quinta-feira, 31 de julho de 2003
O Globo
Acordo derruba greve
Evandro Éboli, Isabela Abdalae Bernardo de la Peña
BRASÍLIA
Após fechar acordo com o Congresso que garante a elevação
do subteto salarial do Judiciário nos estados, juízes e
promotores decidiram, em assembléias realizadas ontem, suspender
a greve de uma semana prevista para começar na próxima terça-feira.
O acordo ainda depende, no entanto, de aval do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Em reunião ontem à noite com líderes
da base, o ministro José Dirceu (Casa Civil) deixou claro que Lula
não está disposto a aceitar que o subteto para juízes
nos estados seja elevado para um valor entre 85% e 90,25% do salário
de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que é de R$ 17.170.
Na proposta original do governo, o subteto seria de 75%, ou R$ 12.800.
Depois da reunião, os líderes do governo disseram que o
presidente insistirá hoje na aprovação do relatório
do deputado José Pimentel (PT-CE) sem mudanças, apesar do
acordo costurado no Congresso.
A posição do presidente continua sendo a do relatório
disse o líder do PT na Câmara, Nelson Pellegrino.
Segundo eles, Dirceu foi claro ao manifestar a posição
de Lula, já sinalizada por seu porta-voz, André Singer,
mais cedo:
O presidente considera que a negociação ocorrida
até aqui foi positiva, porque não afetou os fundamentos
da proposta. Mas o presidente considera que, se houver mudanças
significativas no relatório do deputado José Pimentel, elas
podem descaracterizar o sentido social da reforma e também o equilíbrio
da Previdência disse Singer. Os parlamentares garantiram
que não se trata apenas de uma posição retórica
do governo e sim de tentar mesmo aprovar o subteto de 75%. Mas alguns
consideram que o acordo já está selado e que Lula apenas
deixará clara sua posição para não parecer
um recuo do governo.
Corrêa implorapelo fim da greve
Nos últimos dias, líderes do Congresso que participaram
das negociações e o próprio presidente do STF, Maurício
Corrêa, pressionaram os sindicatos do Judiciário para que
fechassem o acordo e suspendessem a greve. Ontem, numa jornada de intensas
negociações com o Congresso e magistrados, Corrêa
chegou a implorar para que suspendessem o indicativo de greve. No final
da tarde a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) aprovou
o fim da greve por 55 votos a 1.
Numa reunião com os líderes grevistas e cerca de 50 juízes
e alguns promotores, Corrêa alertou que a greve iria dificultar
a aprovação de qualquer vantagem para a categoria.
Ele disse a nós que o Congresso iria se sentir pressionado
com a greve, o que iria nos prejudicar disse o juiz Leonardo Sanches,
de Goiás.
Em reunião com o presidente da Câmara, João Paulo
Cunha (PT-SP), e os líderes da base governista, Corrêa apresentou
argumentos para que o governo ceda no subteto dos juízes estaduais.
Segundo Corrêa, como a Constituição, no artigo 93,
inciso quinto, já fixa o percentual dos salários do Judiciário,
a criação de um subteto de 75% do que recebe um ministro
do Supremo poderia facilmente ser considerada inconstitucional.
Corrêa comprometeu-se a trabalhar pelo fim da greve do Judiciário
e a baixar um ato administrativo, assim que promulgada a reforma, aplicando
o abate-teto, que impedirá que servidores de todo o Judiciário
tenham salários maiores do que o subteto que for fixado pela reforma.
O lucro dos estados será incomensurável
porque a partir do estabelecimento do subteto, que já estava na
Constituição, os governadores terão uma forma imediata
de aplicar o dispositivo e assim quem ganha mais do que o subteto estabelecido
não vai receber mais excessos explicou.
COLABORARAM Cristiane Jungblut e Isabel Braga
Próxima reivindicação:
fundo de previdência
BRASÍLIA. Vencida a primeira batalha contra o governo em relação
ao aumento do subteto para o Judiciário, com ameaça de greve,
os magistrados já levantam outra bandeira: querem um fundo de previdência
complementar próprio, que seja público, com gestão
estatal e com benefício definido. O assunto foi um dos discutidos
ontem pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Maurício
Corrêa, interlocutor do Poder Judiciário na reunião
com o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e o
colégio de líderes.
O governo resiste a que seja um fundo público estatal e defende
o modelo de fundos como Petros (Petrobras), Centrus (Banco Central) e
Previ (Banco do Brasil), fundos públicos de direito privado.
Segundo o relator da reforma da Previdência, deputado José
Pimentel (PT-CE), os juízes aceitam a criação de
um fundo complementar, mas discutem a natureza da entidade que será
responsável pelo pagamento de suas aposentadorias além dos
R$ 2.400 que serão pagos pelo INSS.
Estamos discutindo a gestão, administração
e a natureza jurídica do fundo. A proposta é que seja uma
fundação pública (como os fundos de pensão
de empresas públicas), mas eles querem que seja uma fundação
pública estatal. Só falta acertar isso afirmou Pimentel.
A diferença entre ser ou não estatal é que, caso
ocorra algum problema de caixa, sendo o fundo estatal, o governo é
obrigado a arcar com as aposentadorias dos magistrados. Fora este ponto,
segundo o relator, os magistrados já concordaram que a gestão
do fundo seja paritária metade dos diretores seriam nomeados
e metade eleita pelos integrantes do fundo.
Os novos fundos além do Judiciário poderão
ser criados outros para o Executivo e o Legislativo deverão
ser submetidos à fiscalização da Secretaria de Previdência
Complementar (SPC). Por trás da discussão, os magistrados
esperam na segunda etapa da reforma a regulamentação
dos fundos conseguir assegurar os rendimentos dos futuros juízes,
já que perderam a batalha da manutenção da paridade
e da integralidade para os futuros servidores.
Pinheiro: fundo único para todos os servidores da União
A idéia da magistratura também é defendida por parte
da base do governo, inclusive por deputados do PT, que reivindicam a mesma
fórmula para os servidores dos três poderes.
Achamos que o melhor é um fundo único para todos
os servidores da União, público e estatal com benefício
definido. Não vamos permitir a privatização da previdência
complementar disse o deputado Walter Pinheiro (PT-BA).
O governo evita dizer claramente qual o seu projeto para os fundos de
previdência complementar antes da aprovação da reforma
no plenário, para evitar abrir um novo conflito com sua base. Mas
em conversas reservadas, o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini,
tem dito que não será possível atender a essa demanda
dos servidores e que o modelo que tem dado certo no mundo inteiro é
o de contribuição definida, ou seja, a remuneração
do servidor dependeria da capacidade de pagamento do fundo.
O relator da reforma pretende que a regulamentação do assunto
seja feita depois por lei complementar.O governo também diverge
do modelo público e estatal. De acordo com a emenda, os fundos
da União, dos estados e dos municípios serão regidos
pela Lei 108, que já está em vigor e regulamenta os fundos
de previdência das empresas estatais, como Petros e Previ, que são
fundos públicos de direito privado. ( Isabela Abdala e Bernardo
de la Peña )
A negociação
com os juízes
Os juízes ameaçaram entrar em greve em protesto contra
a reforma da Previdência. A paralisação seria iniciada
depois do fim do recesso do Judiciário e se estenderia de 5 a 12
de agosto. A greve foi aprovada por 206 votos a 74 em assembléia
realizada na sede da Associação dos Magistrados Brasileiros,
em Brasília, no último dia 21. Se concretizada, seria a
primeira greve de juízes no país. Saiba quais eram as reivindicações
dos magistrados e o que eles obtiveram nas negociações.
INTEGRALIDADE
O QUE PEDIRAM: Os magistrados queriam a manutenção da aposentadoria
integral, ou seja, com proventos equivalentes ao último salário
da ativa.
O QUE CONSEGUIRAM: A aposentadoria integral será mantida para
os atuais magistrados e demais servidores, desde que preencham as seguintes
condições: ter idade mínima de 55 anos de idade e
30 anos de contribuição (mulheres) e 60 anos de idade e
35 de contribuição (homens), além de 20 anos no serviço
público e dez no cargo. Os que ingressarem na magistratura depois
da reforma não terão esse direito.
PARIDADE
O QUE PEDIRAM: A categoria queria a garantia dos mesmos reajustes para
juízes da ativa, aposentados e para os futuros juízes.
O QUE CONSEGUIRAM: Deve ser mantida a garantia dos mesmos reajustes para
os juízes que estão na ativa e inativos, mas não
para os futuros.
SUBTETO
O QUE PEDIRAM: Os magistrados não aceitavam o subteto salarial
proposto pela reforma da Previdência elaborada pelo governo: 75%
do salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, que é
hoje de R$ 17.171. O subteto significa a mais alta remuneração
possível para a categoria e seria o salário de desembargador.
A classe queria o subteto de 90.25% do salário de ministro do STF.
O QUE CONSEGUIRAM: O subteto dos magistrados deve ficar entre 85,75%
e 90,25% do salário do ministro do STF (R$ 17.171). Quem receber
mais que o subteto aprovado, terá o salário automaticamente
reduzido.
FUNDO DE PENSÃO
O QUE PEDEM: Agora que terão atendidas suas reivindicações,
os magistrados querem um fundo de previdência complementar para
os futuros juízes, que seja público, com gestão estatal
e com benefício definido.
O QUE O GOVERNO DISCUTE: O governo resiste ao fundo público
estatal e defende o modelo de fundos públicos de direito privado.
CUT também cobra
mudanças
Bernardo de la Peñae Isabela Abdala
BRASÍLIA. Após ceder às pressões e aceitar
mudar as regras na reforma da Previdência para os juízes,
os líderes governistas estão sendo bombardeados por outras
categorias. O governo será mais pressionado para aceitar alterações
no texto que contemplem as reivindicações dos deputados
da sua base e dos movimentos sindicais. Capitaneados pela CUT, os servidores
querem alterações em cinco pontos: nas pensões, no
teto para contribuição dos servidores inativos, nas regras
de transição e nos fundos de pensão, além
de mais clareza no texto do relator em relação à
integralidade e à paridade.
Enquanto o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP),
recebia o presidente do STF, Maurício Corrêa, petistas que
esperavam à porta já diziam que agora o governo não
poderia fugir de uma negociação mais ampla com os setores
ligados à base aliada.
Essa reforma não é para combater privilégios?
Se acertou o teto, agora tem que começar a mexer no chão
cobrou o deputado Walter Pinheiro (PT-BA).
À tarde, a bancada do PT na Câmara reuniu-se com deputados
ligados às centrais sindicais e decidiu criar uma comissão
para tentar abrir o diálogo final com o governo em torno de alterações
defendidas pelos sindicalistas, principalmente da CUT, no relatório
do deputado José Pimentel (PT-CE).
Estamos dispostos a encampar toda negociação que
abrir caminhos. Estamos conversando com os servidores e vamos procurar
uma saída que possa mudar o relatório sem alterar o núcleo
da reforma afirmou o líder do PT na Câmara, Nelson
Pellegrino (BA).
Comissão será escolhida hoje
Hoje, serão escolhidos os membros da comissão que deve
ter cerca de 20 representantes, divididos entre parlamentares e sindicalistas.
Nos bastidores desta discussão, estão as dificuldades que
os representantes da CUT aliados do governo encontram nas suas bases para
justificar o apoio à reforma. No começo da reunião
da bancada, os representantes da central afirmaram que o debate da proposta
foi precário. Os sindicalistas acham que a proposta foi muito negociada
com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, os
governadores e o Judiciário.
Para nós, o processo de negociação foi insuficiente
afirmou Rosane da Silva, diretora-executiva da CUT.

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