Domingo, 28 de setembro de 2003

O DIA

Cerco às grandes fraudes
Previdência investe em estratégias para combater a sonegação e a corrupção no INSS, que dá prejuízo de pelo menos R$ 1 bilhão por ano
Luciene Braga

BRASÍLIA - O Ministério da Previdência Social vai apertar o cerco aos grandes sonegadores. O trabalho da Força-Tarefa, que inicialmente era focado em fraudes nos benefícios, está avançando nas investigações sobre empresários que não repassam ao instituto o valor descontado dos salários referente às contribuições previdenciárias ou enviam informações que destoam da GFIP (Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social). Estimativa conservadora é que o prejuízo aos cofres públicos seja de R$ 1 bilhão por ano.

“Essa é uma avaliação muito benevolente, bem tímida. As fraudes de benefícios são o varejo. Os fraudadores têm comportamento diferente. Agem de forma regional e, muitas vezes, ligados a interesses políticos. Na área de arrecadação, há corrupção quase pura, sem vinculações políticas, e com visão de ganhar no atacado. Cada caso de corrupção no setor de receita equivale a mil na área de benefícios”, admitiu o ministro Ricardo Berzoini em entrevista ao DIA.


Ele destaca que, ao assumir, encontrou apenas um núcleo da Força-Tarefa (grupo formado por agentes da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e técnicos da Previdência) operando. “Decidimos, primeiro, ampliar gradativamente esse trabalho. Não adianta ter combate só no Rio, uma área crítica, e, na hora que você aperta o cerco, o esquema muda para Curitiba, São Paulo, Porto Alegre”, diz. “Em segundo lugar, sabemos que a corrupção está disseminada no País”.


Berzoini reconhece que, até agora, a Força-Tarefa só colocou servidores atrás das grades, mas garante que já há nomes de grandes fraudadores sob investigação: “Estamos trabalhando com um grau de reserva em relação a essas informações porque a reserva é necessária à investigação. O nosso objetivo é alcançar esses grandes esquemas”.

Investimento para ampliar segurança

A falta de interesse em aumentar a segurança do sistema de informática estaria vinculada à conivência com as fraudes, segundo o ministro Ricardo Berzoini. Ele criticou a ausência de investimentos nos últimos anos. “Quem não investe na área de sistemas, obviamente, ou é omisso, ou incompetente ou está interessado”, disse. “Pegamos o INSS e a Dataprev no início do ano como se fosse um Opala 68, com a carroceria enferrujada, com o estofamento rasgado, sem marchas. Estamos consertando o carro sem pará-lo. Está surtindo efeito”.

O Rio recebeu um novo computador na sexta-feira. Berzoini explica que o equipamento vai permitir a inserção de um outro tipo de controle, feito hoje de forma artesanal, porque não há capacidade de processamento: “Na área de arrecadação, a forma mais comum de corrupção é o sumiço da dívida do sistema. Se conseguirmos melhorar pelo menos 1% da eficiência, não só no combate à corrupção, mas também de ações de melhoria, isso significaria mais R$ 800 milhões. A relação custo-benefício desse investimento é muito boa”.


A base do sistema de arrecadação, que fica em São Paulo, está sendo reformulada. Será aberto um processo de licitação para a compra de uma máquina, hoje alugada. “O que gastamos em um ano com o aluguel dá para pagar a máquina e fazer a migração dos sistemas”, relata Berzoini. A aquisição vai permitir a cobrança automática. Hoje, os dados declarados em GFIP não são recolhidos em GPS (Guia de Recolhimento à Previdência Social). A meta é enviar uma cobrança a pessoas físicas e jurídicas após cinco dias de atraso.


Legislação será modificada
Ministério admite que brechas prejudicam arrecadação do INSS e já formou grupos de estudos que vão apresentar propostas ao Congresso

A legislação atual na Previdência tem brechas que garantem a impunidade aos sonegadores e inadimplentes, não só para as contribuições sociais, mas também em relação aos impostos. O ministério determinou que a Procuradoria do INSS faça uma revisão para apresentar propostas de mudanças ao Congresso.

Uma das facilidades apontadas pelo procurador da República André Barbeitas é a extinção da punibilidade para os que “confessam” a prática de irregularidades antes de uma denúncia, como prevê a Lei 9.249, de 1995. O procurador atribui essa lei e outras à promiscuidade entre parlamentares e empresas, que financiam campanhas políticas. “A proximidade da aprovação dessas leis com as eleições indica, no mínimo, gratidão”, ironiza Barbeitas, defendendo o financiamento público das campanhas.


O ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, responde que as leis dependem da sanção do Poder Executivo, o que não vem acontecendo. “Vetamos uma lei recente, aprovada pelo Congresso. Vamos buscar fazer as modificações legislativas necessárias. Essa mudança criou essa situação: o cidadão que sabe que está sendo objeto de investigação confessa antes de ser denunciado e, simplesmente, fica impune e pode entrar no Refis”, admite o ministro, que, no entanto, frisa que o parcelamento especial promovido pelo Governo foi o último.


O programa, explicou Berzoini, foi feito em função de oito anos de taxas de juros altas e aumento de carga tributária. “Muitas empresas ficaram inadimplentes e tiveram dificuldades efetivas de caixa, não só por má-fé. Demos a última oportunidade”, advertiu. Segundo Berzoini, embora o parcelamento não exclua as multas, apenas amenize, não é justo com o empresário que paga as suas obrigações em dia ter um tratamento menos favorável em relação ao que não paga. “É decisivo que nós tenhamos essa cultura tributária”, avaliou.


Grupo interministerial vai combater fraude em estágios

Outro exemplo de combate ao uso dessas brechas é o estágio fraudulento. Berzoini cita que bancos e empresas de telemarketing estão contratando estagiários em substituição aos profissionais. “Simulam o estágio. Do ponto de vista prático, não é estágio. São universitários e estudantes do Ensino Médio que ocupam a função de profissionais”, destaca. Ele afirma que está disposto a enfrentar as críticas de impedir o ingresso de jovens no mercado de trabalho.

“É uma prática criminosa do ponto de vista do senso comum, e não legal. É um jovem que precisa ganhar dinheiro, mas vai trabalhar sem direitos. Ele aumenta o índice de desemprego de trabalhadores que teriam INSS e FGTS”, justifica o ministro. “Para ele, não há vantagem. Terá um contrato de um ano e será dispensado”, acrescenta.

A ação de combate aos estágios está sendo objeto de um grupo formado pelos ministérios da Previdência, do Trabalho e da Educação. Já há uma série de sugestões para propor alterações à lei que impeçam o estágio fraudulento. “É muito comum a existência de entidades que fazem a intermediação desse tipo de estágio. A sua argumentação vai ser: vocês estão querendo impedir a primeira oportunidade de emprego de um jovem. Só que, normalmente, exagerando, é um emprego precário que está tirando o emprego do pai dele, do tio ou do vizinho”, defende Berzoini. (L.B.)

Ministro lamenta corte de verbas

“Dá para sentar na calçada e chorar”, disse o ministro, ao expressar como se sente diante do contingenciamento de recursos. “Depende muito de vontade política. Mas é melhor pegar o que temos, economizar, como fizemos no fim das terceirizações, com redução de R$ 20 milhões este ano”, definiu Berzoini. A ineficiência do INSS, segundo ele, é explicada tanto pela falta de investimento no sistema quanto nos recursos humanos e padronização.

“Hoje é comum chegar a uma agência com um processo e receber orientações diferentes de funcionários. Isso não pode acontecer. Houve uma política de terrorismo, por causa das quadrilhas. Os servidores têm medo de trabalhar na concessão de benefícios devido à auditoria. Foram punidos por falta de informações”, diz o ministro. Berzoni cita o caso de um funcionário que recomendou que o segurado procurasse um Juizado Especial Federal.

A parte de formação está sendo revista, assim como a recomposição do quadro de funcionários. Além das 3.800 vagas abertas este ano, o ministério espera contratar mais 1.600 servidores.

Ação fiscal para ampliar receita

Um dos estímulos à sonegação é a certeza de que o Estado tem dificuldade para cobrar, avalia Berzoini. A Previdência adotou um recurso que é a penhora de bens e receita dos devedores. O Banerj foi um dos casos de direcionamento. Há outras empresas recebendo esse tipo de cobrança, da área de transportes e telecomunicações do Rio, ainda em fase de contestação.

Até agora, as 26 mil ações fiscais do INSS identificaram créditos de R$ 9,1 bilhões a receber. A meta é alcançar R$ 15 bilhões este ano. Até chegar à dívida ativa (fase em que os procuradores do INSS recorrem para cobrar valores devidos), as empresas podem apresentar recurso. Segundo a fiscalização, de janeiro à primeira quinzena deste mês, os procuradores garantiram o recebimento de R$ 555,4 milhões, contra R$ 459,6 milhões no ano passado – 20,85% a mais. A dívida ativa registra R$ 79,7 bilhões.

A fiscalização passará a ser direcionada, exemplo do Construprev, em São Paulo, concentrada na construção civil. “Só uma operação já pagou todas as nossas diárias”, conta o ministro.