terça-feira, 15 de julho de
2003
O Globo
Judiciário reforça o lobby
Carolina Brígido
BRASÍLIA e SÃO PAULO
Mesmo depois de o governo ter cedido e aceitado incluir algumas de suas
reivindicações na negociação sobre a reforma
da Previdência com o Congresso, como a manutenção
da aposentadoria integral, juízes e promotores aumentaram o lobby
por mudanças no texto original para favorecer a categoria. Na véspera
da reunião do governo federal com governadores para discutir a
reforma, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro
Francisco Fausto, atacou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
dizendo que foi vítima de estelionato eleitoral.
Votei nele. Esperava que fizesse as reformas, mas de maneira que
não atingisse o direito adquirido das pessoas. Se me dissessem
na campanha que Lula faria a reforma da Previdência para tirar o
direito dos juízes, não votaria nele. Fui vítima
de estelionato eleitoral. Não foi esse o discurso do Lula como
sindicalista ou político disse Fausto.
Média do Judiciário é 21 vezes a do INSS
Segundo o Ministério da Previdência, os aposentados do Judiciário
ganham, em média, 21 vezes mais que os do INSS. Os inativos do
Ministério Público chegam a ganhar 33 vezes a média
das aposentadorias pagas pelo INSS.
Para o ministro do TST, a reforma da Previdência ameaça
o futuro da magistratura porque reduzirá o interesse de bacharéis
em direito pelos concursos públicos:
Há certa decepção. Por muito tempo, vimos
que o mercado dominava a política brasileira. Lula era a esperança
de se mudar isso. Mas o comportamento é o mesmo, faz o papel de
PT com cara de Fernando Henrique. A reforma foi feita para atender aos
interesses dos fundos de pensão, do FMI e do mercado externo. Um
governo como o do PT, um partido que tinha uma mensagem pura, não
devia ceder a esse tipo de pressão.
Francisco Fausto disse que os servidores públicos não podem
ser tratados como inimigos:
É hora de o governo levantar a cabeça e lutar contra
os verdadeiros inimigos do país. Mas o presidente é elogiado
por certas áreas internacionais e gosta do elogio. O prestígio
internacional que ele acha que tem é efêmero. No dia em que
deixar a Presidência, volta a ter o prestígio de um ex-presidente,
ou menos que isso.
Porém, disse que ainda dá um voto de confiança ao
governo:
Ainda creio que Lula vá corresponder às esperanças
que tínhamos quando o elegemos. Mas não estamos sendo tratados
como um poder de Estado, e sim como um segmento qualquer disse
Fausto, afirmando, porém, que é contra a greve de juízes.
Quatro estados aprovam greve
Magistrados e membros do Ministério Público já aprovaram
indicativo de greve em pelo menos quatro estados: Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará.
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Sérgio
Antônio Nigro Conceição, disse ontem que a reforma
da Previdência poderá fazer com que 400 dos cerca de 1.800
magistrados do estado peçam aposentadoria imediatamente. Ele disse
ainda que prevê o caos na Justiça estadual caso a reforma
seja aprovada.
Se eles (400) se aposentarem, a Justiça paulista ficará
um caos, seja em relação às vagas existentes, seja
em relação à recomposição capacitada
dos quadros disse ele, durante audiência pública da
comissão especial da reforma previdenciária na Assembléia
Legislativa.
A reforma, disse, pode contribuir até para a corrupção
no Judiciário.
Precisamos dar para magistrados e servidores uma expectativa de
vida, de aposentadoria tranqüila afirmou Nigro Conceição.
COLABOROU Adauri Antunes Barbosa
Juízes do Rio ameaçam
entrar em greve
Bernardo de la Peña
Juízes e promotores do Rio decidiram ontem entrar em greve contra
a reforma da Previdência caso o relatório da comissão
especial, que deverá ser apresentado amanhã, não
inclua os três pontos que consideram fundamentais. Eles defendem
a aposentadoria integral, a paridade entre ativos e inativos e a fixação
do subteto estadual em 95% do salário de ministro do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) em vez dos 75% propostos pelo governo no texto
enviado ao Congresso.
Segundo o presidente da Associação dos Magistrados do Rio
de Janeiro (Amaerj), Luís Felipe Salomão, a proposta vai
ser levada à Associação dos Magistrados Brasileiros.
No dia 21, numa reunião da AMB, devem ser acertados a data e o
tempo de duração da paralisação. No Rio, os
800 juízes da ativa só deverão julgar os casos de
emergência.
Para Salomão, a fixação do subteto proposto pelo
governo para os estados faria com que os desembargadores passassem a ganhar
menos que juízes federais substitutos, provocando uma distorção.
Ele diz que os magistrados fluminenses querem uma estrutura de salários
igual à dos juízes federais.
São garantias históricas da magistratura. O juiz
não pode ter outro emprego e a Justiça já tem dificuldades
de recrutar os melhores profissionais afirma Salomão.
Vamos ao último recurso com a paralisação
concordou o presidente da Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público, Marfan Vieira.
Segundo Salomão, além da paralisação, os
presidentes de todos os tribunais de justiça do país estudam
ir ao Supremo Tribunal Federal entregar as chaves dos fóruns ao
presidente do STF, Maurício Corrêa, num protesto contra a
reforma:
Isso é um poder dizendo ao outro que estamos impedidos
de funcionar. Não é uma greve normal entre empregados e
patrões.
Magistrados protestam na Assembléia Legislativa
Salomão participou ontem, ao lado de dezenas de promotores e magistrados,
da audiência pública na Assembléia Legislativa promovida
pela Câmara dos Deputados para debater a reforma. Sem a presença
do ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, do presidente da Câmara,
João Paulo Cunha (PT-SP), e do relator da proposta, deputado José
Pimentel (PT-CE), o encontro se transformou num ato de servidores públicos
contra a reforma, com discursos, palavras de ordem e até o estouro
de uma bexiga de ar que simbolizaria a proposta do governo.
Ausentes, Berzoini, João Paulo, Pimentel e o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva foram citados nas palavras de ordem, nas faixas e nos cartazes.
Mesmo antes de começar a reunião, cerca de mil servidores
federais já faziam uma manifestação na porta da Assembléia.
Os manifestantes também lotaram os 1.200 lugares nas galerias da
Alerj e de lá vaiaram as autoridades ausentes chamadas de
traidores nas paródias entoadas por eles e quase não
deixaram que o presidente da Alerj, Jorge Picciani, e a secretária
estadual de Administração, Vanice do Valle, discursassem.
Entre os protestos, o do presidente do TJ fluminense, Miguel Pachá,
deu o tom do ânimo dos juízes em relação ao
governo:
Não fomos, não somos e nunca seremos os responsáveis
pelo déficit na Previdência discursou o desembargador,
acrescentando que o governo tratava de pessoas que dedicaram suas vidas
ao Estado e agora estavam expostas à execração pública.
Classificada pelo vice-presidente da comissão especial da Previdência,
Onyx Lorenzoni (PFL-RS), autor do requerimento para a realização
das audiências, como um ato de covardia política imperdoável
e intolerável, a ausência do relator da proposta e dos representantes
do governo foi criticada até por petistas como o deputado Chico
Alencar (RJ):
Avalio mal (a ausência na audiência) porque a tradição
do PT é valorizar a participação. Isso revela pouca
disposição de diálogo.
A defesa do governo coube ao deputado federal Almir Moura (PL-RJ)
na sua própria definição, um desconhecido
que participou da entrevista coletiva que estava sendo concedida
por Lorenzoni para responder aos ataques do pefelista gaúcho ao
governo.
Servidores vaiam a CUT
em São Paulo
SÃO PAULO. Cerca de 300 servidores lotaram ontem a Assembléia
Legislativa de São Paulo para a audiência pública
da comissão especial da reforma da Previdência. O presidente
da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho, foi vaiado,
e não houve quem defendesse a proposta do governo. O relator da
comissão especial da Câmara dos Deputados, José Pimentel
(PT-CE), que deveria discutir a proposta, não compareceu.
Sem um governista para defender a reforma de Lula, a senadora Heloísa
Helena (PT-AL) foi a grande atração da reunião, sendo
muito aplaudida pelos servidores.
Heloísa Helena, Marinho e o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS),
vice-presidente da comissão especial e que comandou a audiência
pública, se uniram nas críticas à ausência
do relator.
As vaias que o PT enfrentou em Porto Alegre e em Campo Grande
(onde houve as duas primeiras audiências públicas) tiveram
esse efeito. Os corajosos de antes sumiram da luta democrática,
entre eles o deputado Pimentel criticou Lorenzoni.
Muito vaiado pelos servidores públicos, Marinho, da CUT, disse
que os manifestantes presentes não representam o pensamento da
maioria da categoria:
Aqui tem um pequeno número de pessoas. Quem fala a favor
da retirada da reforma é aplaudido, quem fala simplesmente que
quer discutir o assunto é vaiado disse.
A senadora petista foi aplaudida quando atacou a proposta do governo:
Defendo uma proposta de Previdência que se coadune com a
ótica que foi conquistada pelo povo brasileiro na Constituição,
que é a ótica da seguridade social e não a dos gigolôs
e parasitas do Fundo Monetário Internacional disse ela.

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