terça-feira, 12 de agosto de 2003

O Globo

Lula recorre a fundos de pensão
Catia Seabra, Cristiane Jungblut e Lydia Medeiros
BRASÍLIA

Em tempo de escassez de recursos públicos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está recorrendo aos fundos de pensão para alavancar os investimentos em infra-estrutura em 2004 e os projetos incluídos no Plano Plurianual (PPA). Ontem, Lula reuniu no Planalto os presidentes dos três principais fundos de pensão do país, além de 12 ministros, para eleger prioridades na área de infra-estrutura. Foi a primeira vez que participaram de um encontro dessa natureza os donos dos cofres: os presidentes do Banco do Brasil, Cassio Casseb, da Caixa Econômica, Jorge Mattoso, do BNDES, Carlos Lessa, e da Petrobras, José Eduardo Dutra, além dos presidentes dos fundos de pensão da CEF, Guilherme Lacerda, do Banco do Brasil (Previ), Sérgio Rosa, e da Petrobras (Petros), Wagner Pinheiro. Reunidos, os 361 fundos de pensão do país detêm um patrimônio de R$ 208 bilhões.

Os recursos para projetos de infra-estrutura dentro do PPA (2004-2007), segundo o porta-voz André Singer, somam R$ 191,4 bilhões, incluindo verbas públicas e investimentos da iniciativa privada. Lula abriu a reunião cobrando dos ministros "projetos factíveis e um plano realista".

Para o governo, os fundos gozam de saúde financeira perfeita para investir sem comprometer sua função, de garantir o pagamento de aposentadorias. Um dos exemplos é o fato de a Previ, maior fundo de pensão de país, ter participado do processo de privatização do governo Fernando Henrique e do complexo turístico do porto de Sauípe.

- A idéia é que os fundos participem desse esforço do governo para aumentar o investimento em infra-estrutura no país - explicou um assessor direto do presidente.

Para a adoção de programas de infra-estrutura e de medidas de emergência para a retomada do crescimento econômico, os fundos de pensão apresentaram um modelo segundo o qual os bancos estatais se tornam avalistas dos projetos. Os fundos compram os títulos desses bancos. Os papéis terão que, a médio e longo prazos, garantir rentabilidade suficiente para que as entidades cubram a aposentadoria de seus associados. Até lá, os bancos federais podem usar os recursos em empréstimos, por exemplo, a estados e prefeituras para a área de habitação. Hoje o Pró-morar é abastecido com recursos do FGTS, num total de R$ 5,3 bilhões para este ano.

Lula quer um plano realista, diz Singer

Entre as medidas mais imediatas, está um plano de emergência para conter as invasões dos sem-teto. A exigência do presidente é de que os projetos sejam de fácil aplicação:

- O presidente Lula abriu a reunião solicitando ao ministro do Planejamento, Guido Mantega, que apresentasse, por ordem de prioridade, projetos factíveis, que pudessem começar a ser executados imediatamente, com os recursos disponíveis. Ou seja: um plano realista - disse o porta-voz André Singer.

O porta-voz explicou ainda que Mantega fez uma detalhada exposição dos projetos na áreas de transporte, setor elétrico, saneamento, habitação e infra-estrutura hídrica. Esses projetos é que somam R$ 191,4 bilhões e que estarão dentro do chamado PPA, o plano de investimentos do governo para quatro anos. Segundo dados do Ministério do Planejamento, a previsão é que em 2004 sejam gastos R$ 60 bilhões dos R$ 191,4 bilhões do PPA para ações de infra-estrutura.

Mantega anunciou uma nova reunião para quarta-feira para discutir o assunto pois "as prioridades são muitas e os recursos são poucos".

Antes mesmo da reunião, conclusiva para a elaboração do PPA, o presidente Lula pediu que cada ministro reunisse seus projetos prioritários para a partilha do dinheiro disponível. E exigiu qualidade nos projetos. Só assim, avisou, será possível captar recursos no exterior.

Ao chegar à reunião, o ministro dos Transportes, Anderson Adauto, resumiu a orientação de Lula: que os ministros "mantenham os pés no chão" ao apresentar propostas. O governo prepara novas medidas para reaquecer a economia e a prioridade é melhorar a geração de energia e as estradas e intensificar as obras públicas.

Segundo um assessor de Lula, o presidente cobra consistência nos projetos para atrair investimentos nacionais e regionais. Ele vem reclamando que os ministros só levam ao Planalto problemas ou projetos mirabolantes, nunca soluções.

- O presidente quer qualidade nos projetos - disse um assessor.

Cada ministério apresentou suas propostas. Com orçamento de R$ 24 bilhões saídos do Tesouro e do FGTS, a área de saneamento e habitação deverá ganhar um reforço de verbas dos fundos de pensão e dos bancos estatais, como o BNDES. Mas, para o anúncio desse plano de emergência, o governo enfrenta um delicado dilema: como anunciar ações sem que elas acabem por estimular novas invasões. A idéia é que o governo apresente uma meta nacional, evitando que os sem-teto migrem para as regiões beneficiadas ou invadam áreas excluídas.

Outra modalidade de investimento em habitação é o Programa de Subsídio à Habitação, que atende a famílias com renda mensal inferior a R$ 740. Com R$ 350 milhões previstos no Orçamento deste ano, o subsídio pode ser feito diretamente por instituições financeiras selecionadas, por prefeituras ou até por cooperativas agrícolas. Para o presidente Lula, o Ministério das Cidades ofereceu outra alternativa, o Morar Melhor, com recursos do Orçamento.

Participaram da reunião os ministros José Dirceu (Casa Civil), Olívio Dutra (Cidades), Antonio Palocci (Fazenda), Guido Mantega (Planejamento), Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação de Governo), Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência), Walfrido Mares Guia (Turismo), Ciro Gomes (Integração Nacional), Miro Teixeira (Comunicações), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), Dilma Roussef (Minas e Energia), Marina Silva (Meio Ambiente), além do vice-presidente José Alencar.
COLABOROU Mônica Tavares


Cifras gigantescas
Eliane Oliveira

BRASÍLIA. O patrimônio total dos fundos de pensão brasileiros é do tamanho das necessidades de investimentos previstas no Plano Plurianual (PPA) nos próximos quatro anos: em torno de R$ 208 bilhões. Tudo nesses fundos tem cifras gigantescas, que enchem os olhos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de sua equipe de ministros e do setor produtivo nacional.

Essas instituições estão presentes em negócios milionários. Têm participações em empresas, recursos aplicados em títulos públicos, aplicações em bolsas e imóveis. Para o governo, os fundos de pensão são, no momento atual, fundamentais não apenas para aumentar a poupança interna, mas também para entrar em projetos de infra-estrutura. Afinal, Lula prevê um crescimento mais vigoroso da economia no último trimestre deste ano.

Além dos fundos brasileiros - entre os quais a Previ, que já investe em ferrovias e no setor elétrico, a Petros, da Petrobras, Centrus, do Banco Central e o Funcef, da Caixa Federal - o governo está de olho nos fundos de pensão estrangeiros. Lula foi informado de que o Brasil é um forte candidato, no rol de países emergentes, a receber uma fatia dos cerca de US$ 13 trilhões que os fundos de pensão americanos têm distribuídos em todo o mundo. Essas instituições estão dando preferência para as nações onde há democracia, estabilidade social e economia com crescimento sustentado.


Governo é pressionado a liberar cargos federais para aliados fiéis
Adriana Vasconcelose Ilimar Franco

BRASÍLIA. Para evitar novos sustos com a fragmentação da base aliada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu ontem bem cedo, para traçar a estratégia para a conclusão da votação das reformas da Previdência e tributária, os ministros José Dirceu (Casa Civil), Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação), Antonio Palocci (Fazenda) e Luiz Dulci (Secretaria Geral). Para ficar menos vulnerável e dependente dos votos da oposição, sem os quais o governo não teria saído vitorioso na votação da reforma da Previdência, o Planalto já começou a identificar os problemas entre os aliados para não ser novamente surpreendido com dissidências de última hora.

O PMDB deverá ser o principal alvo do Planalto, já que o partido está cobrando uma definição de sua participação no governo. Mesmo sem condições de oferecer um cargo no primeiro escalão aos peemedebistas, o governo está decidido a privilegiar os aliados fiéis. A pressão maior neste momento é para acelerar as nomeações de cargos federais nos estados.

Também foi feita uma avaliação da difícil situação dos ministros da Comunicações, Miro Teixeira, e dos Esportes, Agnelo Queiroz, depois das dissidências registradas no PDT e no PCdoB. O PDT votou unido contra a taxação dos servidores inativos. No PCdoB, sete dos 11 deputados da bancada seguiram o exemplo dos pedetistas.

Miro e Agnelo Queiroz continuam nos ministérios

Mas Agnelo Queiroz e Miro Teixeira, apesar das pressões de parlamentares petistas, não correm o risco de perder seus cargos. Os principais articuladores do governo concluíram que essa atitude fortaleceria os segmentos nesses partidos que fazem oposição ao governo Lula. Os líderes governistas acreditam também que, nas próximas votações de destaques da reforma da Previdência, e no segundo turno da votação na Câmara, alguns dos infiéis votarão com o governo.

- Estamos trabalhando para aumentar os votos da base nas próximas votações - disse o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Mas os deputados infiéis vão passar a ser tratados como oposicionistas pelo governo e, com o tempo, devem perder os cargos que ocuparam no governo. O presidente do PT, José Genoino, disse ontem que o governo tem a obrigação de mostrar lealdade com os que foram leais e que não pode, sob nenhum pretexto, prestigiar os que votaram contra o governo na Previdência.

- Os leais não podem conviver com os infiéis - disse Genoino.

A reação branda do governo se deve à euforia com a vitória na reforma da Previdência. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que participou da reunião da coordenação, informou ao presidente Lula que o mercado ficou surpreso com a rapidez da votação, pois a expectativa era de que ela se arrastasse por semanas.


João Paulo: integração dos parlamentos

BRASÍLIA. Em viagem oficial ao Uruguai, o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), defendeu ontem a integração entre os parlamentos da América do Sul como pré-requisito para o sucesso do Mercosul. João Paulo, que já esteve na Argentina, pretende dar continuidade a uma série de viagens pelo continente.

- Para que a sociedade participe do Mercosul é preciso que haja a integração dos parlamentos, que são a expressão da sociedade dos países-membros - disse João Paulo.

Ele fez a avaliação durante o lançamento do livro "A encruzilhada política do Mercosul - Parlamentos e nova institucionalidade". João Paulo disse que a integração deve acontecer sem predominância de qualquer país-membro do Mercosul, numa relação de solidariedade:

- É preciso enfrentar o debate do processo de integração continental sem medo. Devemos respeitar nossas peculiaridades, de olho no resto do mundo - disse João Paulo, que se reuniu com o presidente do Uruguai, Jorge Battle, no Palácio Libertad.


Previdência: votação pode acabar hoje
Isabela Abdala e Isabel Braga

BRASÍLIA. Sem o barulho dos servidores, que na semana passada apedrejaram o Congresso, o governo tenta hoje finalizar a votação em primeiro turno da reforma da Previdência. Mas novamente vai precisar negociar com a oposição para evitar que haja atrasos no calendário da reforma.

O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), convocou sessão extraordinária para votar três medidas provisórias que trancam a pauta. O líder do PFL, José Carlos Aleluia (BA), no entanto, avisa que a oposição faz questão de discutir detalhadamente as MPs e votar todos os destaques pendentes, mesmo aqueles que os autores já concordaram em retirar.

O texto aprovado reduz em 50% as pensões que excedem o teto de R$ 2.400. O PFL apresentou destaque de votação em separado acabando com a redução. Já o governo apresentou emenda corrigindo a redação para garantir o pagamento do benefício da pensão às famílias dos servidores públicos que morrerem antes de terem contribuído por 35 anos para a Previdência. Para votar a emenda do governo é necessário antes derrubar o destaque do PFL. Caberá à base dar 308 votos contra o destaque da oposição para manter o redutor. O governo insistirá na negociação com o PFL.

O PSDB apresentou emenda para reduzir a exigência de dez anos no cargo para o servidor ter direito à aposentadoria integral. Ao contrário do PFL, os tucanos reconhecem que, na negociação com os líderes da base aliada, boa parte de suas reivindicações foram contempladas e já aceitam substituir o destaque por uma emenda que reduza o prazo ou que a exigência seja de dez anos na carreira pública.

A segunda emenda negociada com os partidos prevê o aumento de R$ 1.200 para R$ 1.440 no teto de isenção da taxação dos inativos da União.