 mil. Ou seja, o contrato de distribuição de dividendos desproporcionais se finaliza ali, não existe dívida. Numa empresa de capital e serviços, é comum que a distribuição seja feita em parte pela proporcionalidade do capital e em parte pela contribuição à lucratividade da empresa. Como sócios, teremos que sentar e apurar direito isso.

Folha - Seus sócios são generosos, não?
Eduardo Jorge - Depende.

Folha - Se tenho cotas de uma empresa e meus sócios concordam em me dar R$ 903 mil sem compromisso, digo que são generosos.
Eduardo Jorge - Tenho o compromisso de ficar com eles e de trabalhar para conseguir que a empresa cresça.

Folha - Continua sendo generosidade.
Eduardo Jorge - Não, é um investimento. A empresa estava de vento em popa, tinha excelentes perspectivas.

Folha - O sr. não se considera devedor.
Eduardo Jorge - Legalmente, não. Posso ser devedor moralmente.