segunda-feira, 04 de agosto de 2003
O Globo
Uma reforma voraz
Valderez Caetanoe Bernardo de la Peña
BRASÍLIA
A oposição avisa: o contribuinte pode preparar o bolso
para enfrentar uma nova onda de aumentos de impostos. Pelas contas de
economistas do PSDB e do PFL, há o risco de a carga tributária
subir com a aprovação das reformas dos atuais 36,45% do
Produto Interno Bruto (PIB) para algo entre 39,89% e 41% do PIB, soma
de toda a riqueza produzida no país. A tese dos partidos da oposição
é que, durante a regulamentação da reforma tributária,
a sede por recursos nos estados acabaria por fixar alíquotas maiores,
por exemplo, para o ICMS. Um ano depois de implementadas, por essas contas,
a reforma tributária e a da Previdência podem gerar um acréscimo
de arrecadação de R$ 45,44 bilhões.
O projeto tem forte tendência de aumentar a carga de impostos
e vai aumentar. Não tenha dúvida diz o ex-secretário
da Receita Federal Everardo Maciel.
Pelo projeto do governo, o ICMS terá cinco alíquotas (4,5%,
12%, 15%, 18% e 25%) , aplicadas em cinco diferentes grupos de produtos.
Enquanto o Senado não fixar os percentuais, caberá ao Conselho
de Política Fazendária (Confaz) estabelecer quais produtos
se encaixarão nos diferentes grupos.
O relator da reforma tributária, Virgílio Guimarães
(PT-MG), não concorda com a tese sobre o aumento na carga tributária.
Ele garante que incluirá no texto mecanismos para impedir os aumentos.
Segundo ele, enquanto o Senado não fixar as novas alíquotas
de ICMS, só poderão ser enquadrados no percentual mais alto,
25%, produtos e serviços que já estejam acima deste patamar
em pelo menos 20% dos estados.
Todo o resto estará na alíquota modal, em 18%. Dali,
para baixo. Estou solidário com aqueles que temem o aumento da
carga tributária, mas qualquer movimento para cima será
coibido. A voracidade tributária será banida diz
Guimarães.
Qual estado abrirá mão de receita?
Para Everardo, a elevação se dará por causa da proposta
de que as alíquotas do ICMS sejam fixadas tendo por base a maior
alíquota cobrada no país para o produto.
A projeção que os nossos economistas estão
fazendo é de que a carga tributária vai bater em 41%. Qual
estado vai abrir mão de arrecadação? pergunta
o vice-líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ).
O tributarista Ilan Gorin acha que o aumento vai depender da regulamentação
da reforma:
Se estabelecerem, por exemplo, que a cesta básica no Brasil
inteiro não vai pagar ICMS automaticamente, a carga para as classes
menos favorecidas vai diminuir.
Segundo o estudo do PSDB, ao fixar as alíquotas por cima, o mecanismo
aumentaria em 10% ou R$ 10,56 bilhões a arrecadação
do ICMS.
É preciso encontrar um equilíbrio que impeça
o aumento de carga. O país tem que encontrar o caminho para crescer
e a alta de impostos está na contramão do desenvolvimento
diz o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), um dos autores do estudo.
Outro problema na reforma tributária, para Everardo, é
a progressividade de impostos como o Imposto Territorial Rural, o sobre
herança e o sobre grandes fortunas. O relator diz que o aumento
excessivo desses impostos será impedido pelo Conselho Tributário
Nacional, que terá representantes de contribuintes e empresários.
A cada ano, este conselho vai avaliar a aplicação
e o resultado da carga tributária diz Guimarães.
Além de mostrar os impostos que podem aumentar com a reforma tributária,
o estudo do PSDB também destaca que a reforma da Previdência
trará crescimento da carga para as empresas e os trabalhadores.
Pelos cálculos, a elevação do teto previdenciário
para R$ 2.400 pode gerar receita adicional de R$ 4 bilhões. As
empresas serão oneradas em R$ 7 bilhões com a criação
de imposto que substituirá a cobrança sobre a folha.
Oposição mostrará todas as armas
na votação da reforma em plenário
Isabel Braga
BRASÍLIA. Jogar pela divisão da base aliada do governo
Luiz Inácio Lula da Silva, escolhendo para votar separadamente
temas polêmicos da reforma da Previdência que têm a
simpatia de parlamentares governistas. Esta será uma das principais
armas da oposição na votação da Proposta de
Emenda Constitucional 40 (PEC-40) no plenário da Câmara.
PFL e PSDB escondem as armas do jogo mas, principalmente no PFL, há
o sentimento de que, mesmo concordando com o tema, cabe ao governo, e
não à oposição, garantir a aprovação
da reforma.
Oposição não existe para facilitar a vida
do governo avisa o líder do PFL, deputado José Carlos
Aleluia (BA).
Na comissão especial, o partido de Aleluia conseguiu obstruir
por quase seis horas o início da discussão do relatório
do deputado José Pimentel (PT-CE) e foi um acordo de procedimento
entre governo e oposição que garantiu a votação
do texto no mesmo dia. Não será diferente em plenário.
O PFL deverá usar barreiras regimentais e até mesmo psicológicas,
ciente das dificuldades da base aliada em defender pontos polêmicos
da reforma.
A idéia básica é expor e constranger os deputados
governistas, obrigando-os a deixar claro, por exemplo, a posição
favorável à taxação previdenciária
dos servidores inativos.
O regimento interno da Câmara prevê que as votações
de mérito de emendas constitucionais sejam nominais, ou seja, os
deputados são obrigados a registrar o voto no painel eletrônico.
Além disso, a oposição pode apresentar requerimentos
de adiamento da discussão, retirada da proposta da pauta e verificação
de quórum, o que sempre atrasa a votação.
Por outro lado, em plenário, o período reservado para o
debate é menor que na comissão: os líderes governistas
podem pedir o encerramento da discussão depois que seis oradores
(cada um com direito a cinco minutos para encaminhar a favor ou contra
o relatório) falarem.
Uma das táticas da oposição deverá ser o
recurso que permite votar apenas depois que o governo garantir o voto
de 308 parlamentares. Esse recurso, chamado de obstrução,
obriga o governo a ter controle sobre sua base e evita que a oposição
colabore de forma decisiva para a vitória.
Como as votações são nominais, inclusive as de destaques
de trechos da proposta, a oposição também poderá
explorar junto à base de parlamentares governistas o voto a favor
de propostas mais indigestas. Quando o PT era oposição,
esse conhecimento do voto era usado para fazer cartazes em que tucanos,
pefelistas e peemedebistas eram apresentados aos servidores como traidores
dos interesses do país.
PFL não tem compromisso com o voto fechado
O PFL não tem compromisso de voto fechado, como acontecia quando
era governo. Parte da bancada vai votar em solidariedade ao governador
da Bahia, Paulo Souto, e a outros governadores do partido que firmaram
acordo com o governo. Segundo Aleluia, a tendência é a de
não fechar questão em nada. O líder acredita que
60% da bancada é contrária à cobrança da contribuição
previdenciária dos servidores públicos inativos; por isso,
certamente um dos destaques será este ponto da proposta. O PFL
tem direito a apresentar três destaques.
Agora é que é o real. Na comissão, trocaram
deputados e o resultado foi artificial. No plenário, o governo
vai enfrentar uma base muito irritada, porque prometeu mundos e fundos
e não cumpriu. Os prefeitos estão sem verbas, ameaçando
até entrar em greve acredita o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ).
O PSDB também tem direito a três destaques. Amanhã,
a bancada vai decidir a estratégia para a votação
e os temas a serem abordados. Mas, assim como aconteceu na comissão
especial, os tucanos não serão tão agressivos quanto
os pefelistas na votação em plenário. Além
de o PSDB ser o partido com maior número de governadores, pesa
sobre os tucanos a necessidade de coerência com o que defenderam
no passado.
Embora o texto de Pimentel seja incompleto e tenha alguns problemas,
os tucanos reconhecem que não há como fazer a reforma do
tamanho que o Brasil precisa, mas argumentam que qualquer avanço,
num momento de contas tão apertadas, será importante para
o país.
O presidente do PSDB, José Aníbal, admite que há
uma disposição da bancada de votar a favor da reforma e
que o relatório de Pimentel tem pontos de avanço. O PSDB,
no entanto, tem emendas ao texto e lutará por elas em plenário.
Aníbal critica o que considera um desacerto da base, criando um
ambiente político de desconfianças e de instabilidade para
a votação, mas reconhece o peso da pressão dos governadores.
A bancada leva em consideração a posição
dos governadores e considera que a votação da reforma da
Previdência não é de interesse só do governo,
mas do país. É garantir justiça social e criar condições
para a melhora das contas. Isso motiva muito o PSDB a colaborar
afirma Aníbal.
Há na bancada quem diga que não tem como votar na
taxação dos inativos ou que o tamanho da redução
das pensões é inaceitável. Poderemos ter problemas
mais por conta de uma visão conceitual de deputados que têm
o funcionalismo como base eleitoral do que por atitude de catimba
acrescenta o vice-líder do PSDB, deputado Walter Feldman (SP).
Líderes e Dirceu
tentarão acordo para votação
Bernardo de la Peña
BRASÍLIA. Os líderes da base governista se reúnem
no fim da tarde de hoje com o chefe da Casa Civil, José Dirceu,
para acertar os últimos detalhes da votação do relatório
do deputado José Pimentel (PT-CE) no plenário da Câmara.
Deve ser selado um acordo para que três pontos da proposta sejam
modificados: o subteto dos desembargadores e dos juízes estaduais,
o teto para o pagamento integral das pensões e detalhes das regras
de transição para a aposentadoria dos servidores.
Deputados governistas defenderam a votação do texto já
na terça-feira, para evitar as manifestações de servidores
que devem chegar a Brasília para protestar contra a reforma, mas
o relatório deve ser votado na quarta-feira. O subteto dos magistrados
um dos pontos mais polêmicos deve ser elevado dos
75% do salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, previstos
no relatório, para 90,25% dos vencimentos do ministro.
Apesar de ter resistido até a semana passada, no sábado,
na reunião com a bancada do PT, Dirceu admitiu que um acordo entre
os líderes governistas resolveria a questão. Outro ponto
que deverá agora ser alvo de pressão dos juízes é
a criação de um fundo complementar público e exclusivo
para os magistrados. Segundo Pimentel, este era o único ponto que
faltava ser discutido com a magistratura.
O regime previsto para o pagamento de pensões também pode
ser modificado antes da votação do relatório. A tendência,
entre os líderes da base governista, é elevar de R$ 1.058
para R$ 2.400 o valor do pagamento do benefício integral aos pensionistas.
O próprio ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, já
admitiu que o sistema das pensões poderia ser aperfeiçoado.
Sobre o regime de transição, alguns líderes da base
se preocupavam com a situação dos que já têm
direito pelas regras antigas a se aposentar. O líder do PMDB, Eunício
Oliveira, por exemplo, defendia a manutenção dessas regras
caso os servidores decidissem permanecer por mais tempo no serviço
público. Berzoini explica que o servidor que puder se aposentar
e quiser continuar trabalhando terá um abono:
Se optar por se aposentar, terá a redução
de 35%, 5% a cada ano de antecipação, e terá o valor
da aposentadoria calculado pela média. Se permanecer, além
de ter o salário integral ao se aposentar, terá a anulação
da contribuição previdenciária pelo abono
explicou o ministro, que defendeu a reforma na reunião de sábado
com a bancada do PT. Disse aos deputados que é muito importante
que a bancada do PT tenha consciência que essa reforma tem características
sociais. Ela permite um orçamento equilibrado que interessa à
maioria do povo afirmou Berzoini.
Reforço no policiamento no dia da votação
No dia da votação, o policiamento em torno da Câmara
deve ser reforçado pela Polícia Militar. Para acalmar os
manifestantes, a direção da Câmara prepara folhetos
com informações sobre os locais em que será permitida
a circulação. O presidente da Câmara, João
Paulo Cunha (PT-SP), pretende distribuir senhas aos militantes de partidos
de acordo com o tamanho de suas bancadas. Como na votação
do relatório na comissão especial, os manifestantes deverão
entrar no auditório Nereu Ramos, onde foram instalados telões,
por uma entrada externa.
Servidores querem marcha
de 40 mil
Evandro Éboli
BRASÍLIA. As entidades sindicais que organizam a marcha de quarta-feira
contra a reforma da Previdência acreditam que a manifestação
vai ganhar um reforço extra com a ação da Polícia
Federal na desocupação do prédio do INSS, na sexta-feira
passada. Para os dirigentes, o episódio acirrou o clima entre servidores
federais e governo e a expectativa é que o número de grevistas
na Esplanada dos Ministérios seja maior do que o previsto.
O sentimento de revolta do movimento sindical contra o governo
aumentou. A perspectiva é de que um maior número de pessoas
participe da marcha disse o presidente do Sindicato dos Servidores
da Previdência, da Saúde, do Trabalho e da Assistência
Social, João Torquato dos Santos.
As 11 entidades que integram a Coordenação Nacional de
Entidades de Servidores Federais (Cnesf) esperam a chegada a Brasília
de 607 ônibus com manifestantes de todo o país, o que totaliza
cerca de 24 mil funcionários públicos.
O líder sindical Gilberto Cordeiro Gomes, diretor da Confederação
Nacional dos Servidores Federais (Condsef), acredita que 40 mil pessoas
devem participar do protesto. Com a radicalização do movimento,
Cordeiro diz não saber se os servidores ocuparão prédios
públicos na quarta-feira.
Vamos controlar o máximo possível, mas uma manifestação
como essa, que tem outros atores, foge do nosso comando disse Cordeiro.
A marcha acontece no dia previsto para ser votado no plenário
da Câmara o texto do relator José Pimentel (PT-CE).
Manifestantes pedirão audiência com Lula
Os manifestantes marcharão na Esplanada dos Ministério
e seguirão até o Palácio do Planalto, onde pedirão
uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Depois, vão tentar acompanhar da galeria a votação
do texto. Eles vão levar faixas e apitos.
Apesar do protesto previsto, os sindicalistas reúnem-se hoje com
Pimentel e também com o presidente da Câmara, João
Paulo Cunha (PT-SP).
O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior
(Andes), José Domingues, afirmou que a ação da Polícia
Federal no prédio do INSS vai estimular a presença de professores
grevistas na marcha.
O professor geralmente é refratário a esse tipo
de manifestação, mas o episódio revoltou muita gente,
que considerou o acontecido lamentável e gratuito disse
Domingues.
Senadora vai cobrar
explicações
BRASÍLIA. A senadora Heloísa Helena (PT-AL) decidiu cobrar
explicações formais do Ministério da Justiça
sobre a ação da Polícia Federal na sexta-feira, quando
ela e servidores que protestavam contra a reforma da Previdência
foram retirados à força do prédio do INSS. A senadora
promete fazer um duro discurso no Senado, amanhã, condenando o
comportamento do governo no episódio.
Heloísa Helena chamou de mentirosa a versão do Ministério
da Previdência de que os servidores ocuparam o prédio. Segundo
ela, o grupo que estava no gabinete do presidente do INSS, Taiti Inenami,
ia deixar o edifício, como teria sido acertado num telefonema entre
a senadora e o diretor do órgão.
Quem diz que os policiais federais foram lá para retirar
invasores do INSS é vigarista, mentiroso e pilantra. É a
escória da política afirmou.
Heloísa Helena disse que, antes de voltar com a PF ao prédio,
o presidente do INSS sabia que a comissão ia deixar a sede do INSS.
A senadora disse ter conversado com Inenami pelo telefone e afirma que
ele lhe pediu para descer com dois dirigentes sindicais, a fim de evitar
que ele fosse ofendido quando retornasse ao prédio.
A senadora afirmou também que chegou a falar pelo telefone, do
gabinete do presidente do INSS, com o ministro da Previdência, Ricardo
Berzoini. Ela teria pedido ao ministro que não enviasse policiais.
Segundo ela, o ministro riu e afirmou, em tom de brincadeira, que havia
recomendado aos policiais para não baterem com força nos
sindicalistas.
Berzoini nega ter feito ironia em diálogo com senadora
A assessoria de imprensa do ministro Ricardo Berzoini afirmou que, no
ministério da Previdência, ninguém irá entrar
em bate-boca. Segundo a assessoria, o governo se dispõe a negociar
de forma civilizada e democrática, mas, quando sindicalistas impedem
e negociação, cumpre-se a lei. O ministro negou, por intermédio
da assessoria, que, na conversa ao telefone com a senadora, tenha dito,
mesmo em tom de ironia ou brincadeira, que pediu para a polícia
não bater com força nos sindicalistas.

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