Quarta-feira, 08 de outubro de 2003

Folha de S.Paulo

FISCO EM GUERRA: Inquérito é aberto a pedido do secretário Rachid, que insinua que corregedor-geral divulgou gravações

PF investiga vazamento de dados da Receita
IURI DANTAS / LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          A Polícia Federal vai investigar, a pedido do próprio secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, o suposto vazamento de informações do fisco. A Folha apurou que a PF abriu ontem inquérito para apurar o caso.
          O principal alvo é o corregedor da Receita, Moacir Leão, que tem levantado suspeitas contra Rachid. Anteontem, Leão disse ter recebido informação de que uma denúncia contra ele teria sido "forjada" no gabinete do secretário, segundo revelou a Folha.
          "As pessoas que expõem a Receita serão responsabilizadas, inclusive pelo vazamento de informações", disse ontem pela manhã Rachid. Foi a primeira declaração pública dele sobre o caso.
          No final da tarde, a Receita divulgou nota em que classificou de "totalmente absurda e desprovida de qualquer fundamento" a informação de que a denúncia contra o corregedor teria sido elaborada no gabinete de Rachid.
          Ainda segundo a nota, "o vazamento de informações sigilosas, que pode comprometer a credibilidade da Receita Federal e de seu corpo funcional, é fato reprovável que reclama rigorosa apuração e punição dos responsáveis".
          Ao mesmo tempo em que a Receita divulgava a nota, o corregedor procurava justificar o comportamento que tem adotado. Leão tem informado à imprensa resultados obtidos pela Corregedoria no caso de corrupção de servidores da Receita no Rio. "Quando nós apuramos fraudes, estamos tratando de dinheiro público que foi roubado. Quando o corregedor fala para a população como funciona uma fraude, a quantidade de dinheiro que foi roubada, não há que se falar em vazamento de informação. Esse é o princípio de transparência, porque é a sociedade que nos paga."

          Palocci
          O inquérito aberto pela PF pode ser interpretado como uma demonstração de força do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) para resolver a "batalha" que está sendo travada na cúpula da Receita. O único movimento que o ministro havia feito fora a criação, no mês passado, de comissão da Procuradoria da Fazenda para tomar a frente de processo administrativo aberto pela Corregedoria contra o ex-secretário-adjunto da Receita Leonardo Couto.
          Agora, Palocci pediu ao ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) para que a PF fique de prontidão para uma eventual necessidade de ampliar o trabalho na Receita. A avaliação do ministro da Fazenda é que uma devassa possa ser necessária para que não restem dúvidas sobre a posição da Fazenda em relação ao caso.
          Foi o ministro quem nomeou Rachid para o cargo. O atual secretário veio da administração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O fato de Palocci ter mantido Rachid e sua equipe no comando da Receita é tido como o principal motivo da disputa de poder que existe hoje no órgão.
          No final de semana passado, a TV Globo e a revista "Época" divulgaram gravações de conversas do ex-secretário adjunto da Receita Leonardo Couto nas quais havia supostas ameaças ao corregedor. O episódio resultou na queda de Couto, que pediu exoneração do cargo. Segundo a Folha apurou, a cúpula da Receita acredita que foi Leão quem passou à imprensa as gravações.

 

FISCO: Gasto superior a R$ 5.000 será visto

Receita terá dados de despesas com cartões
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          No final de dezembro, a Receita Federal já terá informações sobre os contribuintes que gastaram mais de R$ 5.000 por mês com cartões de crédito no primeiro semestre do ano. Os contribuintes que não tiverem rendimento compatível com os gastos serão intimados a dar explicações.
          Também no final do ano serão intimados os contribuintes que não tiverem declarado compras de imóveis no ano passado ou omitido informações relevantes sobre transações imobiliárias.
          No primeiro semestre, construtoras e imobiliárias foram obrigadas a preencher a Dimob -uma declaração de transações imobiliárias feitas no ano passado.
          Esses dados foram cruzados com os apresentados nas declarações de pessoas físicas deste ano.
          Até o final deste mês, as empresas administradoras de cartões de crédito informarão à Receita os gastos de pessoas físicas acima de R$ 5.000 e os pagamentos a uma mesma empresa, acima de R$ 10 mil. O limite é mensal.

 

 

REFORMA AOS PEDAÇOS: Planalto pretende separar tributação do IPI e do ICMS

Governo propõe novo fundo de compensação aos Estados
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          Na tentativa de aplacar as resistências dos governadores à sua intenção de alterar a reforma tributária, o Senado anunciou a proposta de criar mais um fundo de compensação aos Estados -mas ontem mesmo houve reações enfáticas contra a idéia.
          O novo impasse diz respeito à principal inovação defendida pelos senadores na reforma: com o aval do governo, deseja-se a separação da tributação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), federal, e do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), estadual.
          Pela idéia, o IPI passaria a incidir sobre apenas três produtos: combustíveis, que hoje não são tributados pelo imposto, cigarros e bebidas. As mercadorias restantes ficariam exclusivamente com o ICMS, que hoje incide sobre todos os artigos tributados pelo IPI.
          Apesar da aparente vantagem para os Estados, os governadores não aceitam perder a receita do ICMS sobre os combustíveis -que hoje responde por cerca de 20% da arrecadação total do imposto, ou algo em torno de R$ 20 bilhões anuais. Para contornar o problema, o relator da reforma no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que pretende "criar um modelo que vai resolver o problema dos governadores": com os recursos do futuro IPI sobre combustíveis, equivalentes à arrecadação atual do imposto, o governo federal pode garantir aos Estados, por meio de repasses, a mesma receita de hoje.
          "O novo IPI vai equalizar as perdas dos Estados", disse Jucá, argumentando ainda que a nova sistemática do ICMS vai reduzir a sonegação e as contestações judiciais. "A arrecadação vai aumentar para tudo que é lado."
          O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), reforçou: "Pode-se discutir uma cláusula de segurança. Ninguém aqui vai fazer nada para prejudicar os Estados".

          Críticas
          "É uma loucura, é mais um fundo de compensação", reagiu Albérico Mascarenhas, da Bahia, coordenador do Confaz, conselho que reúne os secretários estaduais da Fazenda. Os Estados já vivem confrontos com o governo nas negociações da reforma por causa dos fundos de desenvolvimento regional e de compensação pelas perdas com o fim do ICMS sobre as exportações. "Por que não fazem o contrário -deixar os combustíveis, as bebidas e os cigarros com os Estados e o resto para o governo?", questionou.
          O deputado Walter Feldman (PSDB-SP), diretamente ligado ao governador paulista, Geraldo Alckmin, também rejeitou a proposta. Já o governador Roberto Requião (PMDB-PR), que ontem esteve com Jucá, apoiou a nova fórmula do IPI. Requião chegou a defender a inclusão dos automóveis entre os produtos sujeitos ao imposto federal, como forma de combater a guerra fiscal.
          Mesmo que o Senado supere as resistências dos Estados e aprove a separação entre IPI e ICMS, a regra terá de ser examinada pela Câmara, por se tratar de uma alteração na reforma. Assim, são remotas as chances de aprovação ainda neste ano. Destino semelhante poderá ter a proposta mais importante da reforma: a unificação da legislação do ICMS, que também tende a ser alterada pelo Senado. E, no ano eleitoral de 2004, as chances de uma aprovação rápida caem drasticamente.

          Alimentos mais caros
          A reforma tributária vai elevar -e não reduzir, como promete o governo- os preços dos alimentos, afirma estudo realizado pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
          Segundo a entidade, que levou em consideração um modelo dado como provável para a regulamentação da reforma, as novas regras propostas para o ICMS vão encarecer a produção de produtos básicos como batata (16%), leite (12%), arroz (10%), feijão e carne bovina (7%).
          Motivo: ao proibir isenções, reduções de base de cálculo e outras vantagens oferecidas pelos Estados na guerra fiscal pela atração de empresas e investimentos, a reforma extinguirá também benefícios hoje válidos para o setor de insumos agropecuários.