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Segunda-feira, 10 de novembro de 2003
Folha de S.Paulo
TRIBUTAÇÃO
Setor de serviços, o principal afetado pelo aumento da contribuição,
prevê que mais empresas atuem sem registro
Cofins maior pode aumentar informalidade
MARCOS CÉZARI / DA REPORTAGEM LOCAL
O
setor de serviços, um dos mais importantes da economia -responsável
por um terço dos empregos com carteira assinada, por um terço
da arrecadação tributária e por um terço do
PIB-, vai pagar a maior parte da conta, estimada em R$ 4 bilhões
pelo governo, que será cobrada das empresas via aumento da Cofins
(Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
A fatura
começa a ser cobrada em fevereiro de 2004, quando entrará
em vigor o aumento de 3% para 7,6% da Cofins a ser paga pelas empresas
tributadas pelo lucro real.
O vice-presidente
da Fesesp (Federação de Serviços do Estado de São
Paulo), Luigi Nese, afirma que a primeira consequência será
o aumento da informalidade -empresas atuando sem registro, sem pagar impostos
etc.
Num
setor em que a informalidade já é altíssima -60%,
segundo Nese-, ter mais empresas atuando dessa forma só agrava
a situação: o empresário atua "escondido",
o trabalhador não tem seus direitos trabalhistas respeitados e
o governo não recebe os impostos devidos.
Assim,
o aumento da Cofins poderá provocar efeito contrário às
pretensões do governo, que são a ampliação
da oferta de empregos formais e maior arrecadação. Além
disso, os preços tenderão a subir porque as empresas que
cumprem suas obrigações poderão repassar a alta da
Cofins para os produtos. Resultado: mais inflação.
Calibragem
exagerada
No
final de outubro, o governo decidiu, por meio da medida provisória
n.º 135, acabar com a cumulatividade (incidência sobre todas
as etapas de produção) da Cofins. A alíquota subiu
153,3%.
Especialistas
em tributação ouvidos pela Folha são unânimes
em dizer que o fim da cumulatividade era uma medida necessária
para aperfeiçoar a sistemática tributária. Mas esses
mesmos especialistas têm outra opinião unânime: ao
"calibrar" a alíquota em 7,6%, o governo exagerou.
A alíquota
teve de ser aumentada para compensar a perda de arrecadação
que ocorreria se, com o fim da cumulatividade, fossem mantidos os 3%.
Resultado: as atividades que usam muita matéria-prima (as indústrias,
por exemplo) serão beneficiadas. Em situação oposta,
os setores com uso intensivo de mão-de-obra serão os mais
prejudicados.
Nessa
segunda categoria está justamente o setor de serviços, que
terá o terceiro aumento de tributo em apenas 13 meses -em janeiro
deste ano o PIS (Programa de Integração Social) subiu de
0,65% para 1,65% (mais 153,8%); em setembro, a base de cálculo
da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)
das empresas tributadas pelo lucro presumido ou arbitrado foi aumentada
de 12% para 32% (mais 166,7%). Em fevereiro de 2004 subirá a Cofins.
Embora
concordem que a alíquota devesse ser menor, os especialistas entendem
que não dá para definir qual seria a ideal.
O presidente
da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo), Horacio Lafer Piva, afirmou, em entrevista à Folha no início
da semana passada, que a entidade trabalhava com 7% para o conjunto PIS/Cofins
-quando a nova alíquota vigorar serão 9,25%. Ou seja, a
"calibragem" do governo está 32% acima da imaginada pela
Fiesp (em torno de 1,25% e 5,75%, respectivamente).
Na
sexta-feira, por meio de sua assessoria, a entidade informou que preferia
não se manifestar sobre os efeitos do aumento da Cofins sobre o
setor de serviços.
Questionado
sobre o assunto, Nese disse que a consequência do aumento da alíquota
será o aumento de preços. "Como o setor presta serviços
à indústria, esta terá de aumentar seus preços
também. O consumidor final vai acabar pagando a conta."
A Fesesp
analisa a possibilidade de recorrer à Justiça para tentar
barrar o aumento.
Como
a Cofins subirá na mesma proporção do PIS, tudo indica
que deverá ocorrer, a partir de fevereiro, o mesmo aumento verificado
na receita do PIS nos primeiros nove meses deste ano em relação
a igual período de 2002.
Nesse
período, a receita cresceu 16,49% em termos reais, ou seja, já
descontada a inflação. Resultado: em nove meses o governo
obteve R$ 1,61 bilhão a mais só com o PIS. O valor equivale
a quase um mês de arrecadação da CPMF (R$ 1,73 bilhão
em setembro).
Entidades estudam recorrer à
Justiça
DA REPORTAGEM LOCAL
O
aumento da alíquota da Cofins, de 3% para 7,6%, poderá acabar
no Judiciário. Pelo menos duas entidades (Fesesp e OAB) estudam
essa possibilidade.
Luigi
Nese, vice-presidente da Fesesp (Federação de Serviços
do Estado de São Paulo), diz que a entidade vai à Justiça,
mas não imediatamente. É que, como o aumento valerá
apenas a partir de fevereiro de 2004 -a Constituição exige
prazo de 90 dias para que aumentos de contribuições sociais
entrem em vigor-, existe a possibilidade de que o Congresso Nacional não
aprove a medida provisória n.º 135.
Nese
não acredita que o governo decida, por conta própria, reduzir
a alíquota. Até porque, se o fizesse, teria também
de baixar a do PIS (as contribuições foram aumentadas seguindo
o mesmo parâmetro). O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) admitiu,
após encontro com empresários na quinta-feira, a possibilidade
de alterações na medida provisória. A Receita Federal,
porém, diz que é contra reduzir a alíquota.
O que
incentiva a Fesesp a recorrer mais uma vez ao Judiciário é
a decisão favorável obtida no caso do PIS. Por meio de mandado
de segurança, a entidade obteve liminar, no início do ano,
que garante às empresas a ela filiadas o direito de continuar recolhendo
o PIS pela alíquota antiga, de 0,65% sobre o faturamento mensal.
A liminar não exige o depósito da diferença (um ponto
percentual).
A OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil) nacional está analisando a questão,
mas deverá contestar o aumento da Cofins somente dentro de algumas
semanas. Por enquanto, a OAB vê "indícios de inconstitucionalidade"
na medida provisória, sem especificar quais seriam eles.
Para
o advogado João Victor Gomes de Oliveira, da consultoria Gomes
de Oliveira Advogados Associados, a instituição da não-cumulatividade
da Cofins com exceções para o uso do crédito em algumas
operações (caso das importações) afronta o
próprio princípio da não-cumulatividade.
Esse
seria, na opinião do advogado, um argumento a ser usado para tentar
convencer a Justiça da inconstitucionalidade da medida provisória.
No caso, a MP não estaria dando o mesmo tratamento (isonomia) a
todos, previsto na Constituição. (MC)
Arquiteto pagará mais R$ 8.100
DA REPORTAGEM LOCAL
Como
milhares de prestadores de serviços em todo o país, os custos
do arquiteto André Moral, 29, vão aumentar muito a partir
do ano que vem. O profissional liberal, que tem escritório em São
Paulo, estima que pagará R$ 8.100 a mais de Cofins em 2004 (o cálculo
foi feito com base no faturamento deste ano).
De
PIS (Programa de Integração Social), cuja alíquota
aumentou de 0,65% para 1,65% no início deste ano, o arquiteto prevê
que o montante excedente será de R$ 1.800 em 2003.
"O
pior é que não posso repassar esse aumento de tributos para
os meus clientes. A situação econômica está
muito difícil, temos de rebolar para fechar negócio."
Para
a locadora de automóveis Localiza, sediada em Belo Horizonte (Minas
Gerais), o impacto também será negativo, mas em proporções
muito maiores. Segundo o diretor financeiro da empresa, Roberto Mendes,
a estimativa é pagar R$ 5 milhões a mais de Cofins em 2004.
De PIS, serão R$ 750 mil a mais neste ano.
De
acordo com Mendes, a empresa gera 1.500 empregos e tem 90 lojas espalhadas
pelo país.
"A
gente se considera prejudicado porque parece que o governo olha a floresta
e não se preocupa se certas árvores estão tombando",
disse o diretor.
Para
ele, o governo está "punindo as empresas que, no passado,
foram estimuladas a buscar investimentos no exterior".
Isso
porque, segundo Mendes, a medida provisória que aumenta a Cofins
prevê que os juros pagos nas captações externas não
podem ser abatidos da base de cálculo do PIS/Cofins, ao contrário
dos empréstimos no Brasil.
"Uma
solução para diminuir essa carga tributária seria
a descapitalização das empresas. Isso é negativo
porque uma empresa descapitalizada é uma empresa frágil",
disse Mendes. (MAELI PRADO)
INVESTIMENTOS
Captação de fundos cresce mais de 62% no ano; para analistas,
motivos são dúvida sobre aposentadoria e marketing
Reforma impulsiona previdência
privada
FABRICIO VIEIRA / DA REPORTAGEM LOCAL
No
ano da reforma da Previdência, o trabalhador passou a se preocupar
mais com a aposentadoria. As dúvidas sobre as novas regras ajudaram
a engordar as receitas da previdência privada.
Nos
primeiros nove meses deste ano, as receitas dos planos de previdência
privada tiveram crescimento de mais de 62% em relação ao
mesmo período de 2002.
Neste
ano, até setembro, foram depositados R$ 9,84 bilhões nas
carteiras de bancos e seguradoras que vendem planos de previdência
privada. A cifra é maior que toda a captação de 2002,
que ficou em R$ 9,80 bilhões.
"Dois
pontos foram fundamentais para esse grande crescimento: o medo com a reforma
da Previdência e o marketing competente feito pelas instituições
financeiras para aproveitar o momento e vender seus produtos", diz
William Eid, coordenador do centro de estudos em finanças da FGV-SP.
Com
esse aumento, o patrimônio dos fundos de previdência representava,
no final de outubro, 4,08% de toda a indústria de fundos. No início
de 2002, essa modalidade respondia por 1,48% do total. Dados da Anbid
(Associação Nacional dos Bancos de Investimento) mostram
que o patrimônio líquido dos fundos saltou de R$ 10,3 bilhões
no fim do ano passado para R$ 19 bilhões.
Para
Edson Franco, diretor da Anapp (Associação Nacional da Previdência
Privada), "o potencial de brasileiros para comprar planos de previdência"
ainda é muito elevado. "O setor está longe de atingir
sua maturidade."
A criação
do VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres), há um ano,
ajudou a atrair novas pessoas para os planos de previdência. O VGBL
é destinado a profissionais liberais, trabalhadores informais e
contribuintes que usam a declaração simplificada do Imposto
de Renda. Esses trabalhadores não se beneficiavam dos incentivos
fiscais dados aos que aplicam em um PGBL (Plano Gerador de Benefícios
Livres). No VGBL, o poupador não pode abater os depósitos
da renda bruta, mas o IR só incide sobre o rendimento.
"Neste
ano, o VGBL representou cerca de 42% do que foi captado", afirma
Hosannah dos Santos, diretor de vida e previdência do Unibanco AIG.
Alerta
Analistas
aconselham os potenciais consumidores a traçar bem o perfil do
que querem quando procuram um plano de previdência. É preciso
definir se o dinheiro se destina a formar poupança para o futuro
ou uma reserva para emergências. E atentar para as taxas de administração
e o IR.

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