sexta-feira, 25 de julho de 2003

O Globo

Texto da reforma tributária surpreende governo
Valderez Caetano

BRASÍLIA. A equipe econômica foi pega de surpresa com as mudanças propostas pelo relator da reforma tributária, Virgílio Guimarães (PT-MG), no relatório preliminar divulgado anteontem. Embora o governo estivesse negociando a reforma com a Comissão Especial há mais de um mês, o relatório lido no plenário sofreu modificações de última hora, à revelia dos negociadores do governistas. A surpresa maior foi a inclusão da DRE (Desvinculação de Receitas dos Estados), tão reivindicada pelos estados, considerada como o principal trunfo do governo na negociação com os cinco governadores que representam as cinco regiões do país.

A reforma proposta por Virgílio vai alterar mais de 20 artigos da Constituição, enquanto a proposta original do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, alterava oito artigos. O governo considera que perdeu margem para negociar com os governadores.

— O que saiu não foi bem o negociado. O relator facilitou a vida dos governadores ao admitir a desvinculação das receitas estaduais, mas tirou do governo um instrumento de barganha — comentou uma fonte do Ministério da Fazenda.

Desvinculação de receitas sofre resistência

Apesar de ter feito concessões tanto a governistas quanto à oposição, o relatório de Virgílio começa a sofrer resistências dentro da própria bancada. O ponto nevrálgico é justamente a desvinculação de 20% das receitas dos estados(DRE), a exemplo do que está proposto para as receitas da União. Os parlamentares insistem que a educação e saúde vão ter sérias perdas de investimentos.

— Não vamos permitir que a educação e a saúde percam recursos — disse o deputado Paulo Rubem (PT-PE), do núcleo de educação da Câmara.

No Senado alguns parlamentares também fecharam questão sobre o assunto. O senador Augusto Botelho (PDT-RR) disse que a vinculação de verbas para os dois setores foi a maior conquista social do país nos últimos anos.

— Quando, porém, vemos governadores e alguns prefeitos pedirem uma espécie de DRU Estadual ou municipal, nossa indignação é arrebatadora — disse o senador.

Oposição elogia relatório de Guimarães

O petista Paulo Paim (PT-RS), primeiro vice-presidente do Senado, disse que está preocupado com as exigências que os governadores vêm fazendo para aprovar as reformas do governo Lula.

— Os governadores começaram a avançar o sinal. Eles estão querendo CPMF, Cide e ainda a desvinculação de 20% das receitas dos estados. Discordo da posição. Eles se esquecem de que não votam no Congresso — disse Paim.

A oposição não poupava elogios à minuta da reforma de Virgílio Guimarães. O deputado Walter Feldman (PSDB-SP), conhecido pela sua militância em favor da reforma tributária, elogiou não só a conduta democrática do relator, como também as propostas acolhidas por ele.

Mas São Paulo faz sérias restrições à proposta de desonerar os bens de capital da cobrança do ICMS. O deputado deu a entender que o estado de São Paulo está disposto a concordar com a manutenção dos incentivos fiscais por 12 anos, como prevê Virgílio, mas quer a compensação da isenção dos bens de capital.

— Se for mesmo aprovado temos que exigir compensação para São Paulo — disse Feldman, acrescentando que o estado perderá mais de meio milhão se houver a desoneração.

Para o líder do PFL, José Carlos Aleluia (BA), a reforma é boa. Mas ele insistiu que o PFL não vai concordar com o aumento da carga tributária.

— Mandamos fazer um levantamento de todas as propostas. Se houver aumento de carga, o PFL não vota a favor.


Lula ataca os privilegiados do funcionalismo
Ricardo Galhardo
Enviado especial

CONCÓRDIA (SC). Um dia depois da tumultuada aprovação da proposta de reforma da Previdência na comissão especial da Câmara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de privilegiados os setores do funcionalismo que resistem às mudanças. Lula não citou os juízes, que decidiram entrar em greve, e os servidores grevistas, mas disse que 90% dos servidores ganham mal enquanto uma minoria protesta porque quer se aposentar com salários de até R$ 20 mil.

— Depois de aposentados, 90% do setor público ganham mal e vivem mal. Mas alguns setores privilegiados do serviço público não se conformam com a proposta de reforma. Porque tem gente que, num país onde existem 40 milhões passando fome e onde o salário-mínimo é de R$ 240, acha pouco se aposentar com R$ 17 mil, R$ 19 mil, com R$ 20 mil — disse Lula.

“Precisamos distribuir o pouco que temos”, diz

O presidente voltou a afirmar que o objetivo da reforma da Previdência é a justiça social. Segundo ele, é preciso dividir os poucos recursos que o Brasil possui, mesmo que isso desagrade a alguns setores.

— Esse é um país pobre e nós precisamos distribuir o pouco que temos de forma mais equitativa e mais justa para que todos tenham direito a um mínimo. É assim que vamos governar este país. Tem gente que pode não gostar.

O presidente afirmou que não governa com base em pressões deste ou daquele segmento, mas pelo bem da população.

— Tenho consciência das dificuldades, mas tenho convicção das coisas que têm que acontecer no Brasil e elas vão acontecer. Nada acontecerá porque alguém quer que aconteça. Vai acontecer quando o governo conscientemente entender que elas devam acontecer — disse.

O presidente falou a uma platéia de 2.500 pequenos agricultores que comemoravam o dia da Agricultura Familiar em Concórdia (SC) e prometeu dedicar o segundo semestre a resolver o problema da reforma agrária.

Para Lula, é inaceitável o fato de um país do tamanho do Brasil ter conflitos no campo.

— A reforma agrária não é uma vontade nem do latifúndio nem dos sem-terra. É uma necessidade social. Todos os países do mundo fizeram e, portanto, o Brasil precisa fazer também — afirmou o presidente.

Servidores protestam e 4 são detidos
Adauri Antunes Barbosa
Enviado especial

ITAJAÍ (SC). Um atraso de cerca de três horas e meia na solenidade de batismo de um navio de transporte de gás fez com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não assistisse, no começo da tarde de ontem, a um protesto de funcionários públicos federais na entrada do Estaleiro Itajaí, em Itajaí (SC). Para conter os cerca de 300 servidores, segundo estimativa da Polícia Militar, que protestavam contra a reforma da Previdência, a PM deteve quatro manifestantes depois de usar gás lacrimogêneo, gás paralisante e bombas de efeito moral.

De acordo com o comandante da PM em Itajaí, major Jorge Luiz de Gomes, não houve confronto com os manifestantes, mas apenas uma "ação enérgica" dos policiais para conter os mais exaltados.

— Houve um empurra-empurra. Não chegou a ter confronto. Fizemos a detenção de quatro pessoas, dei uma bronca nelas e em seguida elas foram liberadas — disse o major Gomes.

Segundo o comandante da PM em Itajaí, no lugar havia cerca de 30 policiais no momento do confronto. Ao todo, a operação de segurança da visita do presidente Lula à cidade, no litoral catarinense, envolveu um contingente de 190 policiais.

Juízes querem negociar e podem desistir de greve
Isabel Braga, Catia Seabrae Bernardo de la Peña

BRASÍLIA. Está aberta a temporada de negociações. Menos de 24 horas após a aprovação da reforma da Previdência na comissão especial, representantes de juízes e promotores já percorriam os gabinetes do Congresso em busca de apoio para tentar modificar o relatório do deputado José Pimentel (PT-CE). Dispostos a negociar, reabriram o diálogo e mostraram sinais de que estão dispostos a recuar na greve marcada para agosto, caso as negociações avancem.

O chefe da Casa Civil, José Dirceu, se reuniu ontem com os líderes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrará pessoalmente na articulação para a votação em plenário, com um encontro com aliados nos próximos dias. Interlocutores do Planalto informaram ontem que o governo admite renegociar o teto, mas com uma proposta intermediária, sem atender à reivindicação total dos juízes, que querem 90,25% do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que é de R$ 17 mil.

Os juízes estiveram com deputados do PT, foram aos gabinetes da liderança do governo e do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). Depois da reunião, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Cláudio Baldino Maciel, acenava com a possibilidade de suspensão da greve dos magistrados.

Os líderes da base governista admitem a possibilidade de mudanças na reforma durante a votação em plenário da Câmara, adiada para aumentar o tempo de negociação. A agenda acertada pelos líderes com Dirceu prevê o início das votações na provavelmente no dia 5 de agosto.

— Poderíamos ter uma fase de rolo compressor, mas não funciona a qualquer hora, deixa seqüelas — disse o vice-líder do PT, Paulo Bernardo (PR).

— Podemos suspender o movimento desde que se encontre uma situação favorável e uma negociação concreta — afirmou Baldino Maciel.

Para ele, o governo terá que fazer concessões. Os juízes insistem na integralidade e na paridade também para os futuros servidores e no aumento do subteto dos magistrados estaduais de 75% para 90,25% do salário de ministro do STF de transição mais flexíveis. O governo insiste em manter a proposta aprovada na comissão, mas os próprios negociadores no Congresso admitem que mudanças são inevitáveis.

Quatro pontos podem ser modificados: o subteto reivindicado pelos juízes, o aumento do limite para o pagamento integral das pensões dos servidores de R$ 1.058 para R$ 2.400, a inclusão de regras de transição e a taxação dos servidores inativos.

— A fase agora é no plenário. São 513 deputados. Vamos montar as estratégias e negociar as mudanças — disse o líder do PT na Câmara, Nelson Pellegrino (BA).

O que está em negociação


PENSÕES

COMO FICOU: Serão pagas integralmente até R$ 1.058; acima deste valor, poderão sofrer redução de até 70%.

O QUE PODE MUDAR: Pode ser garantida a integralidade até R$ 2.400 e pelo menos 50% do valor restante.

TAXAÇÃO DE INATIVOS

COMO FICOU: Aposentados e pensionistas do setor público pagarão 11% de contribuição sobre o valor do benefício superior a R$ 1.058. Para os futuros servidores e pensionistas os 11% incidirão sobre o valor acima de R$ 2.400.

O QUE PODE MUDAR: Há vários tipos de emendas: a que estabelece o fim da cobrança, a que isenta o pagamento a partir de 70 anos, a que amplia a isenção de R$ 1.058 para R$ 1,3 mil ou mais.

REGRAS DE TRANSIÇÃO

COMO FICOU: O texto garantiu aposentadoria integral e paridade parcial para os atuais servidores, desde que cumpridos três requisitos: idade mínima de 55 anos e 30 anos de contribuição para mulheres e 60 anos de idade e 35 de contribuição para homens, 20 anos de serviço público e 10 anos no cargo. Quem quiser se aposentar antes terá um redutor de 5% por ano, até o limite de 30%.

O QUE PODE MUDAR: Também há várias propostas, mas idéia é ter regras de transição menos rigorosas para os servidores que estão mais próximos de se aposentar.

SUBTETO PARA JUÍZES

COMO FICOU: O salário máximo dos magistrados e servidores do Judiciário nos estados será de 75% do salário do ministro do STF.

O QUE PODE MUDAR: O governo resiste em chegar aos 90,25% do salário do ministro do STF, mas pode aceitar um valor intermediário.