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Terça-feira, 11 de novembro
de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA AOS PEDAÇOS
Governadores do Nordeste querem gerir fundo
para obras
Impasse pode inviabilizar a legislação
única do ICMS
RAYMUNDO COSTA / DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A negociação
da reforma tributária chegou a um impasse que pode inviabilizar
o fim da guerra fiscal, principal objetivo da proposta enviada pelo governo
ao Congresso no final de abril.
O que está
em discussão é o núcleo central da reforma: a unificação
da legislação do ICMS (Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços), já que hoje cada Estado tem
uma, e a redução do número de alíquotas do
imposto de 44 para cinco.
A reação
foi desencadeada pelos governadores do Nordeste. Pelo menos 17 devem ir
hoje a Brasília para reuniões no Palácio do Planalto
e no Senado.
A posição
dos governadores nordestinos é simples: para abrir mão de
legislar sobre o ICMS, hoje prerrogativa de cada Estado, eles querem a
criação de um fundo que lhes permita investir em obras.
Sem esse fundo, preferem manter a autonomia atual em relação
à cobrança do imposto.
Eles devem
receber o apoio também dos governadores tucanos, entre eles Geraldo
Alckmin, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, que
devem discutir o assunto num almoço com a bancada de senadores
do PSDB.
A posição
do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) é outra. O governo
federal admite a criação de um fundo para beneficiar as
regiões menos desenvolvidas, mas para o financiamento de projetos
empresariais. A gestão do fundo seria de responsabilidade da União.
Os Estados dizem que os fundos constitucionais já cumprem essa
função e não são utilizados integralmente.
Em pelo menos
duas ocasiões, nos últimos 30 dias, o governo federal deixou
claro que não aceitará a proposta dos governadores. Numa
delas, numa reunião na casa do líder do governo no Congresso,
senador Amir Lando (PMDB-RO), Palocci deu de ombros: se os governadores
não queriam, "paciência", disse, segundo relato
dos presentes.
A mesma expressão
seria utilizada mais tarde pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva numa reunião com líderes no Senado, entre os quais
o do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP). O governador do Acre, Jorge
Viana (PT), se convenceu de que Palocci não mudará de opinião
e já tenta arregimentar governadores para negociar uma solução
"extra-reforma" para os Estados.
O relator
da proposta, senador Romero Jucá (PMDB-RR), tenta negociar uma
saída intermediária entre as propostas do Planalto e a dos
Estados, mas os governadores acham que ela não compensa a perda
de autonomia: uma parte financiaria projetos e outra iria para investimentos.
Queixas
Governadores
ouvidos pela Folha queixam-se de que Lula deixou a reforma tributária
correr solta no Senado. Para salvá-la, no pouco tempo que resta
até o recesso do Congresso Nacional, ele teria de retomar pessoalmente
o comando da negociação.
Do contrário,
a reforma tributária poderá ficar restrita à aprovação
da DRU (Desvinculação de Receitas da União) e da
CPMF (o chamado imposto do cheque), à divisão da Cide (contribuição
cobrada sobre a venda de combustíveis) com os Estados e ao fundo
para compensar a desoneração das exportações.
Favoráveis
à unificação da legislação do ICMS,
o que caracterizaria a proposta do governo como uma reforma tributária
de fato, os governadores do Sudeste tendem a apoiar os nordestinos nessa
questão. Eles consideram que o Senado piorou o texto aprovado pela
Câmara.
Exemplo: na
Câmara, seriam isentos da cobrança do ICMS a cesta básica
de alimentos e os medicamentos. O Senado ampliou o rol para o consumo
de energia elétrica das camadas mais pobres da população,
insumos agrícolas e até sêmen bovino. Ou seja, menos
dinheiro nos cofres estaduais.
Sem votos na base, governo negocia com
a oposição
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Sem os votos
suficientes para aprovar as reformas da Previdência e tributária
exclusivamente em sua base, o governo iniciou no Senado mais uma tentativa
de negociação com a oposição, admitindo novas
mudanças no parecer sobre a emenda do sistema tributário.
"Avançando
na tributária, o governo descomprime o ambiente da previdenciária.
(...) Se o governo azedar na tributária, vai encontrar um caminho
mais difícil na previdenciária", definiu o líder
do PFL, José Agripino (RN).
Para aprovar
o texto-base das duas reformas no plenário, o governo vai precisar
de 49 votos a favor. Os partidos aliados -PT, PSB, PTB, PL, PMDB e PPS-
têm, juntos, 47 votos, sendo que há dissidentes nesse grupo.
A mais notória é Heloísa Helena (PT-AL), mas há
outros senadores do PT e do PMDB com divergências em relação
a pontos das reformas.
O relator
da reforma da Previdência, Tião Viana (PT-AC), afirmou que
há pelo menos 53 votos a favor da proposta, mas o fato é
que o governo precisa contar com votos no PFL e no PSDB. Esse apoio varia
de acordo com o atendimento ou não de reivindicações
dos governadores na tributária.
Por isso,
o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), reuniu-se
ontem duas vezes com os líderes do PFL, José Agripino, e
do PSDB, Arthur Virgílio (AM). Mercadante apoio a criação
do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) já em 2007. Mas o PFL também
quer a redução da carga.

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