quinta-feira, 10 de julho de 2003

O Globo

O acordo da discórdia
Isabela Abdala, Catia Seabra, Eliane Oliveira e Cristiane Jungblut*
BRASÍLIA E LISBOA

      Governadores, o comando do PT e centrais sindicais rejeitaram ontem a mudança negociada pelo governo com o Congresso e o Judiciário na reforma da Previdência, levando o Planalto a dar sinais de que poderá recuar. O governador tucano Aécio Neves (MG) chegou a alertar para o risco de rompimento dos estados com o governo federal por quebra de confiança. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de Lisboa, pediu ao chefe da Casa Civil, José Dirceu, que tranqüilizasse os governadores garantindo que nenhuma mudança será feita sem o aval deles. Por isso, deve acontecer novo encontro com o presidente, atrasando o cronograma de votação da reforma. Dirceu, à tarde, anunciou:

      — Em nome do governo, de forma oficial, por determinação do presidente da República, quero deixar claro que qualquer negociação e acordo em relação à reforma da Previdência só serão feitos após consulta e anuência dos governadores. Quero reiterar o compromisso do presidente Lula com os governadores e as governadoras.

      Ao discursar na Assembléia da República de Portugal, Lula disse que cabe ao Congresso “a árdua tarefa” de dar forma final às reformas:

      — São propostas complexas, ambiciosas e, em alguns aspectos, controvertidas. Cabe ao Congresso a árdua tarefa de dar a forma final a elas, interpretando soberanamente a vontade popular — disse Lula.

      A referência à autonomia do Congresso para discutir as reformas estava no discurso lido. Mas depois, de improviso, o presidente voltou a falar da importância do Congresso para a democracia:

      — Cada vez que entro num ambiente parlamentar fico imaginando quantas vezes na sociedade as pessoas criticam o Parlamento. Quero dizer que não existe símbolo maior da democracia num país do que um Parlamento — disse Lula, aplaudido de pé.

      O petista já teve problemas com o Congresso, ao dizer que lá havia 300 picaretas e, depois de eleito, ao afirmar que nem o Legislativo nem o Judiciário iriam impedi-lo de fazer o Brasil voltar a ter um papel de destaque.

      Em São Paulo, o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, afirmou que o governo ainda estuda o impacto das mudanças e não deu aval ao acordo dos líderes no Congresso. Ele negou ainda que a proposta de manter a aposentadoria integral para atuais e futuros servidores tenha como objetivo esvaziar a greve do funcionalismo.

      O clima estava pesado dentro do governo, devido à reação do mercado, com o aumento do risco-país e a alta do dólar. Havia quem afirmasse que o acordo sobre reforma previdenciária estaria tendo um impacto ainda mais negativo do que o impasse em torno do reajuste das tarifas de telefonia fixa e as ameaças do MST. Um técnico da área econômica revelou que uma das alternativas, no caso dos novos servidores, seria mesmo a criação de um fundo de previdência complementar para que o Estado não banque sozinho as aposentadorias. Assim, seria mantida para essa categoria a proposta original.

      Por causa das fortes reações contrárias à mudança, os principais articuladores da reforma no Congresso se rendiam ontem à evidência de que, assim como a paridade, a integralidade dos benefícios para os novos servidores pode cair ao longo da discussão. O relator da proposta, José Pimentel (PT-CE), disse que o acordo em curso só prevê a aposentadoria integral para os servidores hoje em atividade.

      Procurado pelos governadores e pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com quem se reuniu de manhã, Dirceu telefonou aos aliados frisando que o acordo não foi avalizado pelo governo. Um de seus interlocutores foi o líder do PT, Nelson Pellegrino (BA), além do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). A Pellegrino, Dirceu avisou que Lula divulgaria nota minimizando a participação do governo na costura do acordo e defendendo a consulta aos governadores. Ainda assim, o líder petista insistiu ontem na defesa das mudanças:

      — É natural que o mercado esteja fazendo uma leitura errada. Mas aqui é o palco da articulação da proposta. Não vejo recuo. Se o governo dialoga com empresários, com governadores, com todos os setores da sociedade, por que não dialogaria com o servidor?

      O líder petista alegou ter perguntado a Berzoini se a proposta contempla também os futuros servidores. A resposta, segundo ele, foi positiva. Ontem, no entanto, Berzoini foi um dos que telefonaram para parlamentares explicando que a proposta ainda não tem o apoio oficial do governo:

      — Estou trabalhando para que o acordo dê certo. Mas ainda não tem nada fechado.

      Pela proposta em discussão, o funcionário público hoje na ativa terá de cumprir três pré-requisitos para ter direito a aposentadoria integral: 60 anos de idade para homens (55 anos para mulheres), 35 anos de contribuição (30 para mulheres) e 20 anos de permanência na carreira. Para os futuros servidores a fórmula seria: 65 anos (60 anos para mulheres) de idade mínima e 25 anos de carreira. O tempo de contribuição exigido seria o mesmo. Mas a idéia tem sido alvo de bombardeio. Ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Maurício Corrêa, citou a Bíblia para se calar:

      — Gostei do noticiário. Mas há tempo de plantar e de colher.
(*) Enviada especial

Genoino: ‘Governo não pode ceder tanto’
Catia Seabra e Ricardo Galhardo

      BRASÍLIA e SÃO PAULO. A proposta alternativa de reforma da Previdência provocou ontem uma fissura no PT, que atingiu até mesmo o comando do partido. De um lado, o líder do partido, Nelson Pellegrino (BA), e o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), defendiam a preservação do acordo fechado com o governo e o Judiciário. Do outro, o presidente do PT, José Genoino, incentivava uma rebelião liderada pelos deputados da chamada tropa de choque que se sentiam traídos pelo governo. Genoino manifestou-se contra a garantia de aposentadoria integral para futuros servidores.

      — A integralidade contraria a medula da proposta, de universalização do sistema, com piso e teto. O governo, na minha opinião, não pode ceder tanto — disse Genoino, apoiando a manifestação dos petistas que se queixaram de terem se exposto gratuitamente em defesa do texto original enviado pelo governo.

      João Paulo, por sua vez, foi um veemente defensor da proposta saída na véspera da reunião dos líderes.

      — Qual é o problema de mudar de forma significativa o projeto? O acordo é bom. Não é o texto dos sonhos de ninguém, mas atende ao governo, do ponto de vista fiscal, à sociedade, ao aproximar-se da Justiça e também aos servidores . O Congresso é o fórum desse debate — disse.

      Nelson Pellegrino endossou:

      — O sentimento que levarei ao presidente Lula é que a maioria da bancada apóia o acordo.

      Nas reuniões da bancada, o clima era quente. Os principais aliados do governo na Casa reclamaram de terem suportado vaias por nada. Um grupo, liderado por Paulo Pimenta (PT-RS), ameaça até apresentar uma proposta alternativa à do governo.

      — Essa proposta penaliza os pobres e beneficia os mais altos salários. Sabe o que acontece com quem ganha até R$ 2.400? Trabalha mais sete, dez anos — criticou.

      — Contra burguês, vote 13. Por enquanto — ironizou Durval Orlato (PT-SP), enquanto os radicais do partido comemoravam a decisão do governo de ceder às negociações.

      Henrique Fontana (PT-RS) até brincou:

      — Se eu soubesse disso na segunda-feira, não teria levado tanta vaia em Porto Alegre.

Genoino: partido fecha questão na reunião do diretório nacional

      Segundo Genoino, o partido deverá fechar questão sobre o assunto na reunião do diretório nacional do PT, que começa amanhã, mesmo que isso contrarie a posição do governo. Fontes petistas disseram que as mudanças abriram uma crise entre o governo e o Campo Majoritário, tendência predominante no PT que vinha apoiando incondicionalmente as ações do presidente Lula. Em reunião tensa ontem à tarde, em São Paulo, líderes do Campo Majoritário decidiram fechar questão em torno da proposta original do governo.

      As bancadas do PT na Câmara e no Senado e a comissão executiva nacional do partido deverão ter autonomia para fechar questão sobre os demais pontos das mudanças, desde que não contrariem a decisão que o diretório nacional tomará até domingo. A proibição de voto contrário às decisões do diretório nacional também deverá ser reiterada.

      Admitindo a falta de esclarecimentos sobre as mudanças, Genoino tentou desvincular as posições do partido das do governo:

      — Não está claro o que é que vai ser. Por enquanto temos três coisas: a proposta original do governo, as emendas em tramitação no Congresso e as propostas históricas do PT. Vamos ver como combinar essas coisas.

‘O leão virou gatinho manhoso’

      BRASÍLIA. A manutenção da aposentadoria integral para os servidores na reforma da Previdência não bastou para convencer a radical senadora petista Heloísa Helena (AL) a passar para o lado do governo. Heloísa foi à tribuna ontem e se disse surpresa com a mudança, que considerou interessante e benéfica. Mas o elogio durou pouco. Logo ela retomou a ofensiva e partiu para a ironia:

      — É impressionante como se transforma um leão valente num gatinho manhoso diante da toga! — atacou, referindo-se à pressão do Judiciário para manter suas aposentadorias.

      Apesar de gostar da mudança, Heloísa disse que ainda não dá para acompanhar o governo. Quer ver na proposta o combate aos supersalários e medidas que beneficiem os pobres. E quer que antes da reforma se vote o fim do fator previdenciário para os trabalhadores da iniciativa privada e que os três poderes decidam um teto salarial:

      — Quando falávamos de aposentaria integral diziam que era arroubo radicalóide.

      Também um crítico radical das reformas de Lula, o presidente nacional do PDT, Leonel Brizola, considerou positiva a decisão do governo de negociar a manutenção da aposentadoria integral dos servidores.

‘Mantida a integralidade, não tem mais reforma da Previdência, só ajuste fiscal’
Isabel Braga
BRASÍLIA

      O presidente da comissão especial da reforma da Previdência, Roberto Brant (PFL-MG), foi categórico: se a aposentadoria integral for mantida para futuros servidores, a reforma será um retrocesso em relação à feita no governo Fernando Henrique. Ex-ministro da Previdência, Brant afirma que o presidente Lula não conseguirá cumprir o propósito de fazer justiça social e diminuir a desigualdade entre todos os trabalhadores, estabelecendo para sempre um abismo entre o sistema público e o privado. O discurso rendeu-lhe parabéns de governistas inconformados com o recuo do governo.

      A garantia de aposentadoria integral aos servidores públicos desfigura a reforma de Lula?

      ROBERTO BRANT: Desfigura. A alternativa adicional para os atuais servidores, desde que cumpridas exigências duras, como por exemplo idade de 65 anos para homens, 60 para mulheres, 35 anos de trabalho, 20 anos na carreira, é uma solução politicamente sensata. Mas só nestas restritas condições. Permitir isso para o futuro é um retrocesso gravíssimo. O novo regime de aposentadoria dos servidores públicos já está aprovado na emenda 20, do governo Fernando Henrique em 1998. Hoje todo o estoque de aposentadorias e pensões é intocável porque se trata de direitos adquiridos. Assegurar aos futuros servidores uma aposentadoria integral significa perpetuar eternamente o desequilíbrio que hoje consideramos insuportável.

      Daqui a quanto tempo será preciso alterar novamente as regras?

      BRANT: Se ficar como está, em vez de avançar, a reforma anda para trás. Estaremos no pior dos mundos e o propósito de fazer justiça social, de diminuir a desigualdade que estava embutido na proposta do governo, cai por terra. Fica fixado para sempre um abismo entre o sistema de todos os brasileiros, de 167 milhões de brasileiros, e o de 5 milhões de servidores públicos.

      O governo cedeu à pressão dos altos salários, como afirmou o presidente da CUT?

      BRANT: Não digo que cedeu porque ainda acho que o pecado não está inteiramente consumado e espero que o governo reflita e veja o drama em que está se metendo. Não é apenas deixar de cumprir a promessa de fazer justiça. É decepcionar os agentes econômicos, que julgavam esse governo, com sua maioria parlamentar e capital político, capaz de fazer transformações profundas na economia e na sociedade brasileiras. Se todo esse poder é usado apenas para fazer um simulacro de reforma, toda essa confiança ruirá. Isso terá efeito no risco país, em decisões futuras. Mantida a Previdência sem alterações profundas, é claríssimo que o Brasil é insolvente a longo prazo.

      O senhor sentiu uma pressão forte do Judiciário a ponto de o governo ceder já neste momento?

      BRANT: Não acho que o governo cedeu ao Judiciário e nem que a pressão foi indevida. O governo cedeu à pressão de sua própria base parlamentar. Os líderes de apoio ao governo não carregam no coração a idéia da reforma da Previdência. Todos se sentem incomodados de carregar essa bandeira.

      O senhor é do PFL e está defendendo uma reforma do governo Lula?

      BRANT: É exclusivamente nesta matéria. Fui escolhido pelo meu partido para ser ministro da Previdência porque tinha idéias radicais de transformação. E o PFL apoiou a reforma de FH durante oito anos. Não mudei absolutamente nada e a Previdência não é uma questão de governo, mas de Estado. Só produzirá efeitos a longo do tempo. O meu apoio resume-se a isso.

      O senhor já foi ministro da Previdência, viu a reforma do governo passado ser desfigurada... Ceder no começo é um perigo?

      BRANT: Já vi esse filme. O governo passa para a sociedade e para os agentes econômicos uma prova de fraqueza e de incapacidade de ser agente de transformação. Será um episódio melancólico porque no final ganham os mesmos que sempre ganharam e perdem os que sempre perderam.

      Abre a porteira para mais mudanças?

      BRANT: Se ceder na integralidade, as outras questões não são relevantes. Poderia ceder nas pensões, excluindo até R$ 2.400. A própria taxação dos servidores inativos é mais um ornamento do que de fundo previdenciário. É mais tributária. A essência da proposta é a integralidade e a paridade e o novo sistema para os futuros servidores. Essa é a reforma. Excluiu isso, não tem mais reforma da Previdência, apenas ajustes fiscais que só produzirão efeitos superficiais.

‘Governo muda como biruta de aeroporto’
Catia Seabra

      BRASÍLIA.O ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, deu ontem um indigesto bolo na bancada do PSDB da Câmara. Na véspera, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), pediram ao líder Jutahy Júnior (BA) que recebesse Berzoini para uma reunião. Marcaram hora e local: às 14h, no Espaço Cultural da Câmara. Às 14h30m, Rebelo chegou ao gabinete de Jutahy avisando que Berzoini perdera o vôo de São Paulo para Brasília. Para Jutahy, essa foi a comprovação de que o governo não tem o que apresentar.

      — O governo cede às pressões a cada momento, da UNE, do MST, dos servidores. Por isso, só vamos nos manifestar depois de o governo apresentar sua proposta. O comportamento do Berzoini só mostrou que eles não têm o que dizer — reclamou Jutahy.

      Na véspera, a bancada chegara a se reunir para discutir se concordaria ou não com a audiência com o ministro.

      — Aceitamos por educação — disse Paulo Kobayashi (PSDB-SP).

      Ontem, porém, foram Aldo Rebelo e o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que procuraram Jutahy para pedir desculpas.

      — Acabei de falar com o ministro e ele está com a agenda lotada em São Paulo. Não tinha muito tempo para vir e perdeu o vôo — justificou.

      Segundo Berzoini, não houve confirmação da sua participação ontem na reunião com a bancada do PSDB. Ele disse que João Paulo tinha avisado sobre o encontro, mas alegou que tinha compromissos marcados em São Paulo.

“Estou à disposição de qualquer bancada”

      Ele participou de um debate de quase duas horas num programa de rádio, ao vivo, que terminou às 12h30m, e não pôde pegar o avião para chegar a tempo em Brasília.

      — Estou à disposição de qualquer bancada, de qualquer partido, para reuniões. Evidentemente tem que estar conciliado com a minha agenda e sem nenhum tipo de distinção entre oposição e situação — afirmou Berzoini.

      Segundo Jutahy, Rebelo ficou constrangido com a atitude do ministro e teria admitido que não há desculpas para isso. O ministro tem reunião marcada por Dirceu com o PFL na terça-feira. Segundo João Paulo, está mantida.

      O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), disse que o governo muda como biruta de aeroporto ao sabor do vento. Para o tucano, o jogo está zerado:

      — Estamos perplexos. Queremos saber até onde vai o casamento entre a arrogância, quando se diz que nada vai atrapalhar as reformas, com a a fraqueza. O PSDB é o espectador apreensivo de uma cena que não vai nada bem.
COLABORARAM Lydia Medeiros e Adauri Antunes Barbosa

Aécio diz que há risco de quebra de confiança

      BRASÍLIA, LISBOA, BELO HORIZONTE, SÃO PAULO, RIO e CURITIBA. Padrinhos da proposta de reforma previdenciária enviada ao Congresso, os governadores reagiram mal à súbita aparição de uma alternativa ao texto e reivindicavam ontem uma nova reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De Minas Gerais, o tucano Aécio Neves telefonou para os governadores do PSDB para propor um novo encontro. Aécio chegou a alertar para o perigo de um rompimento dos governadores com o governo federal, caso ocorram mudanças no texto das reformas tributária e da Previdência sem que eles sejam consultados. Mais calmo, depois de conversar com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, por telefone, ele condicionou o apoio às reformas a um entendimento amplo com os governadores.

      — Estamos abertos a essas propostas de modificação, mas elas não podem ser tomadas nesse instante unilateralmente, sob o risco de nós rompermos com aquilo de mais importante que construímos até agora, que foi a confiança entre o governo federal e os governos estaduais — disse Aécio Neves.

      Jarbas: mudanças podem desfigurar proposta original

      O governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), criticou, em nota oficial, as mudanças negociadas pelo governo com o Congresso: “Modificações como as que agora tentam perpetrar ensejarão novas tentativas de mudanças, redundando em completa desfiguração da proposta original. E isso inviabilizará a trajetória do equilíbrio financeiro do sistema previdenciário dos estados”.

      O governador da Bahia, Paulo Souto (PFL), soube da negociação pelos jornais e também não escondeu seu desconforto. E chamou de abrupta a movimentação do governo.

      — Nossa expectativa era de que o governo mantivesse o núcleo da reforma. Para os estados, a reforma só tem um efeito sensível reunindo todos os pontos colocados. Estou preocupado — disse Souto.

      O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), disse que os atuais governantes do país têm de ter consciência de que a questão previdenciária extrapola seus mandatos e que "os objetivos centrais da reforma devem ser mantidos". Entre esses objetivos, Alckmin citou a "justiça social", evitando que trabalhadores de menor renda banquem o sistema em favor daqueles que recebem salários maiores:

      — Garantir o pagamento de aposentadorias e pensões, esse é o grande objetivo da reforma e acho que ele não pode ser abandonado. Temos que ter consciência de que esta é uma questão que extrapola nossos mandatos. Estamos falando do futuro e dentro de um sentimento de responsabilidade.

      O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), disse ontem, por meio de sua assessoria, ser contrário à proposta da manutenção da aposentadoria integral, mesmo que mantidas as exigências de tempo de idade e serviço:

      — Em princípio não concordo com nenhuma aposentadoria diferenciada.

      Ao saber da costura de um novo acordo, o governador do Ceará, Lúcio Alcântara (PSDB), conversou ontem com Aécio por telefone. Sua intenção era a de solicitar uma audiência com Lula.

      — Se estão mudando significativamente a reforma, temos que conversar novamente.

      O governador do Amazonas, Eduardo Braga (PPS), disse que, por todo o país, estão fazendo as contas para saber o impacto da medida nos cofres dos estados. Ele também disse que os governadores aguardam ser chamados para discutir as mudanças com Lula:

      — Estamos esperando o presidente para conversar. Ele há de nos chamar. Precisamos saber se a conta vai fechar.

      Lessa: governo fez as contas e viu que é possível bancar

      Integrantes da comitiva oficial de Lula, os governadores da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), e de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB), disseram que compreendem a necessidade de Lula negociar mudanças nos textos das reformas da Previdência e tributária. Ontem, ouviram do presidente que o texto será mesmo objeto de alterações. Ao falar sobre a garantia de aposentadoria integral para os servidores, Lessa apenas comentou:

      — Se eles estão concordando, é porque fizeram as contas e viram que dar para bancar.

      No vôo de Brasil a Portugal, os dois conversaram com Lula sobre a fixação de subtetos estaduais para salários e aposentadorias de funcionários públicos. Para Cunha Lima, o Congresso também acabará aumentando o valor da isenção para a taxação de 11% dos servidores inativos. A proposta do governo prevê uma isenção de R$ 1.058, mas esse valor deve subir para R$ 2.400, pelo menos.

      A governadora do Rio, Rosinha Matheus (PSB), disse, por meio de sua assessoria, que a nova proposta é acertada e que o governo percebeu seu erro e por isso voltou atrás.

Novas regras atrasam 20% das aposentadorias
Catia Seabra, Eliane Oliveira e Isabel Braga

      BRASÍLIA. A exigência de uma idade mínima maior, além de mais tempo de carreira e de contribuição para receber a aposentadoria integral, fará com que 20% dos cerca de 422 mil servidores públicos federais ativos — o equivalente a 84,4 mil pessoas — atrasem sua aposentadoria imediatamente. Nos próximos oito anos, a parcela cresce 40% (168,8 mil). Ao fim desse período, as regras atingirão 60% dos funcionários, ou 253,2 mil.

      É com esses dados que o governo está trabalhando para convencer a oposição e os críticos da idéia de que o acordo firmado anteontem entre representantes do governo, do Judiciário e da base aliada no Legislativo é benéfico para as contas públicas. Segundo o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), isso significa que uma parcela considerável de servidores que poderiam se aposentar dentro das regras propostas no projeto original terá que trabalhar por mais tempo para se beneficiar da integralidade.

      — É um dado muito positivo, porque todos deverão preferir esperar a integralidade, o que seguraria as contas públicas — disse João Paulo.

      O deputado petista Professor Luizinho reforçou a tese:

      — Haverá uma economia nos próximos 12 anos para o governo — disse ele.

Redução de subsídio menor com a integralidade

      O relator da reforma da Previdência, José Pimentel (PT-CE), vai além. Pimentel afirmou que, levando em conta todo o funcionalismo — municipal, estadual e federal — só 102 mil dos 851 mil estariam em condições de se aposentar sem sofrer os efeitos das novas regras em estudo.

      Pimentel reconheceu, no entanto, que, sem a integralidade, a reforma permitiria uma redução do subsídio do governo de R$ 52,4 bilhões em 20 anos. Com a integralidade para os que estão hoje no sistema, a redução cai para R$ 50,7 bilhões.

      — O que estamos discutindo é até onde deve ir o subsídio da sociedade.

      A nova fórmula em estudo no governo permite a aposentadoria integral para quem tiver a idade mínima de 60 anos (55 para mulheres), 35 anos de contribuição (30 anos para mulheres) e 20 anos de permanência na carreira.

      Quem quiser se aposentar antes, receberá um valor médio com um redutor de 5% para cada ano de antecipação. Já os novos servidores públicos terão que ficar um tempo maior na carreira, 25 anos. A idade mínima aumentaria para 65 anos no caso de homens e 60 anos para as mulheres.