terça-feira, 29 de julho de 2003

O Globo

Juízes: greve mesmo contra opinião pública
Evandro Éboli

BRASÍLIA. Os presidentes dos Tribunais de Justiça dos estados reuniram-se ontem e anunciaram apoio às entidades que lideram o movimento pela greve dos magistrados, marcada para o dia 5. O presidente do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça, José Fernandes Filho, chamou a greve de ato heróico e acusou o Executivo de submeter os magistrados à execração pública. O desembargador afirmou que não está preocupado com o que pensa a opinião pública.

- É um risco que corremos: sermos incompreendidos pela sociedade. As prerrogativas da magistratura serão defendidas até a medula, com ou sem compreensão da opinião pública - disse Fernandes.

Os desembargadores são contra o subteto de 75% dos salários de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), previsto pela proposta de reforma da Previdência. Eles querem o subteto de 90,25%.

Hoje, uma rodada de negociações deve decidir se a greve programada para começar na próxima semana será mantida. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, reúne-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, e também se encontrará com o relator da reforma da Previdência, José Pimentel (PT-CE), e com o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF), um dos principais interlocutores do governo. Amanhã, está marcada nova assembléia da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). A entidade também se reúne com o relator da reforma da Previdência.

"Greve é fruto do estado de necessidade", dizem juízes

Numa nota divulgada ontem após seis horas de reunião, os presidentes dos tribunais não condenaram nem fizeram qualquer crítica à paralisação anunciada pelos juízes estaduais, militares e do Trabalho. Para eles, a greve é "fruto do estado de necessidade". Os desembargadores acusam o Planalto de ter descumprido a promessa de assegurar o subteto de 90,25% do salário dos ministros do Supremo, que motivou a greve.

A nota lamenta que "a incompreensão do Poder Executivo e o descumprimento da palavra, solenemente empenhada, tenham conduzido a classe a decidir por eventual paralisação". Segundo Fernandes Filho, nenhum magistrado quer fazer greve.

- Mas nos encurralaram, nos esbofetearam e nos agrediram - disse, referindo-se ao texto da proposta de reforma da Previdência.

Os presidentes dos tribunais acusam os governadores de serem intransigentes ao defenderem o subteto de 75% do vencimento do ministro do Supremo. Na nota, eles renovam a confiança no presidente do Supremo, classificado como "interlocutor idôneo e qualificado para o diálogo com os demais poderes". Maurício Corrêa é contra a greve, que considera inconstitucional.

Para Fernandes Filho, a opção da Associação dos Magistrados do Brasil pela greve é uma decisão soberana das associações de classe:

- As associações decidiram por um ato muito heróico, pela paralisação.

O presidente do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça disse que a discussão da redução de salário afeta a imagem dos juízes:

- Expõe a magistratura à execração pública em nome do caixa e do ajuste fiscal.

Os 25 presidentes de tribunais que participaram da reunião encontraram-se no fim da tarde com o presidente do STF, que voltou a defender o subteto nos estados de 90,25%.

Maurício Corrêa disse que o subteto previsto na proposta de emenda constitucional do governo é totalmente correto, mas desde que respeite os 90,25% previstos no artigo 93 da Constituição.

- Tem que haver subteto. Porque até agora existe um subteto e um teto, de 90,25%, que não são respeitados porque nunca foram regulamentados. Agora está sendo regulamentado - afirmou.

Maurício Corrêa acha que o subteto será um benefício para os estados porque vai corrigir as distorções, destacando que elas existem não só no Judiciário, mas em outras categorias.

- É um instrumento moralizador, só que houve um entendimento errado ao decidir pelos 75% - disse.

Ainda segundo ele, se o Congresso restabelecer aquilo que foi inicialmente negociado, "estará tudo resolvido".

Receita adere hoje ao movimento

BRASÍLIA. Os servidores da Receita Federal iniciam hoje uma paralisação por tempo indeterminado para reivindicar a reabertura das discussões em torno da reforma da Previdência. Os auditores já vinham fazendo paralisações desde o dia 14 de maio. Mas a estratégia era parar por períodos de 48 horas. Em julho, eles decidiram só trabalhar às segundas e sextas-feiras.

Por causa da paralisaçào, o governo vai ampliar o prazo de adesão das empresas ao Refis, o programa de refinanciamento de dívidas junto à Receita e ao INSS, que terminaria no próximo dia 31. O novo prazo pode ser definido em projeto de lei ou medida provisória, e poderá ser discutido durante a convocação extraordinária do Congresso.

Relatório da reforma tributária tem novo recuo
Valderez Caetano

BRASÍLIA. Em mais um recuo na elaboração de seu relatório, e depois de sofrer pressões de diversos setores ligados à saúde e educação, inclusive do próprio PT, o relator da reforma tributária, Virgílio Guimarães (PT-MG), decidiu mais uma vez mudar sua proposta de desvinculação das receitas dos estados, a chamada DRE.

Hoje ele apresenta nova versão de seu relatório à comissão especial da reforma, na qual vai condicionar a desvinculação de receitas à exigência constitucional de os estados aplicarem 12% do orçamento em saúde.

Segundo a última estatística do Ministério da Saúde relativa a 2002, 17 estados deixaram de aplicar os recursos previstos na lei. Entre os estados, o Rio deixou de aplicar R$ 252 milhões e Minas Gerais, R$ 103 milhões. Os números mostram ainda que os estados estão deixando de aplicar por ano R$1 bilhão em saúde.

- Eles não cumpriram o dispositivo constitucional e ninguém está cobrando. Se é o município, o prefeito vai para a cadeia - disse o presidente da Confederação Nacional do Municípios, Paulo Ziulkoski.

Segundo ele, os municípios são contra a desvinculação das receitas porque nem mesmo obrigados os estados estão cumprindo o dispositivo constitucional.

Representantes das cidades encontram-se com Palocci

Amanhã os representantes dos municípios têm agendada uma reunião com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e outros ministros ligados à área econômica. Entre as reivindicações, eles também querem, a exemplo dos governadores, uma fatia da Cide (imposto sobre combustíveis) e da CPMF (o chamado imposto do cheque) dentro das mudanças da reforma tributária.

Pela proposta de Virgílio Guimarães, antes de desvincular as receitas, os estados terão que separar os recursos obrigatórios da saúde, educação e de ciência e tecnologia. Só depois disso, o estado terá o direito de dispor dos recursos para usar em outras rubricas.

O relator também fará algumas mudanças no artigo que trata de incentivos fiscais. No relatório apresentado na semana passada, ele mantinha os incentivos pelos próximos 12 anos. Além disso, os novos incentivos que fossem firmados a partir de agora, teriam mais três anos de duração depois de promulgada a Constituição. O governo acha que a proposta não acaba com a chamada guerra fiscal, o que é um dos principais objetivos da reforma.

Transição do ICMS se dará em 10 ou 12 anos

No novo relatório, Virgílio Guimarães, deverá manter a cobrança do ICMS no sistema misto como é hoje. A transição está prevista para ser concluída em 10 ou 12 anos. Parlamentares da comissão especial, no entanto, consideram que o relator cedeu em demasia em sua primeira proposta e que, a partir de agora, ficará mais difícil recuar em pontos considerados estratégicos para futuras negociações com as bancadas. Um dos pontos foi a proposta de retirar da Constituição o dispositivo que obriga que o ICMS da energia e dos combustíveis seja cobrado no destino.

- Essa seria uma boa carta na mesa para futuras negociações - reconheceu o deputado Sandro Mabel (PL-GO), coordenador da Frente da Reforma Tributária para o Centro-Oeste.