terça-feira, 22 de junho de 2003

Jornal do Brasil

Juízes decidem parar em agosto
Representantes de 56 entidades da magistratura aprovam greve de uma semana em protesto contra reforma da Previdência
Luiz Orlando Carneiro

BRASÍLIA - Mais de 12 mil magistrados estaduais, trabalhistas e militares vão entrar em greve de 5 a 12 de agosto, se até lá não forem atendidas as reivindicações da categoria em relação ao projeto da reforma da Previdência: manutenção das aposentadorias integrais dos atuais e futuros juízes; revisão dos proventos dos inativos sempre que houver reajuste dos vencimentos dos ativos; subteto salarial de 90% com relação aos ministros do Supremo Tribunal Federal para os desembargadores estaduais.

A decisão foi tomada, depois de duas horas de reunião, pelo Conselho de Representantes da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O fato de a paralisação ter sido marcada para daqui a 15 dias significa - como admitiu o presidente da AMB, desembargador Baldino Maciel - que poderá ser suspensa, ''caso as negociações caminhem no sentido do atendimento de nossa pauta''.

Os 1.100 juízes federais ficaram de fora da greve anunciada. A Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe) não integra a AMB, e seu presidente, Paulo Sérgio Domingues, disse que a entidade não acha o momento ''oportuno'' para uma paralisação, já que ''existe uma margem de negociação''.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, ao saber da decisão da AMB, reagiu:

- Não é se utilizando da greve que os magistrados devem fazer prevalecer os seus direitos quanto às questões ora em debate na reforma da Previdência. Por constituírem uma carreira típica de Estado tornam-se, com tal procedimento, juízes de suas próprias decisões. Estamos ainda no limiar das discussões no foro competente, que é a Câmara dos Deputados.

O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, também criticou a aprovação da greve.

- Sendo carreira de Estado, e integrando categoria especial de servidores públicos, os juízes não têm direito a greve. Segundo a jurisprudência predominante no STJ e no STF, o direito de greve dos servidores públicos depende ainda de lei complementar. Assim, o servidor que fizer greve será considerado faltoso, tendo que ter descontados em folha os dias não trabalhados.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, havia feito, de manhã, um apelo aos 2.600 juízes trabalhistas para que não declarassem greve. E pronunciou-se na mesma linha dos ministros Maurício Corrêa e Edson Vidigal.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) decide, hoje, se aprova a proposta de greve nacional da classe por tempo indeterminado, além da realização do Dia de Vigilância Institucional - na data em que for votado, na comissão especial da Câmara, o relatório da reforma.

Da mesma forma que os juízes, o Ministério Público ''vai continuar lutando'' pela fixação do subteto estadual da magistratura ligado ao vencimento de ministros dos tribunais superiores, além da garantia de aposentadoria integral e equivalência salarial entre ativos e inativos para os atuais e futuros servidores.

- O substitutivo que está no Congresso - afirma o presidente da Conamp, Marfan Vieira Martins - define sistemas distintos para atuais e futuros servidores, iniciando um processo de desmonte do Estado.


Juristas divergem sobre legalidade


SÃO PAULO - O advogado Ives Gandra Martins afirma que a adesão de juízes à greve geral do funcionalismo público contra a reforma da Previdência é constitucional. Celso Antônio Bandeira de Mello, especialista em direito constitucional, concorda. Por outro lado, Márcio Pestana, também especialista na matéria, afirma ser inconstitucional uma greve de magistrados e chega a falar em ''mácula'' para o país.

Segundo Gandra Martins, a Constituição afirma que só os militares estão proibidos de fazer greve. Entre os artigos sobre a magistratura, diz, nenhum proíbe a paralisação, e os juízes estariam incluídos ainda entre os servidores públicos, a quem é expressamente concedido o direito de greve. O advogado diz, no entanto, acreditar que ''este não é o caminho''.

- Vamos supor que o Poder Executivo fizesse greve. Isso traria um problema muito sério - pondera.

Bandeira de Mello concorda com a constitucionalidade da greve, embora diga que uma paralisação do Judiciário traz consigo ''restrições inerentes''.

- Não podem parar de maneira total, a ponto de trazerem prejuízos irreparáveis a quem depende de decisões do Judiciário - declara o advogado constitucionalista.

Já para Márcio Pestana, ''é inconcebível, num Estado de direito, que os magistrados entrem em greve''. Isso porque, segundo ele, os juízes ''são a representação máxima de um dos Poderes''. Além disso, continua ele, não há de fato ''nenhum ferimento de direito''.

- A reforma previdenciária ainda está sendo discutida pela sociedade e pelo Congresso Nacional.

Agência Folha

Lula pede bom senso ao Judiciário


BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um apelo ontem, por meio de seu porta-voz, para que os juízes tratem o projeto de reforma da Previdência dentro dos ''limites constitucionais e do bom senso''. A categoria está dividida, mas os juízes estaduais e do trabalho marcaram uma greve de 5 a 12 de agosto.

- O presidente está seguro de que os juízes tratarão a proposta de reforma da Previdência dentro dos limites constitucionais e do bom senso. O presidente acredita também que, no processo das reformas, cada Poder vem cumprindo seu papel com a independência prevista na Constituição - disse André Singer, porta-voz da Presidência.

O Planalto não quis comentar a possibilidade de greve, mas informou que Lula avalia que a negociação está sendo encaminhada com tranqüilidade. Um dos motivos seria o próprio apelo do presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, contra a paralisação.

Revertendo a tendência dos discursos presidenciais e procurando evitar maiores atritos, o Planalto também não quis repercutir diretamente a ameaça de ''crise institucional'' alardeada pelo próprio Judiciário.

A troca de farpas entre os dois Poderes começou em abril, quando Lula falou da necessidade de abrir a ''caixa-preta do Judiciário''. O maior desgaste ocorreu quando o presidente disse que nem o Congresso nem o Judiciário iriam impedi-lo de colocar o país em posição de destaque.

No início deste mês, Lula chegou a insinuar que o Judiciário é uma instituição que funciona de forma subalterna ''ao gosto daqueles que as comandam''.

Em reação à possibilidade de greve, o relator da reforma da Previdência, José Pimentel (PT-CE), afirmou ontem que acha a greve dos juízes ''legítima'' mas estranha o fato de os magistrados não terem feito greve contra a ditadura.

- A greve é legítima e constitucional. Lamento é que em situações anteriores, quando o Estado democrático de direito foi revogado, eles não ameaçaram com greve. Não vi nenhuma entidade da magistratura se insurgindo contra a ditadura em 1964 - disse o relator.

O presidente do PT, José Genoino, também criticou o movimento da magistratura.

- Na democracia greve de juiz não tem legitimidade. Quem julga greve de juiz? - disse ele.

Ele afirmou ainda que a proposta do governo - que prevê subteto de 75% dos vencimentos do Supremo Tribunal Federal- é adequada para um país onde 12 milhões de aposentados recebem um salário mínimo.

O deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), um dos vice-líderes do governo, disse que vai propor a fixação do subteto em 90,25% e o limite das pensões em R$ 2.400, deixando brecha para os governadores reduzirem esses valores por meio de lei estadual.

Agência Folha


Reforma tributária sem concessões
Ministro Antônio Palocci afirma que decisão deve ser favorável ao conjunto da sociedade
Edna Simão

BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, sinalizou ontem que não pretende ceder nas negociações em torno da reforma tributária. Às vésperas de mais um encontro com os governadores, Palocci reafirmou que o governo busca uma reforma favorável ao conjunto da sociedade e não será possível agradar a todos os setores envolvidos.


- Em nenhuma negociação alguém leva tudo o que quer - acentuou Palocci.

Relator da reforma tributária, o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) adiou a entrega do parecer, prevista para esta semana, e não estabeleceu um novo cronograma. O deputado governista preferiu esperar pelos desdobramentos da reunião com os governadores e decidiu antecipar a negociação da emenda com os partidos no Senado.

- A melhor data é quando o texto estiver pronto - disse Virgílio.

Guimarães adiantou, ontem, alguns dos pontos já fechados: a criação de uma escala de alíquotas para a CPMF, de acordo com as diversas movimentações financeiras, e a desvinculação das receitas dos Estados, uma das exigências dos governadores. Com os senadores, o relator da reforma tributária espera antecipar o consenso em torno de temas polêmicos, como a divisão dos recursos da Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide) e os fundos de compensação para exportação.

O encontro do governo federal com os governadores, hoje, tem forte componente político e será entendido pelo Congresso como um sinal da disposição do Palácio do Planalto em fazer frente às pressões por uma reforma mais branda. Preocupado em desfazer a imagem de perda no caso da Previdência, o ministro Antônio Palocci voltou a defender, ontem, o acordo anunciado na semana passada:

- No caso da reforma da Previdência, o que é fundamental, está preservado. Para os atuais servidores temos de buscar saídas que possam contemplar aquilo que o servidor tem buscado.

O ministro da Fazenda também reagiu contra a ameaça de greve pelo Poder Judiciário - na sua opinião, inconstitucional - e reafirmou que as negociações em torno da emenda chegaram ao limite. Antônio Palocci também evitou antecipar qualquer avaliação sobre o impacto das negociações no resultado esperado com as mudanças.

- Tem gente falando que, daqui a 20 anos, teremos dificuldades. Eu sempre digo que devemos evitar sofrer por antecipação. Cada dia com sua agonia.

Governo já admite fim do subteto dos juízes
Mas objetivo do Planalto é evitar excesso de mudanças na reforma da Previdência
Doca de Oliveira e Ana Maria Tahan

BRASÍLIA - Um jogo jogado. Assim se define, no linguajar simplório do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o futuro da reforma da Previdência. Estrategistas do Palácio do Planalto e líderes governistas no Congresso dão como perdida a batalha no plenário da Câmara. Uma semana antes da votação da emenda pela comissão especial, admitem que não será possível manter o subteto do Judiciário em 75% do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal nem o limite de R$ 1.058 para as pensões. Assim, a votação em primeiro turno da emenda, prevista para meados de agosto, está definida.

Caso as alterações excedam esses dois pontos, vai recorrer ao mesmo método que condenou nos oito anos da gestão Fernando Henrique Cardoso: lembrar aos rebeldes que a liberação de verbas para suas emendas ao Orçamento e a nomeação de apadrinhados para cargos federais dependerá do ''comportamento'' deles no registro do painel eletrônico de votação. Ou seja, sem o voto não há verba nem cargos.

Até lá, governo e líderes governistas seguirão à risca o script. Preocupado em preservar a credibilidade do mercado financeiro, dos empresários e do cidadão, o Planalto manterá o discurso contra as alterações no texto do relatório e repicará que o limite de negociações se esgotou. Quer garantir que, pelo menos na comissão especial, o texto seja aprovado como está, sem destaques. Conferiram a lista de parlamentares da comissão e chegaram à conclusão de que terão votos suficientes para fazer valer sua posição.

O debate em torno do relatório foi aberto ontem. Aliados do Planalto chegaram a defender a votação esta semana. Diante da reação de várias bancadas de apoio, recuaram, e a decisão ficou para quarta-feira da semana que vem.

Ministros responsáveis pela articulação da reforma e líderes no Congresso prevêem mudanças no texto na votação em plenário depois de analisar a composição das bancadas. Avaliam que os partidos de oposição serão o fiel de uma balança desequilibrada pela base governista. Acreditam que o PFL conseguirá atrair o PSDB para elevar o teto das pensões para R$ 1.300 e subir para 90,25% o limite de salário dos desembargadores em comparação com o de um ministro do STF.

Sustenta esse raciocínio o comportamento dos partidos da coalizão governista durante a discussão da reforma. Metade das mais de 400 emendas apresentadas à proposta original veio das legendas aliadas. O governo acredita que a situação se repetirá em plenário.

- Há uma baixa taxa de governismo entre os partidos que apóiam o Planalto - diz uma fonte ligada às negociações.

Enquanto o Judiciário promete deflagrar greve no mês que vem, os partidos aliados ao governo se preparam para ampliar a pressão por mais concessões na discussão da reforma da Previdência. Esta semana será marcada por reuniões e deliberações. Hoje, o chefe da Casa Civil, José Dirceu (PT), recebe os líderes dos partidos governistas para articular a votação. Ouvirá reclamações.

- Não podemos resolver agora, tem de haver debate - avisa o líder da bancada do PPS na Câmara, Roberto Freire (PE).

- Não fechamos acordo com este relatório - diz a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

- O PL apóia a reforma e vamos firme com o governo, mas não deixaremos de defender a magistratura - adianta Valdemar Costa Neto, líder do partido na Câmara.

A maioria das legendas governistas reunirá as executivas, instância de decisão partidária, para reforçar a posição em torno da reforma. O comportamento do governo federal e do PT será um balizador.

- É preciso ver se o governo está firme na disposição de enfrentar as pressões - comenta um político governista.


Politizados, servidores mudaram proposta
Classe conseguiu alterações importantes no texto da reforma
Sérgio Pardellas

BRASÍLIA - Ao desembarcar hoje no Aeroporto Internacional de Brasília, os parlamentares egressos dos diversos Estados serão recebidos por mais de 600 servidores públicos, numa manifestação contra a reforma da Previdência.

Em greve desde o dia 8, os servidores vão se mobilizar mais uma vez em repúdio ao relatório lido na última semana pelo deputado José Pimentel (PT-CE). A pressão exercida mais intensamente nos últimos dias tem rendido frutos, admitem caciques do próprio PT. Os resultados obtidos, como a inclusão da aposentadoria integral e a garantia da equivalência salarial entre ativos e inativos dão a exata medida do poder de fogo da categoria.

Para um petista com assento cativo no Planalto, a influência dos servidores na bancada do PT no Congresso está relacionada a dois aspectos. Primeiro, os servidores compõem a base social do partido e do governo. Segundo, é a categoria mais politizada e intelectualizada do país, ressonando fortemente na opinião pública.

- Fui servidora e atuei na direção de sindicato por mais de 20 anos. Os funcionários públicos fazem parte do meu convívio social e é claro que a influência é grande - admitiu a deputada federal Maria José Maninha (PT-DF), que presidiu o sindicato dos servidores da saúde no DF.

Atualmente, existem cerca de 5 milhões de servidores públicos no país organizados em 11 entidades de classe nacionais. Dados do Ministério do Planejamento revelam que o Rio de Janeiro ainda mantém, dos tempos de capital federal, o status de campeão no número de servidores abrigando 704 mil (21,3% do total).

O Distrito Federal, onde a maioria do eleitorado é composta por servidores, vem logo em seguida com 230 mil. Minas Gerais aparece na terceira colocação com pouco mais de 180 mil.