sexta-feira, 29 de agosto de 2003

Jornal do Brasil

Os tributos e o contribuinte

O núcleo político de apoio ao governo Lula vive o dilema hamletiano de atender ou não ao seu eleitorado, em prejuízo de futuras eleições.

A reforma previdenciária fere de morte grande parcela do eleitorado mais fiel do PT, fazendo com que o funcionalismo, agora, brade aos quatro ventos as pechas de "traição" e de "estelionato eleitoral" e já sejam registrados casos de pisoteio de broches de campanha e queima de bandeiras.

Por outro lado, a reforma tributária que avança, aos trancos e barrancos, na Câmara dos Deputados revela-se mais um ingrediente nefasto da imensa colcha de retalhos em que se transformou a Carta Magna brasileira, incorporando quase quatro dezenas de emendas em menos de 15 anos.

Enquanto a reforma previdenciária promove um ajuste fiscal às custas da supressão de direitos dos servidores, a mudança no sistema tributário descontenta gregos e troianos: governos estaduais e municipais, e empresários.
Ao não contribuir para maior simplificação da estrutura de tributos e manter o cipoal de impostos e contribuições que consomem quase 37% do PIB nacional, o governo erra a mão e perde a oportunidade de construir alterações de maior relevância, na direção do interesse da cidadania.

Os gestores públicos estaduais e municipais esperneiam por não garantir mais expressivas fatias do bolo nacional. Os empresários e especialistas em geral, por seu lado, alertam que a reforma pode redundar em aumento da carga tributária para além dos 40% do PIB.

Portanto, ao unificar as legislações e alíquotas do ICMS (com viés de alta!), ao garantir o Fundo de Compensação aos estados exportadores e, entre outras pífias medidas, ao tornar permanente a CPMF, o governo e o Congresso Nacional estão convalidando mais um remendo constitucional.

Ao rememorarmos o palanque eleitoral e as promessas de campanha na direção da redução da carga tributária, da simplificação arrecadatória, da melhor distribuição de renda, relembramos a poetisa chilena Gabriela Mistral: "Todos nós temos duas vidas: a com a qual sonhamos e a que somos obrigados a viver".

Parece que o governo escolheu a pior delas: somente preserva a arrecadação da União, busca equilibrar precariamente os demais entes públicos e esquece, definitivamente, de quem, de fato, paga tudo isto: o cidadão-eleitor-contribuinte, que continua sendo saqueado, sem uma contrapartida equivalente de produtos e serviços públicos de qualidade.

Vilson Antonio Romero é diretor da Associação Gaúcha dos Fiscais de Previdência e da Associação Riograndense de Imprensa.

Orçamento dá fatia magra a servidor
Parcela a ser gasta com salários é menor que este ano

A proposta do governo para o Orçamento de 2004, encaminhada ontem ao Congresso, prevê um adicional de R$ 5,4 bilhões na folha de pessoal dos três poderes. Apesar do reforço financeiro, as despesas com salários e encargos sociais - em relação à receita líquida total - serão menores do que as programadas para 2003 e do que os gastos com os 1,8 milhão de servidores públicos nos últimos dois anos. Em 2004, o governo Lula pretende usar 4,85% do Produto Interno Bruto (a soma das riquezas do País) na referida rubrica. Este ano, o percentual do PIB para a folha chega a 4,94%, menor do que o de 2002 (5,59%) e 2001 (5,41%) (veja quadro).

Se o Projeto de Lei Orçamentária (PLO 2004) for aprovado sem alterações, os recursos passarão de R$ 78,5 bilhões para R$ 83,9 bilhões. O governo faz mistério sobre o percentual de reajuste para o próximo ano, mas admite que não pretende usar todo o dinheiro extra em aumento para os funcionários públicos. A fatia do bolo será divida entre reajuste, reestruturação de carreiras, assistência à saúde, aumento do auxílio-alimentação e crescimento vegetativo da folha de pessoal. Em 2004, 1,4 mil aprovados nos concursos da Receita Federal, do INSS e dos ministérios do Trabalho e da Fazenda entrarão na folha.

"Não temos um parâmetro para o reajuste", insistiu ontem o ministro do Planejamento, Guido Mantega. Segundo ele, a forma de aplicação dos R$ 5,4 bilhões será definida com os sindicalistas que compõem a Mesa de Negociação com o governo, criada em fevereiro para discutir a política salarial do funcionalismo. "Há uma margem orçamentária, mas não vou revelar, porque isso atrapalharia as negociações".

Apesar das especulações sobre o reajuste - cogita-se que poderá ser cinco vezes maior do que o aumento de 1% concedido este ano -, as entidades sindicais não estão otimistas. "A diminuição das despesas em relação à receita líquida é um mal sinal", avalia Fernando Antunes, da direção executiva da Central dos Servidores Públicos.