Quarta-feira, 17 de dezembro de 2003
Folha de S.Paulo
REFORMAS
Sem ter sido convidado, presidente afirmou que deve comparecer
à promulgação das mudanças na Constituição
Congresso reage mal a autoconvite de
Lula
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
OTÁVIO CABRAL
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de comparecer à
solenidade de promulgação das reformas da Previdência
e tributária surpreendeu e causou mal-estar no Congresso, especialmente
entre os senadores. A cerimônia para promulgar as mudanças
ainda não tem data marcada.
Lula não foi convidado nem pelo presidente do Senado, José
Sarney (PMDB-AP), nem pelo da Câmara dos Deputados, João
Paulo Cunha (PT-SP), mesmo porque o Congresso ainda não votou o
segundo turno da reforma tributária, o que está previsto
para ocorrer hoje à noite ou amanhã. A idéia de Sarney
e de João Paulo era a de fazer uma solenidade simples, provavelmente
na sexta.
Os presidentes do Senado e da Câmara tomaram conhecimento anteontem
da intenção de Lula, divulgada pelas agências de notícia,
enquanto se reuniam para acertar a prorrogação dos trabalhos
do Congresso até sábado, dia 20 de dezembro. À saída
da reunião, Sarney disse que não via necessidade de "tamanha
solenidade" para o ato da promulgação.
Lula manifestou sua intenção de ir ao Congresso durante
um almoço de confraternização com 140 oficiais-generais
das Forças Armadas, anteontem, no Clube do Exército, em
Brasília. No discurso, o presidente disse que fez em sete meses
"o que alguns tentaram fazer em 15 anos e não conseguiram".
A frase incomodou senadores. Até as 18h de ontem o texto da reforma
tributária votado em primeiro turno ainda não havia sido
consolidado pela secretaria da Mesa do Senado.
Liturgia
"Presidente que se oferece não se populariza, apenas se banaliza",
reagiu o senador Jefferson Péres (PDT-AM), líder do partido.
Segundo o pedetista, Lula "não se compenetra de que os poderes
são independentes. Ele [Lula] encarna uma instituição,
que é a Presidência da República, e precisa observar
a liturgia do cargo". Aliado no início da gestão Lula,
o PDT, comandado por Leonel Brizola, rompeu com o governo federal na semana
passada, mas ainda tem um assento na Esplanada: Miro Teixeira (PDT-RJ),
no Ministério das Comunicações.
Esta será a quarta vez em que Lula irá ao Congresso, se
mantiver a intenção anunciada, em menos de um ano de governo.
A primeira vez foi para a posse, no dia 1º de janeiro. As outras
duas visitas foram heterodoxas: para ler a mensagem presidencial na reabertura
do Congresso, em 15 de fevereiro, e para entregar os projetos das reformas,
acompanhado dos 27 governadores de Estado, em 30 de abril.
Se Lula quiser, vai à promulgação, mas a avaliação
da cúpula do Congresso é que se trata de um risco desnecessário.
No domingo passado, o PT expulsou do partido a senadora Heloísa
Helena, que já foi líder do partido, e três deputados
ao final de um conflito que teve como eixo justamente a reforma da Previdência.
Sarney poderia até impedir que eles fizessem uso da palavra, mas
não teria como evitar o constrangimento. A presença de Lula
também poderia potencializar eventuais manifestações
contra a reforma, minimizadas desde que a proposta foi votada na Câmara.
Além disso, a promulgação das reformas não
seria propriamente algo popular. A da Previdência reduziu benefícios;
o que efetivamente terá validade imediata, na reforma tributária,
representa aumento de impostos e contribuições. Não
é à toa que o Congresso pensa numa solenidade discreta.
Até ontem, nada havia sido acertado para a presença de Lula.

|