Quarta-feira, 26 de novembro de 2003

Folha de S.Paulo

TRIBUTAÇÃO

Limite de isenção e abatimento com educação seriam aumentados

Governo estuda medida para reduzir o IR da classe média
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          O governo preparava ontem a edição de uma medida provisória sobre a tabela do Imposto de Renda que, ao contrário dos estudos que vêm sendo feitos pela Receita Federal, beneficiaria a classe média com a correção das deduções. A MP, a ser anunciada nos próximos dias, também traria a prorrogação da alíquota de 27,5%.
          A Folha apurou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava inclinado ontem a fazer uma medida que fosse uma "boa notícia" para a classe média. Na avaliação do Planalto, com a medida o governo reduziria o impacto das falhas de administração que foram mostradas nos últimos meses, notadamente as da Previdência -recadastramento dos maiores de 90 anos e longas filas para pedidos de revisão de aposentadorias.
          A idéia é corrigir o atual limite de isenção em 10% -passaria de R$ 1.058 para R$ 1.164- e aumentar algumas deduções, como o desconto anual com educação, que hoje é de R$ 1.998 por pessoa.
          A prorrogação da alíquota de 27,5% (para quem ganha mais de R$ 2.115 mensais) já é objeto de um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, mas vem encontrando dificuldades de aprovação. Se a legislação atual não for modificada, a alíquota cairá para 25% em 2004, gerando perda de arrecadação de R$ 3 bilhões para a União.
          A Receita estuda mudanças na tabela que vão justamente na direção contrária da correção pura e simples das deduções em análise no Planalto. O que se quer é eliminar a distorção atual que faz com que as faixas de renda mais altas tenham descontos maiores do que as faixas menores.

          "Técnico não decide" 
          Questionado sobre o assunto, o secretário da Receita, Jorge Rachid, afirmou ontem que o papel do órgão é analisar. "Técnico não toma decisão. A proposta do governo é prorrogar os 27,5%. Os estudos que existem sobre outras propostas são apenas estudos."
          Na semana passada, Rachid disse que o governo deveria aproveitar o projeto em tramitação no Congresso para reduzir as deduções para as faixas mais altas, corrigindo o limite de isenção.
          De qualquer forma, o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), anunciou que colocaria em votação, ainda ontem, um requerimento de urgência para o projeto.
          O objetivo do governo, nesse caso, é evitar que o substitutivo do deputado Antonio Cambraia (PSDB-CE) seja votado na Comissão de Finanças e Tributação. O substitutivo corrige a tabela do IR em 22,87%, gerando perda de receita de R$ 4 bilhões.
          Com o pedido de urgência, Cunha poderá trazer o assunto para a decisão do plenário e mudar o relator. A decisão é polêmica porque a tradição na Câmara é a manutenção, em plenário, do relator escolhido nas comissões.
          Para Albuquerque, Cambraia está só fazendo "confusão" com a sua intransigência em relação à correção. "Se ele quer corrigir, ele precisa dizer de onde vai sair o dinheiro." Cambraia disse que o governo está ganhando dinheiro sobre os aumentos salariais dos contribuintes. (ELIANE CANTANHÊDE, SÍLVIA MUGNATTO E RANIER BRAGON)

RECEITA: Total até outubro é de R$ 18,5 bi

Déficit da Previdência cresce 28% neste ano
ELIANE MENDONÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          O déficit da Previdência Social acumulado no ano, até outubro, é 27,8% maior do que o resultado do mesmo período do ano passado, segundo dados divulgados ontem pelo governo.
De janeiro a outubro deste ano, o déficit foi de R$ 18,48 bilhões, contra R$ 14,46 bilhões registrado no mesmo período de 2002.
          O resultado deste ano pode ser explicado, segundo o secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, pelo comportamento do mercado do trabalho formal (com registro em carteira), que passou por uma crise no primeiro semestre deste ano e causou queda de 5,3% nas receitas provenientes das contribuições das empresas em comparação ao mesmo período do ano anterior.
          A expectativa da Previdência é fechar o ano com déficit de R$ 27,2 bilhões. "Mas o resultado pode ficar abaixo das estimativas, porque essa é uma hipótese conservadora. Tudo vai depender de como o mercado de trabalho vai se comportar. Mas acredito que o quadro ficará estabilizado e não haverá grandes mudanças."
          No entanto foi registrado em outubro um aumento de 5,1% na arrecadação líquida em comparação ao mês de setembro -de R$ 6,629 milhões para R$ 6,965 milhões. O bom resultado é explicado por dois fatores, segundo Schwarzer -melhoria do mercado de trabalho e recuperação de dívidas. O déficit em outubro ficou em R$ 1,9 bilhão.
          O crescimento referente à recuperação de créditos foi de R$ 234,5 milhões (mais 55,1%) na comparação com setembro. Desse total, R$ 133,7 milhões correspondem a depósitos judiciais e R$ 46,4 milhões a débitos, o que, segundo Schwarzer, é uma consequência da adesão dos contribuintes ao Refis 2 -parcelamento especial de dívidas em atraso.
          "O Refis 2 começa a mostrar os primeiros resultados. Desde sua implantação, já representou o ingresso de R$ 204,9 milhões aos cofres públicos", diz o secretário.

Aposentado não será obrigado a abrir conta
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          O ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini, revogou ontem portaria publicada em junho que previa que o pagamento dos benefícios acima de R$ 720 fosse feito exclusivamente por meio de crédito bancário a partir de janeiro de 2004.
          A medida foi anunciada pelo líder do governo na Câmara, deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), cerca de uma hora antes de ser confirmada por Berzoini. O governo estava preocupado que a medida provocasse mais confusão com os aposentados.
          A portaria 837 passou a vigorar a partir de 1º de julho e previa prazo de 180 dias para que os segurados nessa situação abrissem uma conta bancária na agência em que recebem a aposentadoria ou, no caso de já terem conta em outro banco, que solicitassem ao INSS a transferência do pagamento.
          Na época, a justificativa para a adoção da medida era o combate às fraudes, já que as instituições financeiras são obrigadas a promover um cadastramento rigoroso dos seus clientes.
          A revogação ocorreu após confusões por conta da convocação dos aposentados com mais de 90 anos para se recadastrar e a corrida pelo recálculo de benefícios.

Reforma segue obra de FHC, diz PSDB
DA REPORTAGEM LOCAL

          A reforma da Previdência do governo Luiz Inácio Lula da Silva, em votação no Congresso Nacional, é uma continuação da feita no governo Fernando Henrique Cardoso, mas sem respeitar direitos adquiridos do servidor público.
          A avaliação foi feita ontem em debate que reuniu ex-participantes do governo FHC num seminário promovido pelo Instituto Sergio Motta, centro de estudos presidido pelo economista Luiz Carlos Mendonça de Barros.
          Geraldo Biasoto, assessor da campanha derrotada de José Serra à Presidência e ex-secretário de Gestão Econômica do Ministério da Saúde, afirmou que a proposta de reforma de Lula é "o maior desastre". "Jogou fora todo o ordenamento jurídico dos direitos adquiridos que vinha sendo respeitado até agora", disse.
          Segundo Biasoto, a reforma de FHC havia modificado a relação dos cidadãos com a Previdência. "A idéia não é mais a de que são assaltantes do Estado, mas contribuintes do sistema."
          Marcelo Estevão de Moraes, ex-secretário Nacional de Previdência Social, declarou que há um "elemento de continuidade na Previdência muito forte" em relação ao governo FHC. "Na continuidade da equipe e na formulação da proposta de reforma. Tanto é que que trechos de textos da equipe anterior do ministério são usados na exposição de motivos do projeto do governo", afirmou.
          "O surpreendente é menos a continuidade e mais o esforço de tentar disfarçar essa continuidade", declarou Estevão de Moraes.
          Segundo o ex-secretário, o PT abandonou o papel de contrapressão às reformas, em especial do setor público, que exerceu no governo passado, e assumiu em seu projeto da Previdência a "prevalência do enfoque contábil em razão da emergência fiscal".
          O ex-ministro da Previdência Social José Cechin afirmou que a reforma é positiva, porque estabelece o teto dos benefícios do funcionalismo, o subteto para os Estados e muda o cálculo do valor da aposentadoria para a média dos vencimentos.
          Cechin criticou a elevação do teto máximo para o pagamento de benefícios do sistema privado de R$ 1.869,34 para R$ 2.400. "É uma medida sem critério atuarial. Aumenta a arrecadação nos dois primeiros anos com a cobrança de contribuição maior, mas a longo prazo criará mais déficit no sistema", avaliou. O ex-ministro defendeu o caráter redistributivo da Previdência. "Os benefícios tiram 18 milhões de brasileiros da linha da pobreza", declarou.
          Edward Amadeo, ex-ministro do Trabalho de FHC e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, afirmou que a Previdência é uma questão de distribuição de renda, mas tem um componente fiscal forte porque o país usa o equivalente a 12% do PIB (Produto Interno Bruto) para financiá-la.
          "Corro o risco de ser politicamente incorreto, mas a Previdência Social é muito generosa, dado o salário médio do mercado", afirmou Amadeo.
          Segundo ele, a intenção de distribuir renda por meio da Previdência, como quer o governo, é um erro, porque retira recursos de programas como o Bolsa-Escola, que beneficiam os mais jovens, que teriam maior contribuição social a dar. "Não dá para ter as duas coisas. Transferência de renda para pessoas mais idosas reduz políticas sociais para crianças e jovens", declarou Amadeo.

Helena chora ao anunciar que votará contra
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          A senadora afastada do PT, Heloísa Helena (AL), chorou ontem na tribuna do Senado ao anunciar, mais uma vez, seu voto contrário ao governo na apreciação da reforma da Previdência. "Apesar de tudo o que poderá significar o meu voto, estou de consciência tranquila", disse.
          A um plenário esvaziado -a senadora discursava enquanto os líderes da casa realizavam reunião para tentar aplacar uma crise de última hora com o PMDB-, Heloísa Helena afirmou: "Esse é um dos momentos mais difíceis da minha vida. Não é o mais difícil. Choro porque dediquei os melhores anos de minha vida ao PT".
          Por divergências com o governo, Heloísa Helena, considerada uma radical no ninho petista, foi ameaçada várias vezes pelo partido de ser expulsa. No meio do ano, a senadora acabou sendo afastada. Votar a favor da reforma seria sua última chance de retratação. "A chama libertária, a minha ideologia, isso eles não arrancarão de mim", gritou da tribuna.
          Emocionada, ela reafirmou que não se arrependia de ter lutado tanto pelo partido, mas enfatizou sua discordância com os rumos que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está propondo para a Previdência. "Querer que um policial trabalhe depois dos 60 anos não é um ato de justiça social", declarou.
          "Minha convicção de mundo, essa não tem preço", disse a senadora ao encerrar seu discurso. Em seguida, desceu da tribuna e foi cumprimentada pelo deputado federal Walter Pinheiro (PT-BA) -que chegou a ser suspenso do partido por votar contra reforma na Câmara.
          Os senadores presentes permaneceram em silêncio, e Heloísa Helena deixou o plenário do Senado.

ORÇAMENTO

A pouco mais de três semanas do fim do ano legislativo, "prioridades" do governo estão emperradas no Congresso

Acúmulo de projetos põe em risco votações
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

          Faltando pouco mais de três semanas para o fim do ano legislativo, sete projetos prioritários do governo federal estão emperrados no Congresso, colocando em risco a execução do Orçamento a partir de janeiro.
          As prioridades são: reformas tributária e da Previdência, em tramitação no Senado, o Orçamento de 2004, o Plano Plurianual 2004-2007, a prorrogação da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda, o fim da cumulatividade da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, que teve a alíquota aumentada de 3% para 7,6%) e o projeto de Parceria Público-Privada.
          "Sem o apoio da oposição, o governo dificilmente vota esses pontos até o final do ano", disse o deputado Pauderney Avelino (PFL-AM), que é vice-presidente da Comissão Mista de Orçamento.
          Nessa questão, faltam a preparação e a votação de dez relatórios setoriais para, só depois, ir a voto o parecer do relator-geral, Jorge Bittar (PT-RJ).
          A assessoria técnica na Comissão de Orçamento afirmou que a não-votação da proposta ainda neste ano impediria o governo e as estatais de realizarem investimentos enquanto perdurasse a pendência.
          Outros dois pontos que podem causar dor de cabeça ao governo são o Imposto de Renda e a Cofins. O projeto de lei que prorroga a alíquota máxima de 27,5% do Imposto de Renda tem o objetivo de evitar uma redução da arrecadação de cerca de R$ 3 bilhões em 2004 caso a alíquota máxima volte para 25%.
          Governistas e oposição negociavam até o final da tarde de ontem formas de chegar a um acordo.
          A medida provisória da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social também encontrava resistência entre os congressistas devido ao aumento da alíquota.
         Houve uma forte pressão dos setores prestadores de serviços, que seriam prejudicados pela medida por terem uma cadeia de produção reduzida.
          Os segmentos econômicos com maior cadeia seriam os beneficiados, já que a cobrança da contribuição deixaria de ser cumulativa, ou seja, de incidir sobre todas as etapas de produção.
          Apesar dos problemas da Câmara, os líderes governistas avaliam que o maior perigo reside na reforma tributária em discussão no Senado, que traz em seu conjunto a prorrogação da CPMF e da DRU (Desvinculação das Receitas da União) até 2007.
          O temor é o de que os dois pontos não sejam aprovados até o final do ano, o que resultaria em uma perda de receita de R$ 80 milhões por dia útil, no caso da CPMF -que teria a alíquota reduzida de 0,38% para 0,08%. A não-aprovação também levaria o governo a ter que aumentar os gastos obrigatórios com saúde e educação, o que comprometeria as metas de ajuste fiscal.

          Estratégia
          A liberação de verbas relativas às emendas parlamentares e o aval para negociações mais generosas do que o Ministério da Fazenda desejaria fazem parte do plano que o governo vai utilizar, nas próximas três semanas, para encerrar as discussões e votar os projetos que o Planalto considera fundamentais.
          Os líderes dos partidos governistas no Congresso fecharam anteontem a estratégia a ser utilizada nas próximas três semanas.
          "Vamos tentar votar tudo a que nos propomos. Sabemos das dificuldades, principalmente em relação ao Imposto de Renda e à Cofins, mas estamos dando prioridade a isso porque envolve o caixa do governo", afirmou o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), líder do governo na Câmara.