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Domingo, 23 de novembro de 2003
Folha de S.Paulo
OPERAÇÃO ANACONDA
Declarações de Imposto de
Renda de acusados estão sendo comparadas com a sua movimentação
bancária
Receita investiga patrimônio de
suspeitos
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Receita Federal
iniciou uma auditoria nas declarações de rendimentos dos
integrantes da suposta quadrilha desbaratada pela Operação
Anaconda. Investiga-se a suspeita de enriquecimento ilícito de
juízes, advogados, agentes e delegados da Polícia Federal.
A lista de contribuintes
sob auditagem inclui o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos,
sua ex-mulher Norma Regina Emílio Cunha, o agente César
Herman Rodriguez e o delegado José Augusto Bellini. Todos estão
presos.
A Folha apurou que
a relação inclui outros magistrados e advogados. Seus nomes
são omitidos porque a reportagem não conseguiu confirmar
sua identidade.
A auditoria está
sendo realizada pela superintendência do Fisco em São Paulo.
Foi iniciada a pedido do Ministério Público. Não
há prazo para conclusão.
Cruzamento de
informações
Com documentos e
informações recolhidos pela PF, auditores da Receita iniciaram
o trabalho pela análise das declarações de Imposto
de Renda dos acusados.
Seguindo o procedimento
padrão, os fiscais estão cruzando os rendimentos declarados
com dados da CPMF (Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira). A partir do tributo sobre o cheque,
é possível saber a movimentação bancária
de cada acusado. Se ficar constatado que passaram pelas contas quantias
incompatíveis com a renda declarada, a Receita irá solicitar
a quebra do sigilo bancário.
A auditoria leva
em consideração também os chamados "sinais exteriores
de riqueza". Documentos recolhidos em buscas da PF indicam, por exemplo,
que integrantes da suposta quadrilha remeteram dinheiro ao exterior.
No caso de Norma
Regina, ex-mulher do juiz Rocha Mattos, os auditores já detectaram
uma primeira incongruência. Ela
não declarou ao Fisco, nos últimos cinco anos, a posse dos
US$ 550 mil apreendidos pela polícia em seu apartamento. Tampouco
há nas declarações de rendimentos menção
a transações imobiliárias que pudessem justificar
a origem dos dólares. Por ironia, Norma é auditora aposentada
da Receita.
Patrimônio
oculto
O pente-fino do
Fisco deve ser estendido aos familiares dos suspeitos. Parte-se do pressuposto
de que, para ocultar eventual patrimônio obtido irregularmente,
os investigados podem ter registrado imóveis em nome de terceiros.
Entre os dados manuseados
pelos auditores da Receita, há transcrições de grampos
realizados pela Polícia Federal em linhas telefônicas dos
acusados. Num dos diálogos, do dia 28 de outubro de 2002, o agente
da PF César Herman Rodriguez informa ao interlocutor que, em decorrência
de um litígio matrimonial, estava transferindo os seus imóveis
para o nome de uma outra pessoa.
De todos os suspeitos,
o policial Herman Rodriguez é o que mais fez menções
patrimoniais nos diálogos captados. Fala de carros de luxo e de
imóveis com uma naturalidade que espantou os auditores da Receita
Federal.
Numa primeira impressão,
os fiscais acham bastante provável que a auditoria em curso resulte
na aplicação de multas expressivas. O trabalho da Receita
é essencial, de resto, para a intenção do Ministério
Público de condenar na Justiça os acusados na Operação
Anaconda. No estágio em que se encontram as investigações
policiais, é preciso traduzir as suspeitas em cifras.

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