terça-feira, 29 de julho de 2003

Jornal do Brasil

Negociação das reformas passará pelo cofre da União
Parlamentares da bancada governista têm expectativa de liberação de verbas
PAULO DE TARSO LYRA E DOCA DE OLIVEIRA

BRASÍLIA - A operação política que levará à aprovação da reforma da Previdência pelo plenário da Câmara passará pelos cofres da União. Apesar de não condicionar o apoio à liberação de recursos orçamentários, parlamentares da bancada governista esperam a liberação de verbas para suas emendas ao Orçamento, bloqueadas no início do ano, com o corte de despesas anunciado pelo governo. Mais que as emendas, os políticos estão de olho nos recursos dos chamados restos a pagar, pendentes do ano passado.

- Essa é uma questão política de governo. Devíamos estar discutindo a liberação do Orçamento de 2003, mas ainda existem restos a pagar de 2002 - disse o líder do PMDB na Câmara, Eunício Oliveira (CE).

Cauteloso, Eunício, como todos os demais aliados, nega que o partido vá condicionar o apoio às reformas ao acesso de seus quadros a dinheiro público. Mas deixou claro que a demora do governo cria desconforto entre os aliados no Congresso. Esse deverá ser o tom de reunião entre os líderes aliados hoje.

O líder do PCdoB na Câmara, Inácio Arruda (CE), foi irônico ao garantir que o partido não pedirá nada em troca do apoio. E justificou: a maioria dos pedidos feitos já foi negado. Inácio não acredita, contudo, que o Planalto tenha condições políticas para ignorar tal demanda.

- Apesar da tentativa de se fazer um debate político, é evidente que a pressão a partir de agora vai aumentar. Caberá ao governo mostrar se tem forças para resistir - provocou Arruda.

Relator da reforma tributária, o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) descarta a possibilidade de a emenda ser apreciada ainda esta semana pela comissão especial da Câmara. Ele apresenta hoje um novo parecer preliminar à proposta original do governo e espera fechar o texto até sexta-feira.

O cronograma dos governistas, que previa a votação na comissão especial de amanhã, foi alterado pelo relator. Guimarães evita especular uma nova data, mas é possível que a votação da emenda comece na primeira semana de agosto. A reforma deve ser apreciada quando houver consenso suficiente para garantir a aprovação.

Enquanto discute a nova versão com parlamentares da comissão, Guimarães aguarda o desfecho da nova rodada de negociações entre o Ministério da Fazenda e os governadores, na quinta-feira. Os cinco governadores aguardam uma resposta do Planalto às suas reivindicações - elevação do fundo de compensação dos Estados exportadores de R$ 6 bilhões para R$ 8,9 bilhões e a repartição dos recursos arrecadados com a Cide e a CPMF.

''A última palavra é do Supremo''
Ministro critica reforma da Previdência

Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, engrossa o coro dos magistrados da alta cúpula da Justiça que condenam a greve dos juízes e procuradores, marcada para agosto. ''É inconcebível. A sinalização de greve é um erro'', diz. A seguir, trechos da entrevista:

- A reforma da Previdência, como proposta pelo governo, é constitucional?

- A matéria está em aberto e possíveis inconstitucionalidades serão afastadas pelos deputados e senadores que votarão as emendas. De qualquer forma, a última palavra será do Supremo, trincheira maior da cidadania. Agora, busque-se a razão de ser do famigerado movimento da magistratura e do Ministério Público. Outra problema é a brecha aberta com a exclusão dos militares do tratamento igualitário. Fica no ar a pergunta: por que houve a exclusão? Sou favorável à igualdade, respeitando-se, é claro, as situações em curso. A proposta ficou capenga. A vida econômica é impiedosa para todos - civis e militares. As novas regras deveriam apanhá-los. Aí sim, a igualdade, a isonomia, a segurança jurídica estariam respeitadas.

- O Judiciário nos Estados e o Ministério Público ameaçam greve para agosto. O que o senhor acha disso?

- Algo inconcebível. A sinalização de greve é um erro. A bandeira há de ser única. Discutamos idéias, busquemos a prevalência dos princípios constitucionais e confiemos nos representantes do povo, os deputados federais, e nos Estados, os senadores da república.

- No caso de a paralisação acontecer. Ela é ilegal?

- A greve de servidores é uma garantia constitucional que, na visão da maioria dos integrantes do Supremo - e nela não me incluo - depende ainda de regulamentação. De qualquer forma, mesmo que a tomemos como um direito natural do homem-trabalhador, como o faço, agentes públicos não a tem. Imagine-se greve de governadores, de prefeitos, de deputados e de senadores. É a falência do Estado como órgão estruturado e voltado para o bem comum, à segurança dos cidadãos em geral.

- Essa eventual greve do Judiciário pode significar risco para a harmonia entre os Poderes?

- As instituições funcionarão. Caso não haja o recuo que todos esperamos, a democracia sairá vitoriosa e aprimorada, servindo o episódio de lição.

- A ameaça de greve é uma reação à reforma da Previdência que vai estabelecer teto para os salários de servidores Judiciário. O senhor considera justa a reivindicação?

- A estrutura do Judiciário será mantida. Impossível é desconhecer a ordem natural das coisas; impossível é ter-se um desembargador ganhando menos do que um juiz federal substituto. Que prevaleça, na era do real, a realidade, o que vem sendo praticado desde que em harmonia com as leis de regência.

- O subteto proposto pelo governo pode infringir a Constituição, uma vez que pode ferir o artigo que garante a irredutibilidade dos salários?

- Reconheçamos a existência de absurdos. Em alguns Estados, desembargadores ganham mais que um ministro do Supremo. Isso precisa acabar. O deboche nacional em termos de remuneração deve ser afastado. Agora, as situações constituídas, segundo as leis vigentes, hão de ser respeitadas, a menos que se rasgue a Constituição e, para isso, somente com um ato de força. Em 2002, ocorreram eleições e não uma revolução.

Corrêa pede, mas juízes não recuam
Presidente do STF não barra greve
LUIZ ORLANDO CARNEIRO

BRASÍLIA - Apesar de renovar a confiança ''na pessoa e nos atos'' do ministro Maurício Corrêa, presidente do Supremo Tribunal Federal, 25 dos 27 presidentes dos tribunais de Justiça dos Estados não chegaram a fazer um apelo formal para que os juízes estaduais e trabalhistas suspendam a greve de protesto contra a reforma da Previdência. A greve de uma semana está marcada para começar dia 5.

Depois de um dia inteiro de reunião, em nota de quatro pontos aprovada por unanimidade, o Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça (ausentes os representantes de Alagoas e de Sergipe) reconheceu ''a legitimidade das reivindicações institucionais e não pessoais dos juízes, lamentando que a incompreensão do Executivo e o descumprimento da palavra, solenemente empenhada, tenham conduzido a classe a decidir por eventual paralisação, que nenhum magistrado deseja'', diz o documento.

No início da noite, o presidente do Colégio, o desembargador aposentado José Fernandes Filho, foi ao STF entregar o texto oficial ao ministro Maurício Corrêa, e ''hipotecar-lhe solidariedade'', por ser ''o legítimo representante da magistratura, interlocutor idôneo e qualificado para o diálogo com os demais Poderes da República''.

Depois de receber o presidente do Colégio e outros presidentes de tribunais, Corrêa alertou que o problema dos subtetos resolve-se com a simples manutenção, pelo Congresso, do artigo 93 da Constituição: vencimentos dos ministros dos tribunais superiores iguais a 95% dos subsídios dos ministros do STF, e os dos demais magistrados escalonados, em nível federal e estadual, não podendo a diferença entre uma e outra categoria, ser superior a 10% ou inferior a 5%, nem exceder a 95% dos subsídios dos ministros do Supremo.

- Os Estados terão, assim, um subteto que é, também, um instrumento moralizador - afirmou Maurício Corrêa. Admitiu ter havido distorções nos subsídios dos desembargadores, por causa da não regulamentação do artigo 93.

A nota dos presidentes dos Tribunais de Justiça, entregue ao presidente do STF, também ''repudia a intransigência de alguns governadores de Estado, responsáveis primeiros pela violação da garantia da irredutibilidade, a possibilitar que juiz federal substituto, em início de carreira, tenha remuneração superior à de um desembargador''.

Os presidentes dos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro, Miguel Pachá, e de São Paulo, Sérgio Nigro, reafirmaram, após a reunião, que estão totalmente de acordo com o pronunciamento feito por Maurício Corrêa, na sexta-feira, condenando a greve anunciada pelos juízes.

Pelo que se apurou, prevaleceu, na reunião dos presidentes dos tribunais, a opinião de que não deveria haver uma condenação clara e direta da paralisação, para não enfraquecer ainda mais as entidades de classe dos juízes estaduais e trabalhistas, nas negociações com os deputados.

Hoje, o presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho, se encontrará com o relator da reforma da Previdência, deputado José Pimentel (PT-CE).

Lula dobra governadores
Discussão sobre fundo da Sudene é adiada

FORTALEZA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu desarticular ontem mais uma movimentação dos governadores do Nordeste, que pretendiam reivindicar, na reunião de Fortaleza, a administração de parte dos recursos a serem geridos pela nova Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), extinta em 2001 e recriada por meio de projeto de lei complementar.

Do R$ 1,9 bilhão que deverá ser destinado à estatal em seu primeiro ano, os governadores queriam ter o controle direto sobre R$ 780 milhões. Essa parcela representa a cota prevista para a região com a futura criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). Lula disse aos governadores que a reivindicação deles era ''extemporânea'', porque o fundo ainda não havia sido criado. Avisou que a discussão não avançaria na reunião e que o dia era de boas notícias.

- Não vamos fazer disso uma guerra - disse o governador de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB), principal defensor da proposta de controle dos recursos do fundo pelos Estados. - Entrei disposto a brigar, mas saí desarmado.

Ao chegar à reunião de governadores da área de atuação da Sudene, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), disse que o governo federal está cometendo um ''equívoco'' ao ''fechar as portas'' para uma negociação efetiva das reivindicações dos Estados no projeto de reforma tributária. Para Aécio, bastaria que o governo fizesse uma contraproposta de repasse gradual de parte da arrecadação.
Agência Folha