quarta-feira, 23 de junho de 2003
Jornal do Brasil
Estados saem sem nada do Planalto
Governo se recusa a dividir impostos com governadores e
decisão fica nas mãos do ministro Palocci
Paulo de Tarso Lyra
BRASÍLIA - O Planalto endureceu ontem o jogo com os governadores.
Recusou dividir a arrecadação da CPMF com os Estados e não
fechou acordo em torno da partilha da Cide e da verba para o Fundo de
Compensação dos Estados Exportadores. Caberá ao ministro
da Fazenda, Antônio Palocci, a palavra final.
A comissão de cinco governadores não passou recibo do lado
de fora do Palácio do Planalto, mas não gostou nada do que
ouviu. O governador de Goiás, Marconi Perillo, foi o único
que deixou transparecer a frustração. Afirmou que, sem a
certeza de que Estados e a sociedade não perdem com a reforma tributária,
é melhor deixar tudo como está.
- Os governadores terão de avaliar melhor agora. Estamos no limite
da nossa governabilidade - disse Perillo, numa blague com as constantes
declarações do governo de que chegou ao limite dos acordos
em torno da reforma da Previdência.
Perillo e os governadores de Minas, Aécio Neves, do Rio Grande
do Sul, Germano Rigotto, do Rio Grande do Norte, Vilma Faria, e do Amazonas,
Eduardo Braga, ouviram de Palocci que o governo não tem como repartir
as receitas da CPMF. Pela proposta dos governadores, dos 0,38% arrecadados
pela União, 0,08 ponto percentual seriam repassados aos Estados
e 0,02 ponto percentual aos municípios - o que equivale a cerca
de 25% do total.
O repasse da Cide, se aceito pelo ministro, poderá ser definido
por medida provisória. Ao ser regulamentada, previa-se um repasse
de 25% dos recursos da contribuição para os Estados cuidarem
da manutenção das rodovias. A transferência nunca
aconteceu.
O Fundo de Compensação é outro problema. Há
divergências quanto aos valores. A emenda tributária garante
repasse de R$ 6 bilhões. Os governadores apresentaram a contraproposta:
R$ 8,9 bilhões, com recursos do Imposto de Importação
(IPI) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Segundo um dos participantes da reunião, o presidente Lula admitiu
que idas e vindas do relatório da reforma da Previdência
trouxeram prejuízos políticos para o governo e prometeu
acompanhar de perto a tributária para evitar o mesmo desgaste.
Depois do encontro, o Palácio do Planalto, por meio do porta-voz
André Singer, confirmou que não houve acordo: ''Não
há ainda conclusões sobre os referidos temas, que serão
objeto de análise conjunta nas próximas reuniões
do grupo''.
''A eficiência é invisível''
Ministro da Previdência defende reforma e avisa: briguem
com o Orçamento
Doca de Oliveira e Ana Maria Tahan
BRASÍLIA - O Planalto pode até perder em alguns pontos
da reforma da Previdência na votação no plenário
da Câmara, mas não vai ceder um milímetro nos pontos
impressos no relatório do deputado José Pimentel (PT-CE).
Na contramão dos operadores políticos no Congresso, o ministro
da Previdência, Ricardo Berzoini (PT), está convencido de
que, no fim, terá os votos necessários para aprovar a reforma
sem novas concessões. A matemática do ministro é
simples. Conta com o poder de pressão dos governadores - principais
beneficiários das mudanças patrocinadas pelo Planalto -,
votos do PFL e do PSDB e acha que, na hora da definição,
o PT e a maior parte da base governista fechará o placar para marcar
a vitória do governo.
No epicentro da mais forte polêmica comprada pelo governo Luiz
Inácio Lula da Silva, o ministro da Previdência não
perde a fleuma. Aprendiz de administrador público, defende pontos
de vista com a firmeza de quem reviu conceitos e idéias do passado
e absorveu, sem traumas, novas teses. Em conversa com o Jornal do Brasil
evitou críticas e não economizou palavras e números
em defesa da mudança de um sistema que considera anacrônico
e maléfico para as finanças da União, Estados e municípios.
Está convencido, hoje, que defende idéias idênticas
à da maioria dos brasileiros.
- Outro dia, no supermercado, um homem me pediu que não recuássemos.
A sociedade já entendeu que a reforma é necessária
- contou.
Os principais trechos da conversa
Articulação
''Os governadores do PSDB e do PFL vão trabalhar as bancadas para
que a reforma seja aprovada sem mais mudanças. Novas alterações
na reforma seriam ruim para a União, mas muito pior para os governadores.
O governador Alckmin (Geraldo Alckmin, de São Paulo), o Paulo Souto
(da Bahia) e o Aécio (Neves, de Minas Gerais) sabem o que está
em jogo. Além disso, os partidos que nos apóiam estão
mais convencidos hoje de que é preciso aprovar o relatório.
Uma coisa é a declaração, o debate. Outra é
o voto. Esperamos ter a metade dos votos do PFL e do PSDB, além
dos votos da base. Pode dar mais de 400 votos a favor da reforma.''
Cronograma
''A reforma estará votada pela Câmara até o início
de setembro. No Senado, o processo deverá ser mais rápido.''
Resistências
''O Brasil ainda enfrenta uma crise grave, criada pelo impacto da dívida
no Orçamento. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande
do Sul são os Estados que mais sofrem com isso. Então, não
tem jogo de cena e não adianta brigar. Outro dia falei isso durante
uma reunião com as bancadas: não adianta brigar comigo,
briguem com o Orçamento.''
Judiciário
''A interlocução com o Judiciário está feita.
É claro que o governo se preocupa com a greve, mas tem de considerar
que o próprio Judiciário está dividido. Do ponto
de vista prático, o questionamento judicial de uma decisão
é normal, mas a reforma não tem nenhum aspecto inconstitucional.
Nem mesmo a questão dos inativos, que teve uma redação
equivocada no passado e agora foi corrigida.''
Militares
''Não é assunto do Ministério da Previdência.
A decisão será tomada pelo presidente Lula e pelo ministro
da Defesa. Nossa colaboração foi apenas construir um diagnóstico
e indicar algumas soluções, mas a decisão final é
do presidente. A Previdência dos militares tem um déficit
de R$ 10 bilhões e o governo brasileiro já decidiu compatibilizar
o regime das Forças Armadas com as regras gerais.''
Inclusão
''É disso que mais gosto. Vamos fazer um esforço para trazer
para o INSS os 47 milhões de pessoas que hoje estão fora
do sistema. Não se trata apenas de filiá-las, mas é
preciso ter uma política que atenda às suas necessidades.
A idéia é atrair para o sistema 8 milhões de pessoas
ao longo dos próximos quatro anos. Vamos investir em campanhas
de esclarecimento e em novas leis. A inclusão não é
um processo de curto prazo. Outra idéia é resgatar a proposta
do cartão de seguridade social, agregando políticas de saúde,
previdência, assistência social e desemprego.''
Incentivos
''Há um grupo de 22 milhões de brasileiros cuja renda é
de até um salário mínimo. Seu atendimento requer
um subsídio mais alto e estamos estudando instrumentos para isso.
Tem um outro grupo, de 18 milhões de pessoas, que ganham mais de
um salário mínimo. Entre eles, 7 milhões são
trabalhadores sem carteira assinada. Estamos buscando um meio de reduzir
os custos de contribuição patronal dos atuais 22% para 11%.
Com isso, podemos estimular o registro em carteira e melhorar a fiscalização.
Um outro contingente, de 8 milhões de pessoas, trabalha por conta
própria. Também neste caso estudamos baixar os custos de
filiação de 20% para 10%.''
Exercício do poder
''Governar é complexo. Exige combinar uma agenda administrativa
com outra, política. Além disso, a eficiência é
invisível, mas a ineficiência aparece sempre muito rápido.''
Vaia e segurança
''A vaia faz parte da democracia. Já tive meu carro cercado por
manifestantes, mas não senti medo. Pedi ao motorista que parasse
e desci. Passei por eles naturalmente. Se perder a liberdade de andar
com a cabeça erguida, não vale a pena ser ministro. O que
eu acho mais chato é o aparato de segurança. Mas aprendi
a conviver. Vou ao supermercado como sempre fiz, sem segurança.
São 20 anos de hábito.''
Onda de paralisações contra
a reforma
Servidores da Fiocruz e Receita cruzam os braços. Força
Sindical ameaça parar 25 fábricas em São Paulo
Leandro Mazzini
Uma onda de paralisações ameaça o funcionamento
do comércio e de fábricas, além de órgãos
do governo país afora e da própria Justiça. De um
lado, servidores irritados com as mudanças previstas na reforma
da Previdência. De outro, empregados da iniciativa privada que julgam
a proposta acertada pelo governo insuficiente por manter o que classificam
de ''regalias'' no funcionalismo.
Ontem, funcionários da Receita Federal cruzaram os braços
em vários Estados, reforçando a paralisação
dos servidores públicos, mantida de forma descontinuada, desde
o dia 8 deste mês em protesto contra a reforma da Previdência.
- Vamos parar até amanhã nos postos da Receita, aeroportos,
centrais de atendimento e serviços internos. A adesão no
país foi de 85% - informa Reynaldo Puggi, presidente do Sindicato
Nacional dos Técnicos da Receita Federal.
No Rio, os servidores da Fundação Oswaldo Cruz não
trabalham hoje. Vão parar as atividades por 24 horas na Escola
Nacional de Saúde Pública, na Escola Politécnica
de Saúde Joaquim Venâncio, no Instituto Fernandes Figueira
e no Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas. A greve não
atinge, porém, atividades essenciais para o atendimento de pacientes
internados.
A Força Sindical também decidiu pressionar o governo. Reclama
da manutenção do que classifica como ''regalias'' dos servidores,
como a aposentadoria integral. A Força organizou para hoje, na
Grande São Paulo, a paralisação de 25 fábricas.
Sob o comando do sindicalista Paulo Pereira da Silva, estima-se que 15
mil metalúrgicos desliguem as máquinas por uma hora, durante
oito dias. Na tentativa de reforçar o movimento, Paulinho visitará
duas fábricas para falar com os operários.
O secretário-geral da Força, João Carlos Juruna,
acredita que o movimento pode crescer.
- A idéia é sensibilizar a sociedade para a situação
do emprego também. Vamos expandir as idéias aos comerciários
e estamos orientando sindicatos em outros Estados a promover manifestações.
No Rio e em São Paulo, segundo Juruna, os empregados do comércio
estudam fazer manifestações contra a reforma da Previdência
dentro dos maiores shoppings das duas capitais. Só no Rio são
28 deles, e o vice-presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio,
Otton Roma, prevê adesões:
- Vamos fazer panfletagem, uma campanha de esclarecimento sobre as mudanças
da reforma. Nossa idéia é paralisar um shopping por dia
- avisa Otton. - Temos hoje 395 mil comerciários no Rio.
Na Central Única dos Trabalhadores (CUT), presidida por Luiz Marinho,
a situação é de cautela. Apesar da insatisfação
dos trabalhadores quanto à reforma, nenhum sindicato filiado ousou
ainda levantar a bandeira pela paralisação - entre eles
o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, que já foi
comandado pelo presidente Lula na década de 80.
Ontem à noite, funcionários do Banco Central decidiram,
em assembléia, suspender as atividades durante três horas
na parte da manhã. O movimento é um protesto contra a reforma.

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