terça-feira, 22 de julho de 2003

O Globo

Juízes aprovam greve
Carolina Brígido e Evandro Éboli
BRASÍLIA

Mesmo sem o apoio dos juízes federais e do comando dos tribunais superiores, os magistrados estaduais, militares e do Trabalho decidiram ontem fazer greve de 5 a 12 de agosto contra a reforma da Previdência. A paralisação foi aprovada por 206 votos a 74 em assembléia na sede da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em Brasília. Se concretizada, será a primeira greve de juízes no país.

As categorias que decidiram pela paralisação representam 11.460 do total de 12.560 juízes do país. Não aderiram ao movimento os 1.100 juízes federais, que não estão vinculados à AMB. Hoje, será a vez de os promotores decidirem se também farão greve. Segundo dados do Ministério da Previdência, os aposentados do Judiciário ganham mais de 20 vezes a média das aposentadorias pagas pelo INSS a trabalhadores da iniciativa privada. No Ministério Público, a média é de 33 vezes a do INSS.

Durante os oito dias de paralisação, os servidores de toga ameaçam organizar atos contra a reforma da Previdência para pressionar por novas mudanças no texto em discussão no Congresso. A greve pode ser ainda mais longa. No dia 13, a magistratura se reunirá novamente para decidir se continua ou não parada.

“O nosso objetivo não é chantagear”

Ao anunciar a decisão ontem, o presidente da AMB, desembargador Cláudio Baldino Maciel, admitiu a possibilidade de a paralisação ser cancelada caso o governo decida atender os pedidos da categoria.

— Se a pauta da magistratura for atendida, com muita satisfação paramos o movimento. O nosso objetivo não é chantagear, mas demonstrar que estamos amadurecidos e preparados para defender a magistratura — disse o presidente da AMB.

Semana passada, líderes do governo e do PT acusaram os juízes de tentarem chantagear o governo e o país para manter privilégios.

Para Maciel, o governo não trata o Judiciário como um poder independente, mas como uma repartição:

— Todos os juízes estão lamentando essa situação. Ninguém gostaria de estar nela. Mas o Judiciário não pode ser tratado como uma repartição pública do Poder Executivo. Ele não é. É um poder independente e autônomo. O Judiciário reduzido a repartição pública não tem capacidade de manter a atividade dos demais poderes dentro da constitucionalidade.

Os juízes dizem que, durante a greve, vão atender os casos urgentes, que envolvam vida e liberdade. A categoria resolveu cruzar os braços sob a alegação de que não foi contemplada totalmente em suas reivindicações na reforma. Os juízes e desembargadores defendem manter seus direitos de aposentadoria integral e paridade nos índices de reajustes entre ativos e inativos.

Para a categoria, paridade e integralidade devem ser garantidos tanto para os atuais como para os futuros profissionais que ingressarem na carreira. Mas, de acordo com o relatório apresentado na semana passada pelo deputado José Pimentel (PT-CE), os futuros juízes não terão esses benefícios. A alternativa apresentada pelo governo de incluir os futuros magistrados num fundo de pensão exclusivo também é rejeitada.

— A gente rejeita essa idéia de fundo de pensão. É obvio que, se contribuirmos por 35 anos, a integralidade e a paridade são sustentáveis. Qualquer cálculo que se fizer vai comprovar que isso é viável — disse o presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho.

O Judiciário também não gostou da fixação do subteto nos estados em 75% do salário de ministro do Supremo Tribunal Federal. Nas negociações com o Planalto, os magistrados pediram teto de 90%. Os juízes e desembargadores estão descontentes, ainda, com a diminuição dos valores das pensões das viúvas. O valor, repassado integralmente hoje, cairia para até 70% do salário do magistrado.

Durante a assembléia de ontem, os favoráveis à greve fugiram do debate sobre a ilegalidade da paralisação. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, já disse que considera a paralisação de juízes inconstitucional.

— Isso não está expresso na Constituição. É discutível — argumentou Grijalbo Coutinho.

No início da reunião de ontem, o presidente da Associação dos Magistrados do Rio (Amaerj), Luís Felipe Salomão, defendeu a greve, mas não neste momento. Ele sugeriu que a paralisação acontecesse após a votação do texto da reforma na comissão especial. Mas acabou votando a favor da greve de 5 a 12 de agosto:

— Os juízes decidiram pela greve porque a situação é extrema. Um poder está dizendo ao outro que dessa maneira não pode continuar. A idéia não é de confronto. O momento é de sensibilizar o Congresso.

 

Lula vai pedir apoio de governadores na queda-de-braço com o Judiciário
Isabela Abdala e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Antes mesmo de os juízes aprovarem a greve para o início de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um apelo, por meio do porta-voz André Singer, ao bom senso dos magistrados para que evitem a paralisação. O presidente decidiu pedir o apoio dos governadores na queda-de-braço com o Judiciário sobre a reforma da Previdência.

— O presidente está seguro de que os juízes tratarão a proposta de reforma da Previdência dentro dos limites constitucionais e do bom senso. O presidente acredita também que, no processo de discussão da reforma, cada um dos poderes vem cumprindo o seu papel com a independência prevista na Constituição — disse André Singer.

Sigmaringa vai conversar com juízes e promotores

Hoje, na segunda parte da reunião com governadores sobre a reforma tributária, no Palácio do Planalto, Lula vai pedir o apoio deles na briga com o Judiciário. O presidente quer dividir as responsabilidades pelo resultado final do relatório da reforma da Previdência com os estados, já que foram os governadores que bateram o pé contra o aumento do subteto dos tribunais estaduais e contra a manutenção da integralidade e da paridade para os futuros servidores.

Deputados mais experientes da base do governo andam preocupados com o desgaste na relação do Executivo com o Judiciário e vêm tentando neutralizar o atrito. O governo está chamando interlocutores junto ao Poder Judiciário e ao Ministério Público para manter o diálogo, entre eles o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF). O governo teme que a radicalização acabe inviabilizando a reforma da Previdência, que poderia ser mais tarde contestada na Justiça.

Discurso mais contundente foi em Vitória

O discurso mais contundente de Lula, que provocou uma crise com o Judiciário, foi feito em 22 de abril, em Vitória (ES), quando participou de cerimônia de liberação de recursos da União para o governo do Espírito Santo na área de segurança pública. Lula estava ao lado do governador Paulo Hartung (ES) quando criticou a falta de entrosamento entre as polícias Civil e Militar nos estados e disse que é preciso “abrir a caixa-preta do Poder Judiciário”.

Na época, as duras declarações de Lula provocaram a indignação de magistrados e levaram o próprio presidente a ter que apresentar explicações junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito de suas afirmações.

Palocci: greve de juízes é inconstitucional

BRASÍLIA. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse ontem que a greve de juízes em protesto contra a reforma da Previdência é inconstitucional. Para o ministro, os magistrados têm direito de apresentar suas reivindicações, mas não de fazer um ato inconstitucional.

Em entrevista ao "Bom Dia Brasil", da TV Globo, Palocci disse que o governo não vai negociar mudanças que impeçam a criação de um novo sistema previdenciário.

Palocci: reforma trará ganhos a longo prazo

O ministro afirmou que a reforma da Previdência, mesmo com as alterações feitas na proposta original, trará ganhos ao sistema a longo prazo. Mas, perguntado se não haveria novas dificuldades na Previdência dentro de 20 anos, Palocci respondeu: “cada dia com sua agonia”.

— Sobre a ameaça de greve dos juízes, li no jornal o presidente do Supremo Tribunal Federal (Maurício Corrêa) dizendo que uma greve seria absolutamente inconstitucional. Concordo com ele. Não acredito que os juízes farão um ato inconstitucional. Eles podem se manifestar, podem apresentar suas reivindicações em qualquer situação — disse Palocci, antes do anúncio da greve.

Apesar de o governo ter cedido nas negociações, o ministro afirmou que o Planalto não aceita mexer no “coração da proposta”, que seria a criação de um novo sistema previdenciário.

"O governo ficou unido na reforma da Previdência"

Palocci também negou divisões dentro do governo sobre mudar ou não a proposta original.

— O governo ficou unido na reforma da Previdência — disse o ministro.

O ministro da Fazenda foi surpreendido ainda na Europa com as negociações comandadas pelo ministro da Previdência, Ricardo Berzoini. Com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, impôs limites para as mudanças negociadas com parlamentares e o Poder Judiciário.

— Sobre as futuras mudanças possíveis, o governo deixou uma posição muito clara: não negocia aquilo que é fundamental na reforma da Previdência, que é a mudança para um novo sistema previdenciário. O que é mais fundamental, a criação de uma nova previdência, em que haja direitos universais e eqüidade no futuro, está preservado. Para os atuais servidores, temos que buscar saídas que possam contemplar, minimamente, aquilo que o servidor tem buscado e que ele tem como um direito previdenciário — disse Palocci.

Em relação às discussões com o Congresso, Palocci disse ter certeza de que o Legislativo terá responsabilidade ao fazer mudanças na reforma da Previdência. Segundo ele, nenhum governo pode esperar que, ao enviar uma proposta ao Congresso, os parlamentares apenas “assinem embaixo”.

— Vamos trabalhar para que, se vierem mudanças, que sejam para melhorar, para aperfeiçoar os textos que são enviados.

Palocci: mudanças não comprometem proposta

Perguntado sobre sua declaração de que teria que pegar sua máquina de calcular para fazer as contas sobre futuros prejuízos com as alterações feitas na reforma da Previdência, Palocci disse que o fundamental é que as mudanças feitas do ponto de vista fiscal não comprometem a proposta.

‘É um problema para a democracia’


BRASÍLIA. A decisão dos juízes de aprovar a paralisação contra a reforma da Previdência foi criticada por líderes petistas desde cedo, antes mesmo de anunciada a greve. Preocupado, o presidente do PT, José Genoino, afirmou que a greve de juízes é um problema para a democracia.

— A greve dos servidores do Judiciário e de outras categorias com maiores salários é um direito. Mas greve de juiz é um problema para a democracia. O Judiciário é o poder que dá a última palavra numa decisão. São eles, os juízes, que vão julgar se sua greve é legal? — provocou o presidente do PT.

Genoino disse que a greve de servidores públicos — não de juízes — é uma forma legítima de pressão, mas avisou que o PT vai resistir a mudanças na reforma. Ele acrescentou não estar surpreso com a pressão do Judiciário contra a reforma da Previdência, lembrando que, nas votações da Constituinte, os juízes foram o grupo que mais pressionaram o Congresso. A tal ponto que até mesmo os militares tiveram alterações em seu sistema previdenciário, mas o Judiciário não.

— Sempre foi difícil aprovar o subteto porque significa cortar altos salários. O dilema é: ou se faz uma reforma para o país e a sociedade, ou se faz para atender a corporações do Estado. O desafio dessa reforma é ter vontade política de enfrentar essa resistência. Eu digo e repito aos servidores: respeito a pressão, mas divirjo de vocês, por isso luto para manter o texto — disse Genoino.

Já o relator da reforma da Previdência, José Pimentel (PT-CE), disse que o direito de greve é legítimo e constitucional, mas criticou o Judiciário por adotar o protesto e lamentou que não tenha havido a mesma resistência durante a ditadura.

— O que lamento é que em situações anteriores, em que o estado de direito foi revogado, eles (os juízes) não fizeram greves. Não assisti a nenhuma entidade da magistratura se insurgindo contra a ditadura — cobrou Pimentel.

Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS) também partilha da mesma opinião e usa a ameaça de greve dos magistrados como justificativa:

— Na comissão não devemos mudar nada porque esta é a melhor forma de reagir ao clima de ofensa e enfrentamento com o Judiciário. Num clima de ameaças, não mudamos nada, não negociamos, seria um desserviço ao país — disse Beto Albuquerque. — Se o tom baixar e o respeito ao Legislativo retornar, entre a comissão e o plenário poderemos retomar o diálogo. (Isabel Braga)

Técnicos da Receita param de hoje a quinta em protesto contra a reforma

BRASÍLIA. O Sindicato Nacional dos Técnicos da Receita Federal (SINDTTEN) divulgou ontem nota informando que seus técnicos farão uma paralisação de hoje até quinta-feira em protesto contra o texto da reforma da Previdência. Segundo a nota, existem hoje 7.500 técnicos na ativa.

Com o protesto, ficarão parados os serviços nas alfândegas do porto de Santos (150 técnicos), do Rio de Janeiro (65), aeroportos de Cumbica (90), Galeão (90) e Viracopos (45), posto de Ribeirão Preto (95), atendimento do Comércio Exterior, Instituição Financeira e público em geral.Segundo a nota do sindicato, em mobilizações anteriores a média de paralisação foi de 85% em todo o país.

Hoje, os funcionários do Banco Central também decidem em assembléia se aderem à greve dos servidores públicos federais. Por enquanto, o movimento está fraco, restringindo-se apenas aos funcionários de nível médio.

Cerca de 60% dos servidores federais estão parados

Ontem, o comando de greve dos servidores federais fez uma reunião de avaliação do movimento, iniciado no dia 8 deste mês. De acordo com Gilberto Cordeiro, da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef), a estimativa é que cerca de 60% dos funcionários federais estejam parados. O Ibama seria o órgão onde a paralisação é maior. Entre os professores federais, cerca de 50% estariam em greve.

— O movimento está forte e crescendo — garantiu Cordeiro.

Servidores em greve arão protestos esta semana

Hoje, os servidores farão atos nos aeroportos para esperar parlamentares que embarcam para Brasília. Amanhã, será a vez de protestos no Congresso. Na quinta, os grevistas se reúnem para organizar as próximas ações, inclusive uma marcha a Brasília entre os dias 11 e 15 de agosto.


FH a Lula sobre servidores: ‘Apertar, mas não matar’
Soraya Aggege

SÃO PAULO. Numa aula magna sobre liderança, ontem, o ex-presidente Fernando Henrique mandou recado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a crise política provocada pela reforma da Previdência. Segundo ele, “quem governa precisa se opor a alguns interesses, mas não pode contrariar a todos eles, sob o risco de perder o posto de líder”. Para Fernando Henrique, Lula precisa acertar a dose com os servidores: “apertar, mas não matar”. Antes da aula, em entrevista a uma estação de rádio, ele disse que Lula não conseguirá efetivar o “espetáculo do crescimento” como tem prometido, mas apenas torcer por isto.

— Hoje os governantes não têm mais o poder que tinham no passado. Não são eles que decidem a taxa de crescimento. Os presidentes podem apenas torcer por isto — disse.

Ex-presidente fala da solidão do poder

Fernando Henrique afirmou ainda que Lula não tem praticado uma política de continuidade ao seu governo, como vem sendo avaliado, mas apenas assumido responsabilidades diante da atual situação. De acordo com o ex-presidente, seria impossível para Lula assumir medidas diferentes nas áreas fiscal e monetária.

Durante a aula, que inaugurou o programa de mestrado em liderança da Universidade de Santo Amaro (Unisa), o ex-presidente falou sobre a solidão do poder. Segundo avaliou, a influência do governante é muito mais importante que o poder propriamente dito nos regimes democráticos.

— Fisicamente o poder não é solitário. É uma vida cercada de gente por todos os lados, geralmente de pessoas que dizem o que se quer ouvir. Alguns grilos (falantes) você tem que ter em volta para ser contrariado, ou estará perdido. É preciso ter força interna para ouvir e depois resolver. Neste momento você está isolado com sua consciência.

O ex-presidente contou que, além da solidão, enfrentou pelo menos mais três dificuldades ao trocar a vida acadêmica pela política: o contato físico com as pessoas, que o chocava, ouvir desaforos e ter que se calar, principalmente no Congresso, e ainda ter que “olhar para o vazio” enquanto fala com as pessoas. Segundo ele, como professor sempre falou olhando nos olhos dos alunos.

— Nos anos 80 (na primeira candidatura, para o Senado) eu só levava choques. Não tinha o hábito de ser tocado. A relação física com as pessoas era extremamente difícil para mim: um abraço, um beijo. Mas agora ninguém me dá (abraços e beijos) — disse, brincando.

Fernando Henrique disse ainda que a liderança não é uma ciência e tem dois momentos cruciais: a chegada e a saída de um cargo de poder. No primeiro momento, valem a determinação e convicção. Na partida, disse, é preciso pensar naquilo que se tentou fazer:

— Você tem de pensar no que tentou para poder dormir. Depois é aguardar o julgamento da História. Mas aí você já estará morto. A gente deve ter humildade: se fiz, não fiz, sabe Deus. A História dirá.

Enquanto aguarda o julgamento da História, Fernando Henrique tentará usar da influência de ex-presidente, já que não exerce mais o poder institucional, como explicou. Segundo ele, a idéia é inaugurar um estilo novo para ex-presidentes, já que no Brasil eles não exercem funções de peso.

— Não há muita tradição de ex-presidentes. Fui eleito duas vezes pelo voto direto, então por que não criar a função de ex-presidente? Quem é ex-presidente tem de estar contente por isso, não pode ficar fazendo sombra para os companheiros de partido — disse Fernando Henrique.

Nova defesa da candidatura de Serra a prefeito de SP

Ele voltou a afirmar que José Serra é hoje o melhor nome para disputar a prefeitura de São Paulo, mas que a indicação do candidato tucano será feita pelo governador Geraldo Alckmin. Segundo Fernando Henrique, Serra já conversou com ele e disse que não tem interesse na candidatura.

— O nome mais forte eleitoralmente é Serra neste momento. Mas para ser candidato é preciso querer ser o candidato. Eu tenho ainda que conversar mais com ele sobre isto — disse.