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Quarta, 19 de novembro de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMA AOS
PEDAÇOS
Só ficaram para 2003 itens que reforçam
caixas públicos
Com aval de Lula, governo fatia a tributária
até 2007
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Pressionado pelo
calendário e com defecções em todos os partidos aliados
no Senado para aprovar as reformas, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva deu aval ontem para os líderes governistas negociarem
a votação da tributária em três etapas. Na
prática, a decisão do presidente joga o fim da guerra fiscal
entre os Estados, núcleo da proposta, para 2005.
Em 2003, devem ser
aprovados só os itens que reforçam os caixas da União
e dos Estados. Em 2004 deve ser discutida a unificação da
legislação do ICMS (Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços), que valeria a partir de 2005 e daria
a base para a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Esse novo tributo reuniria, em 2007, todos os impostos sobre produção
e consumo.
O aval de Lula jogou
por terra o esforço do Planalto para aprovar no Senado o projeto
de reforma tributária que enviou em abril à Câmara.
Em troca, assume a proposta de um senador de oposição, Tasso
Jereissati (PSDB-CE), que reuniu num único substitutivo as sugestões
que circulavam no Senado, inclusive do governo.
Lula recuou porque
foi advertido por seus aliados no Senado de que as reformas não
passariam se o governo insistisse em passar o rolo compressor na oposição.
O senador José Sarney (PMDB-AP) foi um desses aliados. Ele repetiu
a advertência em reunião, ontem de manhã, do presidente
com líderes do PMDB, quando Lula finalmente autorizou a negociação.
Segundo o porta-voz
da Presidência da República, André Singer, "houve
consenso na reunião em torno da importância da aprovação
da reforma tributária no Senado em um período curto de tempo.
Com esse intuito o presidente orientou os líderes da base aliada
a intensificarem o diálogo com a oposição, de modo
a obter um acordo para aprovação da matéria, com
o estabelecimento de etapas claras para entrada em vigor dessa nova legislação".
Governadores
Governadores tucanos
também disseram a Lula que o Senado não aprovaria a prorrogação
da CPMF, o imposto do cheque, e da DRU (Desvinculação de
Receitas da União) até o final do ano se o governo não
negociasse com a oposição. A prorrogação é
vital para assegurar receitas para a União a partir de janeiro
de 2004.
O impasse na negociação
da proposta tributária ameaçava a votação
da reforma previdenciária: sem maioria para aprová-la, o
governo precisa dos votos do PSDB e do PFL. Ao acenar para o PSDB, o governo
tenta distensionar as conversas com o PFL.
"Um acordo
é possível e até bastante provável. É
preciso agora colocar no papel", disse Tasso. "Até agora
o governo só acenou com promessas e ainda não apresentou
uma proposta concreta", emendou o governador de Minas Gerais, Aécio
Neves (PSDB).
Os governadores
querem conhecer antes o texto da medida provisória que distribuirá
25% da arrecadação da Cide (contribuição sobre
a venda de combustíveis) aos Estados e a definição
das fontes de receita do fundo para compensar os Estados pela desoneração
das exportações. Esses são os itens de interesse
dos Estados que seriam votados agora.
Os senadores também
consideraram positivo o fato de Lula dar autonomia para o líder
do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP), negociar as reformas no Senado.
Até agora, iniciativas de Mercadante vinham sendo frequentemente
desautorizadas por setores do governo e do PT. O próprio governo
é dividido em relação ao assunto. Para a Receita
Federal, por exemplo, bastaria votar a prorrogação da DRU
e da CPMF.
Na reunião
com o PMDB, Lula insistiu que as reformas sejam aprovadas neste ano. Sarney,
que teme pelo futuro das reformas, prometeu assumir as negociações
no Senado. "Infelizmente a guerra fiscal tem mais fôlego do
que imaginávamos", disse o líder do governo, Amir Lando
(PMDB-RO).
ANÁLISE
Saída política procura
esconder fracasso da reforma
GUSTAVO PATÚ / DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A tese da reforma
tributária em três etapas foi a maneira politicamente correta
encontrada pelo governo para apresentar algo bem mais incômodo:
não haverá reforma tributária neste ano e nada garante
que vá haver uma durante o mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva.
O que está
sendo chamado de primeira etapa da reforma -a ser concluída até
dezembro- são medidas que nem sequer eram citadas nas exposições
do início deste ano sobre as mudanças a serem feitas no
sistema tributário brasileiro.
Afinal, prorrogar
a CPMF, a DRU e o fundo de compensação aos Estados pelo
fim do ICMS nas exportações nada mais é do que manter
regras, todas de caráter provisório e consideradas males
necessários, em vigor desde o governo passado.
O que dá
ao projeto do Palácio do Planalto o nome de reforma -a unificação
da legislação do ICMS e o fim da guerra fiscal- deve ficar
para uma segunda etapa, que supostamente ocorrerá em 2005.
No volátil
calendário político nacional, trata-se de um futuro excessivamente
remoto. Para citar o próprio Lula, quando entregou ao Congresso
as propostas de reforma em 30 de abril: "Se não votarmos neste
ano, no ano que vem haverá eleição para prefeito
neste país, e todo mundo sabe que, em ano eleitoral, tudo fica
muito mais difícil de ser votado".
Faltou acrescentar
que, em 2005, deputados, senadores, governadores e o presidente estarão
pensando nas respectivas reeleições e sucessões no
ano seguinte.
A terceira etapa
-a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), tão
elogiada tecnicamente quanto difícil politicamente- está
marcada para 2007. Em outras palavras, é tarefa para um novo governo.
Nada há,
porém, de imprevisto nesse desfecho da reforma tributária.
O atual impasse é resultado não apenas das dificuldades
enfrentadas no Congresso, mas também da falta de convicção
do governo em torno do projeto.
Esse quadro já
era perceptível no primeiro dia útil do governo, 2 de janeiro.
No discurso mais revelador daquela data, Antonio Palocci Filho assumiu
o Ministério da Fazenda listando toda a agenda prioritária
de Lula: austeridade fiscal, reforma da Previdência, nova Lei de
Falências, unificação dos programas sociais. Nenhuma
palavra foi dita sobre a reforma tributária.
Depois, Lula, movido
pelas promessas de campanha, convenceria o ministro a elaborar uma proposta
de reforma. O texto combinou um projeto de unificação do
ICMS já proposto pelo governo FHC, as imprescindíveis CPMF
e DRU e uma série de medidas que não dependiam de mudança
constitucional -algumas delas já foram até adotadas por
medida provisória.
Em fevereiro, a
"Carta de Brasília" anunciou um acordo entre o Planalto
e os Estados para as reformas previdenciária e tributária.
Como os governadores relataram depois, apenas a primeira foi discutida
a fundo na ocasião.
Para Everardo Maciel, governo errou ao misturar a unificação
do ICMS com a partilha da Cide
Especialistas só vêem mudança
na Cofins
SÍLVIA MUGNATTO / DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois de meses
de negociações, a reforma tributária do governo Lula
deve trazer poucas mudanças importantes no sistema atual. Especialistas
ouvidos pela Folha apontam erros de estratégia, falta de discussão
prévia sobre temas mais delicados e concessões exageradas
aos Estados.
"A verdadeira
reforma tributária deste ano veio com a medida provisória
da Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social]", disse o consultor Clóvis Panzarini. A MP, editada
no final de outubro, muda completamente a forma de arrecadar a Cofins,
que deve render R$ 61 bilhões neste ano, mais de duas vezes a receita
da CPMF.
Com a MP, o governo
atendeu a uma reivindicação histórica do empresariado
(o fim da incidência em cascata da contribuição) e
achou uma forma de assegurar mais R$ 4 bilhões em 2004, nas contas
oficiais. Para Panzarini, a MP renderá R$ 10 bilhões extras.
A prorrogação
da vigência da CPMF (contribuição sobre movimentações
bancárias) e da DRU (mecanismo que desvincula receitas orçamentárias)
estão na reforma, mas são dois pontos que não alteram
o que existe hoje.
A grande novidade
da reforma, a unificação da legislação do
ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços),
deve ficar para 2004. O problema é que a medida corre o risco de
virar um "monstro", já que o Senado quer modificar pontos
que foram aprovados pela Câmara.
O ex-secretário
da Receita Federal Everardo Maciel diz que o governo errou ao misturar
a unificação do ICMS com a negociação sobre
partilha de recursos públicos, como a divisão da Cide (contribuição
sobre o consumo de combustíveis) com os Estados.
"A questão
da partilha tem um apelo político muito mais forte. As outras coisas
ficaram em um segundo plano", afirmou. Para Everardo, a discussão
sobre partilha de receitas não pode ser feita sem partilha de encargos,
porque, caso contrário, o resultado é um aumento da carga
tributária.
Guerra fiscal
Um exemplo de concessão
exagerada foi o prazo para que os Estados renovassem ou concedessem novos
incentivos fiscais. "Isso legitimou a guerra fiscal. Foi um desastre",
afirmou Panzarini.
"Em vez de
ser uma reforma para beneficiar a competitividade brasileira, acabou virando
uma disputa de quero mais recurso aqui, quero mais recurso lá",
disse o economista Ricardo Varsano.
O economista José
Roberto Afonso acha que pelo menos agora há o compromisso de enfrentar
a unificação do ICMS em 2004. O governo, disse, percebeu
tarde que não havia consenso sobre o assunto e fez as votações
sem acertar os pontos problemáticos.
Varsano diz que
é necessário detalhar o que virá na legislação
complementar após a aprovação da unificação:
"Caso contrário, há o risco de aprovar uma emenda e
nada entrar em vigor por falta de consenso na regulamentação".
O ex-secretário
da Receita diz que o governo não poderia ter incluído na
emenda o fim da cumulatividade da Cofins e depois fazer isso por MP. "Isso
abre espaços para questionamentos jurídicos futuros em relação
à MP. Se não havia necessidade de emenda, por que foi feito
assim?". Para Maciel, a cumulatividade da Cofins não deveria
ter entrado na emenda: "A Constituição já é
extremamente poluída em matéria tributária".
PREVIDÊNCIA
CCJ não derruba a contribuição
dos inativos
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Sem acordo de mérito
entre governo e oposição, foi iniciada ontem a votação
dos destaques apresentados à reforma da Previdência na CCJ
(Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
Houve polêmica:
o relator, Tião Viana (PT-AC), retirou da pauta 111 destaques que
tratam de temas incluídos na "PEC paralela", emenda que
vai alterar a reforma da Previdência. Segundo Viana, se fossem rejeitados,
os dispositivos não poderiam ser tratados em outra proposta ainda
neste ano.
Havia 226 destaques
a serem votados. Metade deles foi apreciada em quase seis horas de votação.
O governo conseguiu rejeitar todas as propostas, inclusive a que acabava
com a cobrança da contribuição previdenciária
dos inativos, por 14 votos a 6. Essa foi a média em todas as votações.
Hoje, a votação continua, em reunião marcada para
as 10h.
Pela manhã,
fracassou reunião entre líderes que buscava entendimento
para facilitar a votação. O líder do governo, Aloizio
Mercadante (PT-SP), afirmou que a única modificação
no texto aceita pelo governo será a supressão do dispositivo
que estabelece o subteto salarial dos Estados e municípios, reivindicada
pelo PMDB.

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