quinta-feira, 07 de agosto de 2003

O Globo

Vandalismo contra o Congresso
Evandro Éboli e Catia Seabra
BRASÍLIA

Horas depois de o plenário da Câmara aprovar a reforma da Previdência, o Congresso Nacional foi atacado ontem por um grupo de servidores públicos que apedrejaram o prédio, quebraram 52 vidraças do Salão Negro com chutes e pedaços de pau e jogaram até uma tampa de bueiro na portaria principal. Os servidores, que tentam manter privilégios em relação aos demais trabalhadores, participavam da marcha contra a reforma, que reuniu de 50 mil a 60 mil funcionários públicos em Brasília, segundo estimativa da Polícia Militar. A reação do Congresso foi imediata, retomando ontem mesmo a votação da reforma.

Dois manifestantes, quatro funcionários do Congresso e quatro seguranças da Casa ficaram feridos. Apenas um manifestante, Adriano Gomes da Silva, de 23 anos, funcionário dos Correios em São Paulo, foi detido pela segurança da Câmara e liberado uma hora depois por intervenção da senadora Heloísa Helena (PT-AL).

O quebra-quebra provocou imediata reação também do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que divulgou nota classificando de “vandalismo gratuito e irresponsável” a agressão. O presidente do STF, ministro Maurício Corrêa, disse que a violência é injustificável e só atrapalha a manifestação dos servidores contra a reforma.

Senadora impede prisão em flagrante

O vandalismo ocorreu depois do ato dos servidores em frente ao Palácio do Planalto, onde ouviram discursos inflamados de parlamentares do PT e do PCdoB contra a reforma e ataques ao presidente Lula.

Quando os manifestantes seguiam para o gramado em frente ao Congresso, um grupo passou pela rampa do prédio, onde não havia cordão de isolamento da Polícia Militar, que vigiava outros pontos. Militantes mais exaltados partiram para cima dos seguranças da Câmara.

Adriano Gomes da Silva liderou o ataque ao Salão Negro. Enrolado numa bandeira da Federação Nacional dos Servidores Públicos (Fenasps), foi um dos primeiros a chegar à área e, com os pés e os braços, quebrou o vidro externo. Foi detido por seguranças, e se feriu no vidro. Os deputados Ivan Valente (PT-SP) e Laura Carneiro (PFL-RJ) tentaram libertá-lo, sem sucesso. Manifestantes com bandeiras do PSTU partiram então para a baderna, atirando o que viam pela frente contra as vidraças.

Heloísa Helena saiu do Congresso abraçada ao servidor e disse que ele reconhecerá seus agressores para uma ação judicial. A atitude da senadora irritou a Polícia Legislativa, que pretendia fazer a prisão em flagrante. O presidente da Câmara, João Paulo Cunha, disse que pedirá o indiciamento dos envolvidos na baderna por dano ao patrimônio público.

Levado por Heloísa Helena, Adriano discursou num carro de som da manifestação, e declamou um poema sobre desigualdade social.

— Se não fosse a companheira, eles teriam me algemado e levado para outro lugar — contou Adriano, referindo-se à manifestante Franciele Gazola, do MST.

Os seguranças da Câmara culparam os policiais militares pelo ocorrido. Nesse tipo de manifestação, geralmente o cordão da PM cerca todo o prédio do Congresso. Apesar da presença de 1.500 policiais, eles não contiveram os manifestantes mais exaltados. Mas o coronel da PM Hellen Rocha Filho, responsável pelo policiamento, disse que não é competência da PM vigiar a área interna da Câmara. Já o diretor de Segurança da Câmara, Gilmar de Moraes Bezerra, disse que a PM seria responsável por toda a área externa do Congresso. A diretoria-geral da Câmara avaliou em R$ 20 mil os gastos para a recuperação das 52 vidraças quebradas.

A maior manifestação contra Lula


BRASÍLIA. A marcha dos servidores ontem, em Brasília, foi a maior manifestação realizada até agora contra o governo do presidente Lula. No cálculo dos organizadores, 80 mil manifestantes compareceram. Para a Polícia Militar, o número ficou entre 50 mil e 60 mil. Os servidores fizeram o enterro simbólico de Lula: havia pelo menos cinco caixões com fotos do presidente.

Cartazes acusavam Lula de governar de acordo com os interesses do Fundo Monetário Internacional e dos banqueiros. “Fora Mister Silva, volta Lula”, dizia uma faixa.

Durante a marcha, foram lidos os nomes dos 358 deputados que votaram a favor da reforma. Foram permitidos discursos apenas dos que votaram contra. Com a expulsão do PT praticamente selada, o grupo radical do partido pregou contra o governo. Os deputados Luciana Genro (RS), João Fontes (SE) e Babá (PA) fizeram duros discursos e já falam na filiação a uma nova legenda, que pode até ser criada pelos dissidentes.

Os três ganharam o reforço da senadora Heloísa Helena (PT-AL). Ela distribuiu autógrafos em bonés e camisetas de funcionários públicos. O comando de greve reservou o seu discurso para ser feito em frente ao Palácio do Planalto. Heloísa foi apresentada pelo locutor como a senadora que não tem medo de apanhar, uma referência ao episódio da semana passada, quando enfrentou policiais federais no prédio do INSS.

A senadora afirmou que vai votar contra a reforma quando o texto chegar ao Senado:

— Não vou colocar minha digital nessa história suja — afirmou.

João Felício, ex-presidente de CUT, discursou em frente ao Ministério da Previdência e disse que os deputados que votaram com o governo podem ter certeza de que terão o troco nas próximas eleições.


Governo cede mais ainda e atende ao Judiciário
Isabela Abdala, Bernardo de la Peña e Catia Seabra

BRASÍLIA. Aprovado o texto básico da reforma da Previdência, os líderes dos partidos continuaram negociando ao longo de todo o dia, com o aval do Planalto, mais mudanças nas reformas. Temendo não ter votos para evitar derrotas que desfigurassem a reforma em seu ponto essencial — a taxação dos servidores inativos — os líderes do governo cederam novamente e fizeram acordos para alterar as regras de transição, o limite de isenção do pagamento de contribuição previdenciária pelos servidores inativos e o subteto do Judiciário nos estados.

No início da madrugada, um acordo com o PSDB encorajou o governo a insistir na continuação da votação da reforma, pondo em votação pontos polêmicos, como o destaque que pretendia derrubar a taxação dos inativos. Mas, às 3h de hoje, a taxação foi mantida por 326 votos contra 163. Para conseguir a adesão do PSDB e PFL, os líderes do base governista aceitaram elevar o subteto do Judiciário para 90,25% do salário de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e incluir os procuradores de estado e os defensores públicos. A alteração começou a ser votada depois das 3h30m da manhã de hoje.

Acordo fechado com os tucanos isola o PFL

O acordo também incluiu o aumento do limite de isenção para a taxação dos servidores federais aposentados de R$ 1.200 para R$ 1.440. Para os inativos dos estados, porém, será mantido o limite de isenção de R$ 1.200, que tinha sido aprovado na madrugada de ontem.

O acordo com os tucanos para aprovar a emenda aglutinativa (que faz acréscimos ao texto original) que institui regras de transição para quem está em vias de se aposentar deixou isolado o PFL , que acabou se rendendo, evitando a obstrução. Essa emenda foi aprovada por 481 votos a favor, dez contra e uma abstenção. A mudança beneficia os funcionários públicos que estão à beira da aposentadoria e não querem ficar no serviço público até os 60 anos (homem) ou 55 anos (mulher). Para abrir caminho para a votação do destaque dos inativos, o governo concordou com a emenda do PSDB que diminui de 5% para 3,5% por cada ano que ele deixe de trabalhar a redução no salário do servidor que decidir, em 2004 ou 2005, se aposentar antes do tempo.

Pela proposta original, a redução da aposentadoria do funcionário público que deixar a atividade antes das novas regras previstas na reforma seria de 5%. Em troca disso, o PSDB concordou com a retirada de seus dois destaques, além de apoiar o PT nas votações. Outra reivindicação do PSDB foi a inclusão dos procuradores, além de Ministério Público e da Defensoria, no subteto do Judiciário, que o governo então aceitaria subir de 85,5% para 90,25% do salário de ministro do STF.

Antes do acordo, duas emendas foram rejeitadas, outras duas foram retiradas — as do PSDB — e uma foi considerada prejudicada por ter sido incorporada ao relatório de José Pimentel (PT-CE).

Desde cedo os líderes dos partidos governistas trabalhavam na costura de um novo acordo. Depois de uma demorada reunião com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, os líderes encararam uma missão difícil: convencer os partidos de oposição a fecharem acordo que previa a inclusão dos três destaques para supressão da taxação numa única emenda aglutinativa que foi votada hoje.

Por volta das 22h João Paulo encerrou a reunião em seu gabinete. Voltou ao plenário para recomeçar a votação pelas emendas mais simples, já contempladas nas mudanças do relatório de José Pimentel. Os governistas enfrentaram grande resistência do líder do PFL, José Carlos Aleluia (BA).

— A base do governo tem de ajustar as contas com os eleitores. Na campanha diziam que não era necessário fazer as reformas — disse Aleluia.

Maior temor era perdera taxação dos inativos

Dos três destaques para votação em separado, o maior medo do governo era perder na taxação dos servidores inativos, que seria uma péssima sinalização para o mercado.

— Pode ser feita uma concessão dentro da gordura e até um pedaço da carne sem levar a reforma ao óbito — avaliou o vice-líder do governo na Câmara Vicente Cascione (PTB-SP).

— O ministro (Dirceu) disse que o governo não pode perder esse ponto. É simbólico e, se cair, daria a impressão de derrota — afirmou o líder do PTB, Roberto Jefferson (RJ).
COLABORARAM Lydia Medeiros e Adriana Vasconcelos