quarta-feira, 23 de julho de 2003
O Globo
Governo endurece o jogo
Isabel Braga
BRASÍLIA
Um dia depois de parte da magistratura aprovar uma greve para o começo
de agosto contra a reforma da Previdência, o governo reagiu, suspendeu
as negociações e decidiu ontem, com a base aliada, acelerar
a votação do relatório do deputado José Pimentel
(PT-CE) na comissão especial. O início da votação
foi marcado para hoje, e os líderes fecharam questão para
aprovar o texto sem qualquer mudança na comissão. Em reunião
com os líderes governistas no Congresso, o chefe da Casa Civil,
José Dirceu, pediu e conseguiu o compromisso de todos os líderes
para aprovar na íntegra o relatório, sem incluir as mudanças
pedidas pelo Judiciário.
Além da necessidade de reação à pressão
dos juízes, Dirceu enfatizou que uma prova de unidade da base,
neste momento, é um sinal necessário para tranqüilizar
a sociedade e o mercado depois das duas últimas semanas, em que
predominaram informações de recuo do governo na reforma
da Previdência.
O ministro disse que isso reafirmará nossa coesão,
a determinação do governo de fazer as reformas e as mudanças
necessárias e será também um indicativo de que a
base não se sujeita a qualquer tipo de pressão disse
o vice-líder do governo, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS) após
a reunião com Dirceu.
Vários deputados enfatizaram ontem o erro de estratégia
dos juízes: o anúncio de que fariam greve para pressionar
pela elevação do subteto da magistratura de 75% do salário
de ministro do Supremo Tribunal Federal (como está no relatório)
para 90,25% acabou unindo a base aliada, que estava em pé de guerra
com o governo. Ontem, até mesmo aliados como PL e PTB, que anunciaram
a disposição de tentar garantir o teto de 90,25% no plenário,
fecharam com o governo na votação do texto de Pimentel na
comissão.
Para garantir a vitória na comissão especial, sem depender
da oposição, os líderes dos partidos aliados, com
exceção do PDT, comprometeram-se a substituir os deputados
dispostos a votar contra medidas do relatório.
PT fecha questão pelo relatório
Durante todo o dia, antes da reunião com Dirceu, os líderes
governistas voltaram a criticar a greve dos juízes. O líder
do PT, Nelson Pellegrino (BA), avisou:
A greve pode estabelecer um clima de confronto e levar o governo
a encerrar as negociações. A radicalização
de um lado pode levar à radicalização do outro.
No início da noite de ontem a bancada do PT também fechou
questão para a aprovação do relatório de Pimentel
na comissão, sem qualquer alteração.
Se negociarem o subteto, vou defender na bancada e na executiva
que o PT não aceite esse acordo. Não podemos aceitar que
o Poder Judiciário faça chantagem política
avisou o presidente do PT, José Genoino, durante a reunião
da bancada.
Os deputados do PSDB também manifestaram repúdio à
greve do Judiciário.
Essa greve é um absurdo! Eles estão enfraquecendo
a posição do Judiciário. Isso gera um sentimento
de insegurança para a população justo por parte de
quem tem o dever constitucional de ser ponderado e sensato disse
o líder da bancada do PSDB, Jutahy Magalhães.
Apenas o líder do PFL, José Carlos Aleluia (PFL-BA), embora
admitindo que a paralisação atrapalha os serviços
da Justiça, preferiu responsabilizar o governo pelo problema.
Toda greve atrapalha o serviço, mas ajuda a negociação.
A pressão é uma arma legítima do trabalhador. O governo
não dá ao Judiciário o tratamento distinto de carreira
de Estado. Eles estão se comportando como trabalhadores
disse Aleluia.
Por unanimidade, Ministério
Público decide aderir à greve da magistratura
Evandro Éboli
BRASÍLIA. A Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público (Conamp) decidiu ontem aderir à greve dos juízes
contra a reforma da Previdência. A entidade, que representa 12.800
procuradores e promotores estaduais, militares e do Trabalho em todo o
país, aprovou a paralisação por unanimidade. A greve
está marcada para o mesmo período da dos juízes:
de 5 a 12 de agosto. Os procuradores da República que atuam na
Justiça Federal, porém, decidiram não parar.
Os integrantes dos Ministérios Públicos Militar e do Trabalho
aderiram ao movimento em solidariedade aos promotores estaduais, atingidos
pelo subteto de 75% do salário dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF). Como são vinculados ao Ministério Público
da União (MPU), os membros do MP Militar e do MP do Trabalho não
foram atingidos pelas regras do subteto e vão receber os 90,25%
acertados com o governo.
As reivindicações dos integrantes do Ministério
Público são as mesmas dos juízes. Além de
não aceitarem o subteto de 75%, eles querem garantir a aposentadoria
integral para os atuais e futuros procuradores e promotores e também
os mesmos reajustes salariais.
Promotorias funcionarão em escala de plantão
na greve
O presidente da Conamp, Marfan Martins Vieira, afirmou que durante a
greve as promotorias vão funcionar em esquema de plantão
e irão atender às questões mais urgentes. No entendimento
de Marfan, o movimento não é ilegal.
A matéria não foi regulamentada e por isso não
há ilegalidade na paralisação disse o dirigente
da Conamp.
Para Marfan, as críticas dos presidentes dos tribunais superiores
não afetam a greve:
O STF, até agora, não se manifestou. Existem apenas
opiniões de alguns ministros.
Para os promotores, integralidade, paridade e subteto são inegociáveis.
O que levou à radicalização é que
o governo acerta uma coisa e na hora de apresentar o texto esquece o combinado
disse Marfan.
A direção da Conamp reuniu-se com o líder do PT
na Câmara, Nelson Pellegrino. Segundo Marfan, o petista disse que
não há como mexer no texto agora e que alterações
poderiam ser feitas no plenário.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da
República, Nicolao Dino, disse que ainda há tempo de evitar
a greve com o diálogo. Em nota, ele criticou a reforma da Previdência
proposta pelo governo, apesar de sua categoria não ter decidido
entrar em greve. Houve distanciamento das expectativas das carreiras
de Estado e tem prevalecido a vontade dos governadores, diz a nota.
Com greve, tramitação
de processos pára
Carolina Brígido
BRASÍLIA. Se acontecer, a greve vai parar a tramitação
de processos na Justiça, a produção de pareceres
do Ministério Público e as denúncias. A paralisação
afetará as ações que tramitam na Justiça comum
dos estados e nas instâncias inferiores da Justiça do Trabalho
e da Justiça Militar. Não afeta os processos que estão
na Justiça Federal nem nos tribunais superiores, que não
vão aderir à greve.
Durante os oito dias de paralisação, promotores e procuradores
vão trabalhar em regime de plantão de fim de semana, apenas
nos casos de urgência, em ações que envolvam a liberdade
e a vida. Entre as exceções que serão apreciadas
estão a concessão de hábeas-corpus, liminares para
conceder pensão alimentícia ou atendimento médico
negado por plano de saúde.
Um caso que vamos apreciar é a prisão em flagrante
em que houver suspeita de que o preso foi submetido a constrangimento
ilegal disse o presidente da entidade que representa os promotores
(Conamp), Marfan Martins Vieira.
No Rio, apenas dois promotores de plantão
No Rio de Janeiro, por exemplo, o Ministério Público, que
tem 700 promotores, vai funcionar durante a greve com apenas dois.
Segundo Marfan, 90% dos casos não são de urgência.
Na paralisação, não haverá audiências
públicas, atendimento para casos de divórcio e testemunhas
em processos criminais não serão ouvidas.
Na Justiça estadual, além de não haver audiências,
os juízes não darão despachos. O Judiciário,
que também vai funcionar em esquema de plantão, vai tratar
apenas de medidas de urgência como os pedidos de hábeas-corpus.
O protocolo vai estar aberto, a não ser que os servidores públicos
do setor estejam em greve.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados do
Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho, afirmou que haverá acúmulo
de processos com a greve.
Isso vai retardar o proferimento de decisões pelos juízes
disse Coutinho.
Para o presidente da Associação Nacional do Ministério
Público Militar, Marcelo Weitzel, a área mais afetada com
as greves será a penal.
Na área penal, tudo se resolve com audiência, o que
será impossível de acontecer disse Weitzel.
COLABOROU Evandro Éboli
Tribunais não sabem quem julgaria
greve
Carolina Brígido e Cristiane Jungblut
BRASÍLIA. Inédita na História do país, a
greve dos magistrados marcada para o período de 5 a 12 de agosto,
se de fato acontecer, trará problemas para a população
e para o próprio Judiciário. Como o direito de greve de
servidores públicos não está regulamentado na Constituição,
não há lei que diga que órgão deveria examinar
o caso. O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
ministro Edson Vidigal, não arrisca palpite sobre o foro para exame
do assunto:
Isso é tão novo que é um desafio à
imaginação. A falta de previsão legal para a greve
dos magistrados faz de qualquer idéia mera especulação.
A análise jurídica do Palácio do Planalto é
de que a greve dos juízes é ilegal e inconstitucional, mas
que não cabe medida judicial por tratar-se de outro poder. Assessores
jurídicos do governo consideram ainda que medidas como o desconto
das faltas do juízes que grevistas só poderiam ser tomadas
pelos tribunais, já que o Poder Judiciário é independente.
Para o caso de uma decisão no Judiciário contra os grevistas,
o governo acredita que a esfera competente seria o Conselho Nacional de
Justiça, presidido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), Nilson Naves.
Já de acordo com interpretações da Advocacia Geral
da União (AGU) e do vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), ministro Vantuil Abdala, cabe à Justiça Federal
que não aderiu ao movimento julgar eventuais ações
contra a greve. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Maurício
Corrêa, afirma que o julgamento deve ser disciplinar, de responsabilidade
das corregedorias de cada tribunal estadual:
Cada tribunal tem sua corregedoria. Isso é um problema
a ser resolvido por elas.
De acordo com o vice-presidente do TST, que considera a greve inapropriada,
a apreciação judicial de qualquer desdobramento jurídico
da greve caberia ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou ao Superior Tribunal
de Justiça (STJ), de acordo com o tipo de ação.
Numa hipótese de tentativa de se levar uma questão
relativa à greve ao Judiciário, com certeza não seria
a Justiça do Trabalho o órgão competente disse
o ministro Abdala.
Ele argumenta que cabe à Justiça do Trabalho julgar apenas
dissídios entre empregado e empregador regidos pela Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). Anteontem o presidente do STJ, ministro Nilson
Naves, afirmou que caberia à Justiça trabalhista deliberar
sobre o assunto.
O ministro do TST disse ainda que não seria prudente tratar o
magistrado grevista como servidor público, já que se trata
de um dos poderes da República.
Cidadão lesado poderá pedir reparação
dos danos
A AGU considera que o precedente do STF seria parâmetro para um
eventual julgamento da legalidade da greve dos magistrados. De acordo
com o julgamento do Supremo, realizado em maio de 1994, a falta de regulamentação
do direito de greve dos funcionários públicos faz o movimento
inconstitucional.
De acordo com o vice-presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, se a
greve for considerada ilegal, as faltas ao trabalho deveriam ser descontadas
em folha de pagamento. E se algum cidadão se sentir lesado pela
falta de serviços prestados durante a paralisação
poderá entrar com uma ação na Justiça para
pedir reparação dos supostos danos.
Berzoini admite apoiar
projeto do governo FH
BRASÍLIA. O ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, admitiu
ontem, durante reunião com a bancada do PSDB, que pode vir a ser
um defensor do modelo de previdência complementar com contribuição
definida, como prevê o PL 09, projeto do governo Fernando Henrique.
O ministro, no entanto, deixou claro à oposição que
não poderá explicitar o apoio agora para não tumultuar
a votação do relatório da reforma da Previdência.
Os partidos de esquerda hoje no governo apresentaram três emendas
ao PL 09 alterando o texto para os futuros servidores terem garantido
o benefício definido. Nesse caso, a União arcaria com o
prejuízo, no caso de os fundos não terem liquidez para pagar
o equivalente ao que o servidor ganhava na ativa.
Na reunião de ontem à tarde, o PSDB cobrou do ministro
que a base do governo no Congresso esteja mais afinada com o que diz o
Executivo. O PSDB apóia a reforma, mas não aceita que a
votação do relatório comece hoje na comissão
especial, como decidiu ontem o governo.
O governo diz uma coisa e sua base, outra. Não vamos obstruir
por obstruir, mas queremos que a reforma seja mais discutida principalmente
no que se refere aos fundos de pensão e às regras de transição
disse o líder da bancada, Jutahy Magalhães Júnior
(BA).
O deputado Alberto Goldman (PSDB-SP) abandonou a reunião antes
do fim e disse que o encontro era inútil porque o ministro havia
dito que o relatório estava pronto para ser votado.
Lula e governadores
não chegam a um acordo
Catia Seabrae Bernardo de La Peña
BRASÍLIA. O pacto entre governo federal e governadores está
por um triz. Em tom de ultimato, e depois de uma tensa reunião
com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e com o chefe da Casa Civil,
José Dirceu, a comissão escalada para representar os governadores
cobrou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o atendimento de
suas reivindicações na partilha da arrecadação
de impostos.
Do contrário, estará enterrado o acordo para a aprovação
das reformas, inclusive a previdenciária. Sem sequer admitir a
idéia de dividir a receita da CPMF, Lula acenou com a possibilidade
de editar uma medida provisória determinando o rateio da receita
da Contribuição de Intervenção do Domínio
Econômico (Cide). E pediu tempo para estudar as outras propostas.
Aécio: Ainda acredito na sensibilidade de Lula
Nas duas tensas reuniões, os governadores avisaram que brigarão
para aprovar, no Congresso, a destinação de 0,08% da CPMF
para os estados.
Não houve acordo. Por isso, estou cauteloso. Ainda acredito
na sensibilidade do presidente Lula e na sua disposição
de manter o pacto. Se não, podemos conquistar nossas reivindicações
no Congresso disse Aécio Neves (PSDB-MG).
Avisamos ao presidente: amanhã (hoje) já estou lá,
num café da manhã com minha bancada endossou o governador
de Amazonas, Eduardo Braga (PPS).
Além da declaração de guerra no Congresso, os governadores
advertiram que, sem apoio dos estados, a reforma será enterrada.
A reforma tributária precisa ser neutra e boa para todos.
Se não resultar em vantagens para o setor produtivo, o governo
federal e os estados, é melhor deixar as coisas como estão
disse Marconi Perillo (PSDB), de Goiás.
De manhã, ao longo de mais de duas horas de audiência, o
ministro da Fazenda, Antonio Palocci, rechaçou todas as propostas
do grupo, admitindo apenas dividir parte da receita da Cide, desde que
o preço do petróleo caia.
Lula: A aliança não será só para essas
duas reformas
Sem driblar as objeções de Palocci às suas reivindicações,
os governadores foram informados que, tecnicamente, não havia condições
de serem atendidos. Certos de que dependeriam de uma decisão de
Lula, desistiram da continuar a conversa com Palocci.
Lula é o avalista desse acordo. Cabe a ele decidir se vamos
caminhar juntos até o fim disse Aécio.
E foi Lula quem neutralizou a irritação dos governadores
ao reconhecer o peso deles na negociação.
Estou convencido de que o impacto da reforma não é
só financeiro, é político. E tenho consciência
de que nossa aliança não será só para essas
duas reformas afagou Lula.
Mas os governadores saíram do Planalto com a promessa de que o
governo anunciará, nos próximos dias, o texto da MP regulamentando
a distribuição da Cide a partir de 2004. Será estudada
ainda a hipótese de ampliar os recursos do fundo de compensação
das perdas da Lei Kandir.
O porta-voz da Presidência, André Singer, disse que o governo
vai analisar as propostas dos governadores. Segundo ele, deverá
haver novas reuniões entre a comissão de governadores e
a equipe econômica nos próximos dias para tentar um acordo.
COLABOROU Cristiane Jungblut

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