Terça-feira, 04 de novembro de 2003

Folha de S.Paulo

RECEITA EXTRA: Para Fazenda, minirreforma tributária beneficia produtos elaborados; setores de construção e saúde saem perdendo

Nova Cofins pune serviços e favorece indústria
GUSTAVO PATÚ / DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          Estudo do Ministério da Fazenda mostra que a minirreforma tributária anunciada na sexta passada beneficiará a indústria e tende a baratear os produtos mais elaborados, inclusive nas exportações. Em contrapartida, o setor de serviços será mais tributado, o que implicará preços mais altos.
          O trabalho diz respeito à nova cobrança da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), principal contribuição social cobrada pela União, com receita de R$ 52,3 bilhões no ano passado. A arrecadação total da União é de R$ 324,9 bilhões.
          Pela medida provisória editada na semana passada, a Cofins, que incide sobre o faturamento das empresas, passará, a partir de 2004, a seguir o regime de tributação sobre valor agregado -ou seja, as empresas poderão descontar do tributo devido os gastos com a compra de insumos em etapas anteriores da produção.
          Trata-se de uma reivindicação antiga de empresários e especialistas, para os quais a atual cumulatividade da Cofins -a incidência do tributo de forma sucessiva em todas as etapas da produção- favorece o caixa do governo, mas distorce preços e torna os produtos brasileiros menos competitivos que os estrangeiros.
          Não por acaso, encabeçam a lista dos beneficiados, segundo a Fazenda, setores como fabricação de produtos alimentares e bebidas, metalurgia, química, papel, artigos de couro, equipamentos de transporte, máquinas e equipamentos, além do comércio atacadista e varejista.
          São, de maneira geral, setores de longas cadeias produtivas, dos quais o resultado final são os produtos chamados de maior valor agregado - aqueles cuja exportação o governo quer estimular.

          Aumento de alíquota
          Os defensores da regra finalmente adotada pelo governo sempre pensaram na desoneração da indústria. O governo, porém, teve de pensar também em seu caixa. Por isso, o alívio concedido a determinados setores terá de ser compensado por uma maior tributação sobre outros.
          A alíquota da Cofins subirá de 3% para 7,6%, para evitar perdas com a base de cálculo menor do tributo -que hoje é o faturamento das empresas e passará, em 2004, a ser o faturamento menos gastos com insumos.
          Com isso, perdem setores nos quais as cadeias produtivas são menores: eles pagarão a alíquota mais alta, mas não terão um grande volume de insumos a ser descontado no pagamento da Cofins.
          Entre os prejudicados, estão os setores de construção, transporte terrestre, eletricidade, saúde e serviços sociais, comunicações, informática e ensino.
          O estudo da Fazenda se baseou no exemplo da arrecadação de outra contribuição sobre o faturamento, o PIS -que, numa experiência preparatória para as mudanças na Cofins, deixou neste ano de ser cumulativo e passou a seguir o regime de valor agregado.
          De forma análoga ao que ocorrerá com a Cofins, o PIS teve sua alíquota elevada de 0,65% para 1,65%. Observando o comportamento da receita do PIS de janeiro a agosto, a Fazenda mapeou os setores beneficiados com a nova fórmula e os prejudicados.
          Com o novo modelo, a receita do PIS no período cresceu 41,4% -chegou a R$ 11,2 bilhões nos primeiros oito meses deste ano, contra R$ 7,9 bilhões no mesmo intervalo de 2002.
          No caso da Cofins, estima-se uma receita extra de R$ 4 bilhões.


Para tributaristas, imposto e inflação sobem
MARCOS CÉZARI / DA REPORTAGEM LOCAL

          Mais imposto e mais inflação. Esse será o resultado do fim da cumulatividade da Cofins determinada pelo governo na última sexta-feira, na avaliação de especialistas em tributação consultados ontem pela Folha.
          Segundo estudo elaborado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), o custo médio do tributo sobre o faturamento das empresas tributadas pelo lucro real subirá dos atuais 3% para 4,01% -mais 33,67%.
          Para o estudo, o instituto pesquisou 93 setores da economia, entre indústria, comércio atacadista e varejista e de serviços. Desses 93 setores, 67 (ou 72%) pagarão mais Cofins, conclui o estudo.
          Segundo Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT, o impacto final sobre os preços dos produtos e serviços, que hoje é de 6,31%, subirá para 8,39% a partir de fevereiro do próximo ano.
          Na média, o setor industrial terá custo efetivo de 2,96% com a nova sistemática da Cofins. O comércio atacadista terá média de 3,01%; o comércio varejista, de 3,39%; e o de serviços, de 5,34%.
          Como já havia ocorrido em janeiro, quando o PIS deixou de ser cumulativo (a alíquota subiu de 0,65% para 1,65% do faturamento), o setor de serviços será novamente o mais punido com o fim da cumulatividade da Cofins.
          Isso é tão evidente que a advogada Elisabeth Lewandowski Libertuci, do escritório Libertuci Advogados, não tem dúvida em afirmar que "o setor de serviços foi o escolhido, pelo governo, para pagar a conta do ajuste fiscal".
          Além do aumento do PIS desde janeiro, o setor também foi punido, desde setembro deste ano, com o aumento da base de cálculo da CSLL (contribuição sobre o lucro) de 12% para 32%.
          "Não há o que discutir: haverá aumento da carga fiscal. Quando a sociedade pede o fim da cumulatividade de um tributo, está pedindo uma alíquota mais palatável. Mudar apenas para aumentá-lo não faz o menor sentido."
          Segundo Plínio Marafon, da Braga & Marafon Consultores e Advogados, "o fim da cumulatividade da Cofins elevará os preços". Como consequência, "mais inflação e desestímulo ao investimento estrangeiro no país pelo aumento da carga fiscal".
          Marafon alerta para um detalhe: quem importa e não tem alternativa de substituir a matéria-prima do exterior vai ter de aumentar o preço. Quem importa e pode substituir por similar nacional poderá ter dificuldade de aquisição, pois o aumento da demanda pode provocar falta de produto. Resultado: quem produz a matéria-prima vai elevar o preço.
          Segundo o advogado, o governo aplicou a mesma regra do PIS à Cofins (alta superior a 153%) com a intenção clara de aumentar a arrecadação. "Empate é risco. Assim, para o governo é melhor calibrar a alíquota para cima e depois reduzi-la do que o contrário."

          IPI
          A redução gradual do IPI sobre bens de capital foi uma boa medida, dizem os tributaristas. Além disso, o prazo maior para apurar o imposto (dos atuais 10 para 15 dias em 2004 e mensal a partir de 2005) também foi elogiada. "Faz sentido dentro de um ambiente de inflação baixa", diz Libertuci.

 


RECEITA EXTRA: Empresas que recebem terão desconto de tributos, no total de 4,65%

Fisco exige pagamento antecipado
SÍLVIA MUGNATTO / DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          Além do aumento de arrecadação com a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a medida provisória nº 135 editada pelo governo na sexta-feira passada estabelece o pagamento imediato (na fonte) de vários tributos.
          O governo, entretanto, não informou qual a receita adicional prevista com essas mudanças durante o próximo ano.
Tratando de vários assuntos diferentes em seus 69 artigos, a medida também aperta o cerco às organizações que vendem produtos contrabandeados do Paraguai. A idéia é dificultar a entrada desses produtos, especialmente no período das festas de final de ano.
          Pela medida, as empresas prestadoras de serviços receberão seus pagamentos já com o desconto da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), da Cofins e do PIS (Programa de Integração Social). Ou seja, os três tributos serão retidos na fonte pelas empresas pagadoras com alíquota unificada de 4,65% sobre o total pago.
          Estão incluídos serviços como os de limpeza, vigilância, transporte de valores e gestão de crédito. As empresas pagadoras poderão ser sindicatos, condomínios de edifícios e até fundações.
          Para o tributarista Andrei Furtado, da Barbosa, Müssnich e Aragão Advogados, as empresas pagarão a CSLL sem saber se aquela remuneração efetivamente gerará lucro depois.
          Já Luiz Alfredo Bianconi, da Oliveira Neves e Associados, diz que a medida inclui o pagamento de serviços de profissionais liberais, o que já foi considerado irregular pelo Superior Tribunal de Justiça. "É possível um questionamento sobre isso", afirmou.

          Antecipação de pagamento
          O secretário-adjunto da Receita Federal Carlos Alberto Barreto disse que a medida não aumenta a carga tributária, mas apenas antecipa o pagamento do tributo. Também foi criada uma antecipação do Imposto de Renda de 1,5% para as empresas de factoring (que comercializam créditos).
          Em relação aos produtos comprados no Paraguai, o objetivo da Receita é inibir a ação de organizações criminosas.
          "Observamos que os "sacoleiros" têm diminuído, mas está aumentando o número de ônibus de turismo que cruzam a fronteira carregados de mercadorias", disse a secretária-adjunta da Receita Clecy Lionço.
          Os donos dos ônibus terão que identificar as bagagens porque a Receita vai multar os pacotes que claramente não sejam destinados ao consumo próprio.
          A multa será de R$ 15 mil e também será aplicada à falta de identificação. Nesse caso, se o dono da bagagem não aparecer, o dono da empresa de ônibus terá de pagar a multa. Se houver reincidência, a multa sobe para R$ 30 mil.
          Só é permitida a compra de US$ 150 a cada 30 dias na fronteira terrestre e os bens não podem ter destinação comercial.