quarta-feira, 20 de agosto de 2003
O Globo
Grevistas invadem INSS contra corte
de ponto
Letícia Lins e Evandro Éboli
RECIFE e BRASÍLIA. Há 42 dias em greve, servidores do INSS
em Pernambuco ocuparam ontem durante quatro horas a sede da autarquia
em Recife para impedir que fosse enviada a Brasília a relação
dos funcionários que deverão ter o ponto cortado por causa
dos dias de paralisação. O prédio só foi desocupado
com a chegada da Polícia Federal, às 18h. Não houve
resistência.
Dos 1.300 funcionários do INSS no estado, pelo menos 900 estão
em greve. A maior parte dos postos do INSS está fechada, prejudicando
o atendimento à população. A gerente administrativa
do INSS no estado, Suzana Albuquerque, disse que só tinha até
as 17h para enviar a lista a Brasília e que, portanto, os descontos
deverão ocorrer só na folha de pagamento do próximo
mês.
O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho,
foi vaiado ontem durante a marcha organizada pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em Brasília.
A vaia ocorreu quando Marinho discursava em cima de um carro de som em
frente ao Congresso. A CUT era uma das organizadoras da passeata contra
a reforma da Previdência.
"Acho bom que façam uma reflexão," diz Marinho
Entre outros xingamentos, Marinho foi chamado de pelego. Ele ficou irritado,
disse que não entendia o comportamento dos servidores e afirmou
que a CUT esteve o tempo todo do lado deles.
- Vocês vão crescer politicamente um dia e vão saber
que erraram nesse momento. Acho bom que façam uma reflexão
- disse o presidente da CUT no seu discurso.
A estimativa da PM é que o ato reuniu oito mil pessoas. Segundo
os organizadores, eram 30 mil. Para evitar o quebra-quebra da última
passeata, o comando da PM destacou 3.500 homens para vigiar as entradas
e os acessos dos ministérios e do Congresso.
O relator da reforma da Previdência no Senado será o líder
do PT, Tião Viana (AC). Sua principal missão será
impedir qualquer modificação no texto que chegará
ao Senado sob o argumento de ter sido amplamente debatido na Câmara.
'Importante é
renovar a CPMF'
Valderez Caetano, Isabela Abdala e Catia Seabra
BRASÍLIA
Depois de se reunir ontem à noite com os líderes governistas,
o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, apoiou a proposta do relator da
reforma tributária, Virgílio Guimarães (PT-MG), de
desvincular os recursos da CPMF da Saúde, deixando claro que o
objetivo do governo é garantir a arrecadação dos
recursos. Apesar da forte reação da oposição
e de governistas à medida, Palocci disse que só será
mantida a vinculação com a Saúde se a CPMF continuar
provisória:
- Digamos que o Congresso prorrogue apenas a CPMF. Aí, mantém
como está a vinculação. Criado um novo imposto, porém,
não tem vinculação. A CPMF é transitória.
Já como CMF, não terá vinculação e
será regulada por lei complementar - disse Palocci.
O ministro não escondeu o objetivo do governo:
- Para nós, não há problema em manter a vinculação.
O importante é que a CPMF seja renovada.
A proposta de transformação da CPMF em CMF, porém,
é do próprio governo.
Ministro da Saúde diz que é inaceitável
A desvinculação das receitas da CPMF do Fundo Nacional
de Saúde e do Fundo de Combate à Pobreza foi criticada até
pelo ministro da Saúde, Humberto Costa, que considerou a proposta
inaceitável. O ex-ministro da Previdência Roberto Brant (PFL-MG)
reagiu dizendo que a medida é descabida e que nunca imaginou que
pudesse ser patrocinada pelo PT, sugerindo que o ministro da Saúde
peça demissão. Pela proposta do relator, os recursos da
contribuição, de cerca de R$ 20 bilhões anuais, ficariam
vinculados apenas à Seguridade Social, o que, de acordo com os
críticos, não garantiria o repasse mensal dos recursos para
o Sistema Único de Saúde (SUS) e para o Fundo de Combate
à Pobreza.
- Considero a proposta inaceitável e vou procurar o relator para
saber o que motivou a desvinculação. Se todos têm
que cumprir metas de aplicar recursos na Saúde, não faz
sentido alterar as regras - reagiu o ministro da Saúde, por meio
de sua assessoria de imprensa.
- O ministro da Saúde tem que pedir demissão, o PT perdeu
a noção do limite - disse Brant.
Segundo o ex-ministro, ao longo dos últimos anos, a vinculação
ao Fundo de Combate à Pobreza permitiu que os recursos gastos com
a Bolsa-Escola passassem de R$ 100 milhões por ano para mais de
R$ 1 bilhão. Ele enfatizou ainda que a medida compromete o fluxo
contínuo dos recursos para a Saúde. Segundo Brant, a desvinculação
das receitas para o SUS daria mais flexibilidade para o ajuste fiscal
do governo.
- É um atentado desviar recursos de funções básicas
do Estado para o ajuste fiscal - disse Brant.
Administrador hoje é um robô, diz Bittar
O relator do Orçamento de 2004, deputado Jorge Bittar (PT-RJ),
defendeu o relatório e disse que o objetivo é dar margem
de manobra para os administradores, que hoje enfrentam restrições
para a gestão dos recursos, já que boa parte da receita
que União, estados e municípios arrecada está vinculada.
- O administrador hoje parece um robô. A intenção
é não amarrar todos os recursos da Saúde no SUS e
flexibilizar para que o dinheiro possa ser usado em outros projetos como,
por exemplo, a saúde da família. Mas esse não é
um ponto de honra para o governo - disse Bittar.
Os dados do Sistema Integrado de Acompanhamento das Informações
Financeiras (Siafi), do Ministério da Fazenda, mostram que, no
primeiro semestre do ano, a única contribuição que
teve seus recursos praticamente integrais repassados para a Saúde,
a Seguridade e o Fundo de Pobreza foi a CPMF, o que pode não mais
acontecer. Dos R$ 8,8 bilhões arrecadados, foram repassados R$
8,3 bilhões.
Já os recursos da Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL) e da Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social (Cofins), como não têm destinação
específica dentro da seguridade, foram usados em grande parte para
fazer o ajuste fiscal do governo. Dos R$ 8 bilhões arrecadados
pela CSLL, deixaram de ser gastos no primeiro semestre R$ 3,7 bilhões.
Já da Cofins foram para o ajuste fiscal, retidos no Tesouro, R$
13,2 bilhões.
- Graças à emenda 29, pela qual o ex-ministro da Saúde
José Serra lutou muito, os recursos para a Saúde não
poderão diminuir em função dessa desvinculação,
mas ela vai diminuir a garantia do fluxo de repasses e poderemos passar
alguns meses sem pagar o SUS. É uma mudança de altíssimo
risco para a Saúde - protestou o líder do PSDB, Jutahy Magalhães.
O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), da comissão especial da reforma
tributária, lembra que a vinculação de recursos para
a Saúde está na origem da CPMF.
- Esse governo está mostrando um viés anti-social ao desvincular
algo que era a origem da CPMF. Essa vinculação garantia
repasses automáticos para estados e municípios. Agora o
sujeito vai ficar doente em julho e rezar para estar vivo até dezembro,
quando recursos do Orçamento serão descontigenciados - criticou
Paes.
O petista Carlito Merss (SC), também da comissão especial,
disse acreditar que a CPMF deverá ser rediscutida ainda no governo
Lula. Ele é um dos que insistem na tese de que o governo tem que
caminhar para abrir mão da receita da CPMF e transformá-la
em imposto apenas fiscalizatório, com alíquota muito mais
baixa do que os 0,38%:
- A CPMF terá que ser toda rediscutida.
CPMF: provisório só no título
A história da CPMF é a de uma contribuição
que, em nove anos, sempre manteve o título de provisório,
embora sua natureza tenha ficado a cada ano mais permanente. O então
chamado Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira
(IPMF) começou a ser cobrado no governo Itamar Franco, em 1994.
Criado inicialmente como imposto sobre a movimentação bancária
- daí o apelido de "imposto do cheque" - não tinha
vinculação definida e entrava no bolo de repartição
de receitas com estados e municípios.
Já no governo Fernando Henrique Cardoso, o IPMF foi transformado
em contribuição (CPMF), um tipo de tributo cuja receita
é centralizada na União, com alíquota inicial de
0,25% . A emenda da CPMF, quando tramitava no Congresso, era chamada de
emenda Jatene, em referência ao então ministro da Saúde,
Adib Jatene, que lutava pela destinação da receita da CPMF
para a Saúde.
Em junho de 1999, já no segundo mandato de Fernando Henrique,
a cobrança da CPMF foi renovada, desta vez com alíquota
em 0,38%. Essa alíquota deveria valer por 12 meses e cair para
0,30% depois desse período.
Em 2000, foi aprovada mais uma prorrogação da CPMF, até
dezembro deste ano. Para conseguir a aprovação, Fernando
Henrique concordou com a vinculação dos 0,38% da seguinte
forma: 0,20% para o SUS, 0,10% para a Seguridade Social e 0,08% para o
Fundo da Pobreza.
De acordo com a última forma aprovada da CPMF, a alíquota
da contribuição deveria ser reduzida para 0,08%. Ela teria
o caráter de fiscalização, para ajudar a rastrear
sonegação de impostos, com o cruzamento entre a declaração
de renda e o volume de CPMF pago pelo contribuinte. Os cerca de R$ 2 bilhões
que continuariam a ser arrecadados anualmente seriam destinados ao Fundo
de Combate à Pobreza.
Proposta do relator abre brechas para
aumento da carga tributária
Valderez Caetano
BRASÍLIA. Apesar das negativas do governo, a reforma tributária,
se for aprovada como prevê o relatório do deputado Virgílio
Guimarães (PT-MG), vai contribuir para elevar ainda mais a carga
tributária no país. Pelos cálculos de tributaristas,
só o artigo que prevê a extensão da cobrança
da Cofins e do PIS aos produtos importados deverá elevar em R$
6,4 bilhões a arrecadação de impostos. Isso sem contar
outras medidas, como a forma de definição da alíquota
do ICMS que, segundo os especialistas, será uma outra brecha para
o aumento de impostos.
A não inclusão pelo relator de um teto máximo para
a cobrança da alíquota do ICMS - o que daria aos estados
o direito de aumentar o percentual de determinados produtos - foi duramente
criticada ao longo do dia.
O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), mesmo afirmando
que os governadores vão se esforçar para que não
haja aumento da carga de impostos, disse que essa possibilidade está
aberta.
No fim da noite, porém, quando se encerrou a reunião do
ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com Guimarães e os líderes
da base governista, foi fechado um acordo para fixar em 25% a alíquota
máxima do ICMS. A medida será adotada para afastar rumores
de aumento de carga.
"Acho que o governo vai ter dificuldades na aprovação"
O coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária
(Confaz) e secretário de Fazenda da Bahia, Albérico Mascarenhas,
disse que o governo vai ter dificuldades para aprovar a proposta de reforma.
- Eu não tenho como defender para o meu governador uma reforma
que não traga benefícios para o meu estado. Por isso, acho
que o governo vai ter dificuldades na aprovação - disse
Mascarenhas, ao deixar o Ministério da Fazenda, onde entregou a
Carta de Brasília, com reivindicações dos estados,
ao secretário-executivo-adjunto, Arno Agostin.
O governo deverá ter dificuldades de aprovar sem alterações
o relatório de Guimarães na comissão especial da
reforma tributária amanhã, como fez com a reforma da Previdência.
Embora a oposição só controle 11 dos 27 votos da
comissão, a reação ao texto do relator também
é forte entre os aliados do governo. Os rebeldes da base devem
ser substituídos.
- Já apresentei minhas reivindicações ao líder
do partido.Vou conversar com o relator, mas se não houver recuo
na proposta de desvinculação da CPMF da Saúde, não
voto a favor - afirmou o deputado Walter Pinheiro (PT-BA).
A oposição, assegurou a aprovação da reforma
da Previdência na comissão e no plenário, agora promete
dar mais trabalho ao governo, sobretudo em razão da pressão
dos governadores insatisfeitos com o relatório de Guimarães.
PFL quer adiar ao máximo a votação do relatório
O PFL já pensa, inclusive, em elaborar um voto em separado que
possa ganhar o apoio de outras bancadas, caso o governo se negue a negociar
mudanças já na comissão especial.
A estratégia pefelista é adiar ao máximo a votação
do relatório e forçar o governo a abrir negociações.
- Esta proposta foi feita para que não haja reforma tributária.
Não consegui encontrar uma única pessoa que seja favorável
ao relatório - criticou o líder do PFL, deputado José
Carlos Aleluia (BA).
Dentro da base, a lista de reivindicações também
é grande. O PSB, que tem dois representantes na comissão
especial, deverá cobrar do ministro Palocci a retomada do acordo
firmado com os governadores, sobretudo no que diz respeito à criação
do fundo de compensação para os estados exportadores.
COLABORARAM Vivian Oswald, Catia Seabra e Adriana Vasconcelos
'Loucura que aumenta
os impostos'
BRASÍLIA e SÃO PAULO. O ex-secretário da Receita
Federal Everardo Maciel engrossou o coro dos que criticaram ontem pesadamente
o relatório do deputado Virgilio Guimarães (PT-MG). O ex-secretário
disse que a proposta da reforma tributária original do governo
tinha virtudes e defeitos, mas o relatório apresentado à
comissão especial da Câmara "manteve os defeitos e incluiu
novos defeitos". Segundo Everardo, o maior deles é permitir
que o Confaz decida quais serão os produtos que terão as
alíquotas do ICMS definidas pelo Senado.
- Isso é uma loucura que leva ao aumento da carga tributária.
Não tenho dúvida de que vai provocar o aumento da carga
- disse.
Everardo afirmou ainda que outro defeito importante na proposta é
a manutenção dos incentivos fiscais atuais por oito anos.
- Muitos (incentivos) são ilegais. Estamos perpetuando algo ineficiente
que não traz benefício para região nenhuma - disse
ele, que é favorável à desvinculação
da CPMF da área de saúde.
- Quanto menor a vinculação, melhor, porque toda vinculação
é uma restrição para a gestão do orçamento
- afirmou.
Everardo disse que o relatório deverá ter novas versões
e afirmou que a última não acrescentou qualquer ponto positivo.
Ele afirmou ainda que, no Brasil, confunde-se hierarquia com eficácia,
o que significa que só vale como reforma o que é constitucional.
Para desonerar os bens de capital da incidência da IPI e ICMS, segundo
ele, não é preciso mudar a Constituição:
- O IPI pode ser tirado por um decreto e o ICMS por lei complementar,
ou seja, não precisa de emenda.
Everardo sugeriu que outros tributos, além do IPI e do Imposto
de Renda, possam ser partilhados com estados e municípios. Ele
elogiou a mudança na legislação do ICMS, que unifica
as 27 legislações e reduz a cinco as 44 alíquotas
hoje existentes.
O relatório da reforma tributária também não
agradou a especialistas no assunto ouvidos pelo GLOBO. O ex-ministro da
Fazenda Maílson da Nóbrega disse que o texto conseguiu a
"proeza de ser pior do que aquilo que já era ruim".
- O projeto mina as chances de crescimento futuro do Brasil, piora a
eficiência econômica, a capacidade de gestão orçamentária
e o processo de intermediação financeira - disse Maílson.
Já o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
(IBPT), Gilberto Luiz Amaral, disse que o relatório é um
pouco melhor do que o texto original, mas ainda é acanhado e não
atende ao objetivo de desonerar a produção.
Guilherme Afif Domingos, presidente da Associação Comercial
de São Paulo, promete desembarcar hoje em Brasília, acompanhado
de cem empresários, para participar de uma manifestação
na Câmara contra o aumento da carga tributária.

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